Colômbia aposta em lei para dar fim a ciclo de violência contra oposição

Estatuto dá benefícios a adversários do governo, mas chega com estrutura falha para aplicação

Parlamentares participam do ato de posse do Congresso, o primeiro com o novo estatuto
Parlamentares participam do ato de posse do Congresso, o primeiro com o novo estatuto - Fernando Vergara - 20.jul.2018/Associated Press
São Paulo

Quando o direitista Iván Duque assumir a Presidência da Colômbia, em 7 de agosto, seus adversários terão proporcionalmente mais recursos do fundo partidário que as siglas de sua base e direitos estabelecidos de réplica e participação na gestão pública assegurado por lei.

Aprovado em 9 de julho pelo Congresso, o Estatuto da Oposição é a única lei na América Latina que regula em detalhes o direito ao dissenso, normalmente citado em um ou poucos artigos da Constituição em outros países do mundo.

Ele é um dos pontos da reforma política aprovada depois do acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e uma nova tentativa de acabar com o histórico de violência proselitista do país.

Pela lei, todos os partidos serão obrigados a se registrarem até 7 de setembro no Conselho Nacional Eleitoral como governistas, opositores e independentes. Eles também foram obrigados a mudar seus estatutos para determinar de que lado estariam.

Quem se declarar como opositor terá uma partição exclusiva do fundo partidário, vagas nas mesas diretoras das casas legislativas, nas comissões de Orçamento e Relações Exteriores e nos conselhos deliberativos de órgãos estatais e acesso prioritário à informação pública.

O benefício mais cobiçado pelos partidos, porém, é o acesso aos meios de comunicação, cujo papel é uma das principais críticas dos partidos menores e em dissenso.

Além de 30 minutos mensais de horário político eleitoral, a lei obriga os canais de rádio e televisão a darem espaço para as siglas responderem a discursos e pronunciamentos do presidente, como a prestação anual de contas.

E também caberá resposta em caso de declarações do presidente e de membros de seu gabinete “frente a tergiversações graves e evidentes ou ataques públicos”. O responsável por regulamentar e definir se vale a réplica é o Conselho Nacional Eleitoral (CNE).

A atuação do órgão é um dos principais motivos para o ceticismo de Marlon Pabón Castro, do observatório de Justiça Eleitoral da Missão de Observação Eleitoral da Colômbia, em relação a este e outros pontos do estatuto.

Para ele, o fato de os membros do conselho serem indicados pelos partidos majoritários e aprovados pelo Congresso tira a independência devida para a aplicação da lei, contrariando seu benefício de fomentar a oposição política.

“Acaba gerando um certo desequilíbrio, pois quem tem a maior representação na autoridade eleitoral não vão ser as forças da oposição ou as forças independentes”, disse.

Ele cita também como uma falha na lei a inexistência de uma segunda instituição na fiscalização —o primeiro projeto previa a participação da Procuradoria-Geral e da Defensoria do Povo. “Ficam muitas dúvidas se um órgão como esse fará uma vigilância efetiva da aplicação do estatuto.”

Até o momento já se anunciaram como oposição a Força Alternativa Revolucionária do Comum (o partido das Farc), a Aliança Verde (centro-esquerda), do ex-prefeito de Bogotá e atual senador Antanas Mockus, o esquerdista Polo Democrático Alternativo e a coalizão Lista da Decência, do ex-presidenciável Gustavo Petro.

A liderança do bloco deverá ser disputada por Mockus e Petro, que se tornou senador por ter sido segundo colocado nas eleições presidenciais, outra novidade da reforma política. Juntos, eles têm 25 das 108 vagas no Senado e 22 das 172 cadeiras da Câmara.

A coalizão de Duque, com o Centro Democrático, o Partido Conservador e duas siglas evangélicas, tem 41 senadores e 55 deputados. O vácuo é ocupado por partidos independentes, alguns aliados do atual presidente, Juan Manuel Santos, e centristas que apoiaram o ex-prefeito de Medellín Sergio Fajardo na eleição.

A posição deles se explica não só pelo lado político, mas pelas restrições do estatuto: um opositor declarado tem uma quarentena de um ano para assumir cargo público, mesmo período que os partidos opositores têm de permanecer independentes para aderir a base governista.

A lei também passará a valer para as prefeituras e os governos dos 32 departamentos a partir da eleição de 2019. Esse, segundo Pabón, seria outro problema.“Não temos uma autoridade eleitoral descentralizada que esteja presente nos departamentos e nos municípios. É difícil que eles [o CNE] consigam fazer tudo”, disse.

Mas o principal desafio continua sendo a violência política, o que em parte explica a necessidade de uma lei com 32 artigos para definir a atividade da oposição. A Colômbia passou por dez guerras civis desde 1830, a maioria entre liberais e conservadores.

Um confronto entre as duas forças há 70 anos foi a gênese do atual conflito armado, que ganhou como novo componente o narcotráfico. Apesar da desmobilização das Farc e eventual processo de paz com o ELN, o país está dividido entre dissidentes das guerrilhas e dos paramilitares, cartéis e bandos criminosos.

A Defensoria do Povo contabiliza 330 mortes de líderes políticos e sociais no país neste ano, a maior parte delas em áreas dominadas por grupos que ocuparam o espaço das Farc na produção de cocaína e na mineração ilegal.

O estatuto prevê a criação de um sistema de segurança para oposição, mas não o detalha. Para Pabón, a aplicação plena do acordo passa também pela melhora da violência para todos, e não por grupos.

“A Colômbia é um país grande, muito diferente entre si e as dinâmicas ilícitas que se veem em alguns territórios também, então compreender e entender essa situação é oportuno para todas as autoridades.”

Estatuto da Oposição na Colômbia

Vantagens

Fundo partidário - Siglas opositoras têm direito a uma parcela extra de 5% de recursos públicos, repartidos entre as siglas em dissenso

Comunicação - Lei prevê horário político obrigatório de rádio e televisão em faixa nobre e direito de rebater mensagens do presidente

Réplica - Ao serem citados pelo mandatário ou por algum outro membro do governo, têm o mesmo espaço para resposta. Cabe ao Conselho Nacional Eleitoral julgar.

Atuação na gestão - Vagas na Mesa Diretora do Senado e da Câmara, nos conselhos deliberativos de estatais e nas comissões das Relações Exteriores e de Orçamento

Segurança - Têm direito a escolta durante eventos políticos e de campanha

Desvantagens

Quarentena - Opositores não podem assumir cargos no governo nos 12 meses posteriores à saída do partido; mesmo vale para membros de uma sigla que deixe de ser antigoverno

Inflexibilidade - Um bloco precisa enviar ao Conselho Nacional Eleitoral sua solicitação para deixar a oposição

Problemas

Centralismo - O Conselho Nacional Eleitoral não tem filiais, fazendo com que todos os processos municipais e departamentais tenham que ser julgados em Bogotá

Pressão política - Controle de imprensa e ameaças de políticos, traficantes e bandos criminosos dificultam cumprimento da lei em regiões mais afastadas

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