Descrição de chapéu The New York Times

Com 10 mil pessoas, resgate na Tailândia teve inundação, tensão e sorte

'Ainda não consigo acreditar que deu certo' diz militar que participou da operação

Hannah Beech Richard C. Paddock Muktita Suhartono
Mae Sai (Tailândia) | The New York Times

Contra as probabilidades, a maioria dos meninos foi resgatada sem erros.

Mas na viagem número 11, para salvar um dos últimos meninos de um time de futebol juvenil que estavam bloqueados havia 18 dias nas profundezas de uma caverna, alguma coisa deu perigosamente errado.

A equipe de resgate no interior de uma câmara subterrânea sentiu um puxão na corda guia —sinal de que um dos 12 garotos e seu técnico iria emergir em breve dos túneis inundados.

“Continuem”, disseram os socorristas, recordou o major da Força Aérea americana Charles Hodges, comandante de missão da equipe americana no local.

Passaram-se 15 minutos. Depois 60. Depois 90.

Enquanto os socorristas aguardavam ansiosamente, um mergulhador que estava conduzindo o 11º menino pelo labirinto inundado soltou a corda guia. Com visibilidade quase zero, não conseguiu reencontrá-la. Ele então retrocedeu lentamente, voltando para trás na caverna para localizar a corda guia. Só assim o resgate pôde seguir adiante.

Finalmente o menino sobrevivente saiu em segurança.

Foi um momento assustador em uma operação até então surpreendentemente sem falhas para resgatar os membros do time de futebol Javalis Selvagens, que haviam sobrevivido à escuridão impenetrável do complexo de cavernas Tham Luang, na Tailândia, às vezes lambendo água das paredes geladas de calcário da caverna para se hidratarem.

“O mundo inteiro estava acompanhando tudo, então tínhamos que conseguir”, disse Kaew, SEAL da Marinha tailandesa que abanou a cabeça de espanto ao refletir sobre como cada um dos resgates deu certo. “Acho que não tínhamos outra escolha”.

Entrevistas com militares e autoridades responsáveis forneceram detalhes sobre uma operação de resgate montada com a contribuição física e intelectual de pessoas de todo o mundo. Dez mil pessoas participaram da operação, incluindo 2.000 soldados, 200 mergulhadores e representantes de cem agências governamentais.

Foram usados casulos plásticos, macas flutuantes e uma corda guia que içou os garotos e o técnico para que suas macas passassem sobre trechos de elevação rochosa. Os garotos ficaram isolados numa encosta rochosa a mais de 1.500 metros abaixo da superfície. Para retirá-los foi preciso atravessar longos trechos totalmente debaixo d’água de baixíssima temperatura, mantendo-os os submersos por cerca da 40 minutos cada vez. Os garotos chegaram a ser sedados para evitar ataques de pânico.

“O elemento mais importante do resgate foi a sorte”, disse o general Chalongchai Chaiyakham, vice-comandante da 3ª região do Exército tailândes, que cooperou com a operação. “Tantas coisas poderiam ter dado errado, mas de alguma maneira conseguimos tirar os meninos de lá. Ainda não consigo acreditar que deu certo.”

Os riscos foram enfatizados na sexta-feira (6) passada, quando Samarn Kunan, mergulhador aposentado dos SEALs tailandeses, morreu em um dos trechos debaixo d’água. Três mergulhadores SEALs foram hospitalizados depois de seus cilindros de ar comprimido quase se esgotarem. As correntezas fortes desviaram os mergulhadores do caminho durante horas a cada vez, às vezes arrancando suas máscaras de mergulho.

Usando equipamentos improvisados, em alguns casos remendados com fita adesiva, mais de 150 mergulhadores da Marinha tailandesa ajudaram a criar a rota de retirada. Mergulhadores internacionais e tailandeses correram risco de vida cada vez que penetraram nas cavernas estreitas de Tham Luang. Equipes militares estrangeiras trouxeram equipamentos de busca e resgate. Os americanos forneceram a logística, e mergulhadores britânicos cobriram os trechos mais perigosos.

O novo rei da Tailândia doou suprimentos. Pessoas de todo o país cooperaram voluntariamente como podiam, preparando refeições para a equipe de resgate, operando bombas para sugar água da caverna e procurando fendas ocultas nas formações de calcário pelas quais os Javalis Selvagens talvez pudessem ser içados para fora da caverna.

Mas, segundo mergulhadores e líderes da operação, o elemento mais imprescindível na operação para salvar o time de garotos de 11 a 16 anos e seu técnico foi a coragem.

