Descrição de chapéu Governo Trump

Crianças separadas dos pais nos EUA guardam trauma de estada em abrigos

Segundo responsáveis, menores estão irritadiços, apáticos e têm dificuldade de seguir rotinas

Mulher abraça um menino que leva no colo. Os dois são retratados de perfil, à distância e seus rostos não aparecem. Ao fundo do lado direito, há uma sequência de cadeiras típicas de aeroporto.
Imigrante hondurenha reencontra filho em aeroporto do Texas depois de mais de cinco semanas de separação - Loren Elliott/Reuters
Boston

Depois de quase dois meses em um abrigo nos EUA, o brasileiro Davi (nome fictício), 5, inventou uma brincadeira: chama um amigo, empurra-o contra a parede e coloca suas mãos para cima, como um policial.

"Ele pediu uma arma de brinquedo para a mãe", conta a assistente jurídica Luana Mazon, do escritório de advocacia Jeff Goldman, que assessora a família. Desde que foi reunido à mãe, na semana passada, ele quase não conversa, não come e quis voltar a mamar, no peito. "Está completamente traumatizado." 

O relato é um entre vários que advogados e famílias têm ouvido desde que dezenas de crianças imigrantes reencontraram os pais, após serem separadas por agentes ao cruzar a fronteira ilegalmente.

Mudanças de comportamento, como a recusa a seguir regras, a apatia ou a completa ausência de demonstrações de carinho, também foram relatadas. 

A Academia Americana de Pediatria, que se opôs à tolerância zero, já alertou que a prática pode causar traumas irreparáveis às crianças. 

"A verdade é que o problema não acaba aí [na reunificação das famílias]: está só começando", comenta Liliane Costa, diretora-executiva do Brace (Centro Brasileiro-Americano), que atende imigrantes nos arredores de Boston.

A região reúne uma das maiores comunidades brasileiras nos EUA. É para lá que foram algumas das famílias reunidas nas últimas semanas. 

Uma delas é a da mineira Sirley Silveira, que voltou a ver o filho de dez anos no início de julho, depois de 42 dias. "A mãe disse que ele está muito estranho: está agressivo, não tem paciência, não quer obedecer, fica perguntando a toda hora o que vai fazer", conta Mazon, que também assessora a família.

Ao mesmo tempo, o menino não quer distância da mãe. Fica com medo de vê-la sair de vista. E não gosta de lembrar o que aconteceu no abrigo onde ficou, em Chicago.

Apesar de as condições materiais do lugar serem boas, segundo o relato de equipes que visitaram as crianças brasileiras, a rotina era espartana. Havia hora para levantar, para dormir e tarefas como limpar o quarto e o banheiro.

Para os brasileiros, a socialização era mais difícil, já que a maioria dos residentes falava espanhol. Irmãos foram separados em quartos diferentes. O contato com os pais se limitava a dez minutos por semana, por telefone. E, em alguns abrigos, contatos físicos com outras crianças, incluindo abraços, eram proibidos. Mesmo diante de choro.

"A gente sabe o quanto essa experiência pode ser traumática", diz o psicólogo Daniel de Lima, que trabalha com a comunidade imigrante nos EUA. 

"Essa é uma fase em que a criança está completamente dependente do outro e precisa de cuidado, até para desenvolver o próprio sentido de confiança", comenta. "Depois da separação, na cabeça dela, correm dois sentimentos: de um lado, ela está desesperada para se reunir aos pais, mas, de outro, tem a sensação de ter sido traída."

A volta à amamentação, como ocorreu com o menino de cinco anos, indica uma regressão psicológica, segundo Lima, para um momento em que a criança se sentia totalmente protegida.

Os sintomas podem ser mais facilmente notados em crianças menores, mas, no caso de adolescentes, a separação é igualmente prejudicial, já que pode ser o gatilho para uma revolta contra os pais.

Segundo Lima, nos adultos, o sentimento a ser trabalhado é a culpa, que, no futuro, pode gerar um comportamento de superproteção.

"Parece até que o objetivo do governo americano é exatamente esse: tornar esses pais culpados por terem levado seus filhos à fronteira. Mas isso é uma completa falta de empatia pelo sofrimento e pela história dessas pessoas", afirma o psicólogo.

O Consulado do Brasil em Boston está organizando um grupo de apoio para atender a mães e filhos, gratuitamente.

Equipes deste e de outros consulados seguem visitando as crianças nos abrigos espalhados pelos EUA. Cerca de 40 menores brasileiros ainda estão sob a guarda do governo americano, longe dos pais.

Alguns relatos de quem já deixou as instituições assustaram advogados, que estudam entrar com uma ação coletiva reclamando de negligência e maus-tratos. 

O filho de Sirley Silveira, por exemplo, quebrou o braço jogando futebol e disse não ter sido atendido por um médico, mas por um funcionário da instituição, e não fez nenhum tipo de exame ou raio-X. Hoje, o braço dói, e ele ainda usa um curativo improvisado. Ele também disse ter visto um menino de cinco anos receber medicação intravenosa em meio a crises.

Depois dos primeiros relatos virem à tona, o governo do estado de Illinois abriu uma investigação nesta semana para verificar o estado dos abrigos na região de Chicago. 

A Heartland Alliance, que mantém as instituições, informou que as alegações são "perturbadoras, porque não refletem os valores e a qualidade do serviço" da organização e disse que iniciou uma apuração para identificar e punir eventuais responsáveis por maus-tratos.

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