“Não tenho conhecimento de nenhum outro resgate que tenha colocado socorristas e resgatados em tanto perigo por um período de tempo tão prolongado, exceto algo como os bombeiros que entraram no World Trade Center cientes de que o edifício estava em chamas e prestes a desabar”, disse Hodges.

Finalmente o menino sobrevivente saiu em segurança.

Começou como uma comemoração de aniversário

Havia previsão de chuva no dia 23 de junho, quando os Javalis Selvagens fizeram sua excursão a Tham Luang, mas os garotos já tinham se aventurado na caverna em ocasiões anteriores. Eles deixaram suas bicicletas e chuteiras na entrada e entraram na caverna levando faroletes, água e lanches comprados para comemorar o aniversário de um dos meninos.

O último dos meninos só sairia da caverna no dia 10 de julho, mais de 15 dias depois.

Ao final da primeira noite, seus pais estavam em pânico. Um contingente de SEALs tailandeses começou a penetrar na caverna inundada às 4h do dia seguinte.

Mas eles estavam acostumados a mergulhar em águas tropicais abertas, não na correnteza barrenta e gelada que percorria as cavernas. Não tinham os equipamentos e muito menos os conhecimentos necessários para mergulhar em cavernas, onde não é possível simplesmente voltar para a superfície quando alguma coisa dá errado.

Ruengrit Changkawanuyen, gerente regional tailandês da General Motors, foi um dos primeiros mergulhadores voluntários a comparecer ao local, no dia 25 de junho. Dezenas viriam a seguir, chegando de países que incluíram a Finlândia, Reino Unido, China, Austrália e Estados Unidos.

A força da água em Tham Luang pegou desprevenido mesmo um mergulhador em cavernas experiente como Ruengrit, arrancando sua máscara quando ele não se posicionou corretamente, diretamente de frente para a corrente.

“Era como entrar em uma cachoeira muito forte e sentir a água se lançando contra você”, ele contou. “Era uma escalada horizontal contra a água a cada passo.”

Os SEALs e os mergulhadores voluntários penetraram a caverna com grande cuidado, fixando cordas guias às paredes para garantir sua segurança. Eles encontraram pegadas que davam indícios do caminho seguido pelos garotos. Mas as chuvas das monções foram inundando a área, e as cavernas, feitas de calcáreo poroso, absorviam a água como uma esponja. Cavernas antes acessíveis ficaram completamente inundadas.

“Você estendia sua mão à sua frente e ela sumia”, disse Kaew, o SEAL que escapou do dilúvio final. “Não dava para enxergar nada, nada.”

Uma trilha gelada e escorregadia

Nas profundezas das cavernas a água era tão gelada que os dentes dos mergulhadores tailandeses batiam quando eles faziam descansos durante seus turnos de 12 horas. Sem contar com capacetes apropriados, eles prendiam diversos tipos de faroletes a seus capacetes improvisados, usando fita adesiva.

No décimo dia da operação, 2 de julho, com poucas esperanças de encontrar qualquer coisa exceto corpos, dois mergulhadores britânicos que trabalhavam para estender uma rede de cordas guias vieram à superfície perto de uma saliência rochosa estreita.

De repente, viram 13 pessoas sentadas no escuro. Os Javalis Selvagens tinham ficado sem comida e sem luz, mas haviam sobrevivido lambendo a condensação das paredes da caverna.

Mas o júbilo com a descoberta em pouco tempo deu lugar à ansiedade. O capitão Anand Surawan, vice-comandante dos SEALs tailandeses que comandava um centro operacional em Tham Luang, sugeriu que os garotos e seu técnico talvez tivessem que permanecer na caverna por quatro meses, até a estação das chuvas chegar ao fim.

Três SEALs tailandeses ficaram desaparecidos por 23 horas, e, quando finalmente reapareceram, estavam tão enfraquecidos por falta de oxigênio que foram levados ao hospital às pressas.

Quatro dias depois de os garotos terem sido localizados, Saman Kunan, o SEAL aposentado que deixou seu emprego de segurança em um aeroporto para se oferecer como voluntário para participar do resgate, morreu quando estava colocando cilindros de ar numa rota de suprimento debaixo da água. Sua família não autorizou uma autópsia, mas algumas autoridades tailandesas dizem que ele ficou sem ar em seus cilindros. Outros acreditam que ele tenha morrido por hipotermia.

“Tenho orgulho enorme dele”, disse seu pai, Wichai Gunan, mecânico de automóveis. “Meu filho é um herói que fez tudo que pôde para ajudar os garotos.”

Enquanto isso, os esforços para drenar a caverna, usando bombas de água e um dique improvisado, começaram a surtir efeito. Saliências rochosas começaram a elevar-se da água turva. O trecho mais inundado, que levara cinco horas para ser percorrido no início da operação, agora podia ser atravessado em duas horas, com a ajuda das cordas guias.​

Uma corrida contra a chuva para dar início ao resgate

No último fim de semana, os socorristas estavam ansiosos por retirar os meninos. A previsão meteorológica voltava a apontar para chuva. O nível de oxigênio no local onde os garotos estavam havia caído para 15%. Quando chegasse a 12%, o ar se tornaria letal.

A operação mudava constantemente de figura, de acordo com cada variável: a água, o ar, a lama, até mesmo o estado mental e físico dos garotos. Como eles não sabiam nadar, precisavam de máscaras de mergulho que cobrissem o rosto inteiro, dentro do qual seria bombeado ar com forte teor de oxigênio.

Mas as máscaras trazidas pela equipe americana eram feitas para adultos. Então a equipe as testou com crianças voluntárias numa piscina local e descobriu que, puxando as cinco correias ao máximo, elas poderiam funcionar.

A equipe americana, composta de 30 pessoas e que foi crucial para o planejamento da operação, recomendou que cada menino fosse confinado dentro de um casulo de plástico flexível, conhecido como um Sked, que é descrito como maca de resgates e faz parte dos equipamentos padronizados da equipe da Força Aérea.

Mergulhadores britânicos especializados conduziram os meninos pelos trechos submersos mais complicados, de olho em bolhas de ar que comprovassem que eles estavam respirando.

O primeiro-ministro da Tailândia, Prayuth Chan-ocha, disse que os garotos receberam tranquilizantes.

“Eles só precisavam ficar deitados ali”, disse Hodges, líder da equipe americana. 

Quando os meninos completaram a parte do trajeto feita debaixo d’água, que levou cerca de duas horas, o resto do percurso foi mais fácil, se bem que não deixou de trazer desafios. Os SEALs formaram equipes de revezamento para carregar os garotos na descida de encostas íngremes em que cada passo era escorregadio.

Em um ponto, os casulos plásticos contendo os meninos foram colocados sobre as mangueiras das bombas d’água, que foram usadas como um escorregador improvisado. Cordas içaram os garotos ao alto para que pudessem passar por cima das partes especialmente acidentadas. Em um trecho, os casulos foram colocados em cima de macas flutuantes e empurrados pelos mergulhadores tailandeses.

Proteção divina

O Seal tailandês Kaew estava parado no meio da água gelada da caverna na noite de terça-feira, engolindo a última mordida de uma pizza de abacaxi e frutos do mar, quando ouviu um grito de aviso: havia mais água vindo. Era preciso sair já.

Durante três dias exaustivos, ele e seus colegas tinham carregado os 12 garotos e o técnico, um a um, por uma série de cavernas escorregadias e íngremes, entregando-os em segurança.

Minutos antes do aviso, ele tinha dado as boas-vindas de volta à equipe de SEALs que permaneceu com os garotos durante oito dias na encosta onde estavam refugiados nas profundezas do labirinto inundado de Tham Luang.

“Os meninos estavam em segurança, meus amigos estavam em segurança”, disse Kaew, que não foi autorizado a dar seu nome completo. “Pensei que a missão tinha sido um sucesso, finalmente.”

E então, quando parecia que tudo estava terminado, uma das bombas de drenagem usada para reduzir o nível de água nas cavernas deixou de funcionar. A água, que antes estava ao nível da cintura do mergulhador, subiu rapidamente para a altura de seu peito, jorrando com grande força no lugar onde Kaew se encontrava, a cerca de 800 metros da boca da caverna. Sem nenhum equipamento de mergulho à mão, o SEAL teve que correr para procurar um lugar mais elevado. Ele escapou por um triz da inundação final.

Foi um final caótico da operação de resgate. Muitos dos mergulhadores e moradores da cidade próxima de Mae Sai encararam a inundação de último minuto como sinal de que a proteção divina só tinha sido retirada depois que todos haviam sido resgatados.

Kaew passou a missão inteira com um amuleto de Buda pendurado de seu pescoço com fita adesiva à prova d’água. “A caverna é sagrada”, ele disse. “Ela recebeu proteção até o final.”

Tradução de Clara Allain

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