Descrição de chapéu The New York Times

EUA revelam trama de sexo, mentiras e ligações com agentes russos

Suspeita de trabalhar para Moscou mantinha relação com americano em troca de emprego

Maria Butina, acusada nos EUA de ser agente russa, em imagem de 2015
Maria Butina, acusada nos EUA de ser agente russa, em imagem de 2015 - Reuters
Washington | The New York Times

Durante quatro anos, uma russa acusada de ser agente secreta se infiltrou em círculos conservadores dos EUA para influenciar políticos republicanos poderosos, enquanto secretamente mantinha contato com agentes da inteligência russa.

Maria Butina, conforme revelaram autoridades federais dos EUA nesta semana, também tinha laços com um integrante do governo de Moscou e com um bilionário ligado ao Kremlin que ela chamava de seu “financiador”.

O plano começou a ser posto em prática em 2014. 

Segundo promotores, Butina mentiu para conseguir um visto de estudante e frequentar um curso de graduação na Universidade Americana em Washington em 2016. Depois, aparentemente pensando em um visto de trabalho que lhe garantisse permanência mais longa, ela propôs a um americano compensá-lo com sexo em troca de um emprego. 

Butina foi morar com um operador político republicano que tinha o dobro de sua idade, a quem descrevia como namorado e que realizava seus trabalhos acadêmicos, mas por quem expressava desprezo em particular. 

A russa é acusada de conspiração e atuação ilegal como agente de Moscou. Segundo os promotores, ela foi a crucial em uma campanha longa e calculada para manobrar políticos americanos de alto nível em Washington a fim de atingir os objetivos do Kremlin. 

Os promotores não citaram nomes de partidos ou de políticos, mas os esforços de Butina claramente visavam líderes republicanos, sobretudo aqueles com aspirações à Casa Branca em 2016, incluindo Donald Trump.

De modo geral, eles descreveram o que parece ser mais um braço das tentativas do governo russo de influenciar ou obter informações sobre o processo político dos EUA.

Enquanto agentes da inteligência russa invadiam os computadores e contas de email da campanha de Hillary Clinton e de organizações do Partido Democrata, Butina fazia conexões com o meio republicano sob a orientação supostamente de Alexander Torshin, vice-presidente do Banco Central russo com laços com os serviços de inteligência. 

Secretamente, ela e outros fincaram as bases de uma operação de US$ 125 mil (R$ 472 mil pela cotação atual) para se conectar a líderes republicanos por meio de uma rede de contatos da Associação Nacional do Rifle (NRA, na sigla em inglês) e de grupos religiosos conservadores, incluindo os organizadores do Desjejum Nacional de Oração, segundo os promotores. 

“A campanha de influência secreta da acusada envolveu um planejamento substancial, coordenação e preparação internacionais”, disseram eles. 

A juíza Deborah A. Robinson, do Tribunal Distrital dos EUA, negou fiança para Butina, aceitando o argumento da promotoria de que ela apresentava risco de fugir do país. 

Os promotores apresentaram acusações criminais depois que, no fim de semana, agentes relataram que ela estava retirando dinheiro do país, mandou empacotar suas coisas, procurou um caminhão de mudanças e cancelou o aluguel do apartamento. 

Em março, Butina, que pode agora ser condenada a 15 anos de prisão, jantou com um diplomata russo suspeito de ser agente da inteligência.

Ele deixou os EUA duas semanas depois, na época em que uma dúzia de oficiais da inteligência russa foram expulsos do país por causa do envenenamento do ex-espião russo que Serguei Skripal, no Reino Unido. 

A lista de contatos de Butina incluía uma conta de email associada à FSB, a agência de inteligência russa que é a principal sucessora da KGB soviética. Agentes do FBI que vasculharam seu apartamento encontraram um bilhete manuscrito que dizia: “Como responder à oferta de emprego da FSB?”.


O advogado de Butina, Robert Driscoll, salientou que Butina não foi indiciada pelo procurador especial Robert Mueller, que investiga a interferência russa nas eleições, e não deve ser comparada aos quase 30 russos acusados de se infiltrar nos computadores de organizações democratas ou de usar ilegalmente redes sociais para influir na eleição. 

“Butina não é representante de qualquer das questões sérias e substanciais” que envolvem as relações entre os EUA e a Rússia, disse Driscoll.

Em Moscou, autoridades disseram que Butina, que se declarou inocente das acusações, foi um peão em um jogo geopolítico muito maior.

“Você tem a sensação de que alguém pegou um relógio e uma calculadora para determinar quando a decisão sobre a prisão de Maria Butina deveria ser decretada”, disse em um comunicado Maria Zakharova, porta-voz da Chancelaria russa, aludindo à reunião bilateral entre Trump e o presidente russo, Vladimir Putin, na segunda (16).

Há um ano, porém, agentes do FBI vigiavam Butina, que concluiu em maio um mestrado em relações internacionais.

Em revista em seu apartamento em Washington, agentes do FBI descobriram uma trilha de mensagens entre Butina e Torshin, que, assim como ela, tentava formar contatos com diretores da NRA.

Depois que ela apareceu em várias reportagens, Torshin a comparou a Anna Chapman, uma agente da inteligência russa que foi presa nos EUA em 2010, confessou-se culpada de conspiração para atuar como agente russa e foi deportada para a Rússia como parte de uma troca por prisioneiros americanos. 

Nas semanas que antecederam a eleição, os dois concordaram que ela deveria se manter discreta, e Butina referiu-se a si mesma como “subterrânea”. Mas depois que ela enviou a Torshin uma foto sua perto do Capitólio em Washington, no dia da posse de Trump, ele exclamou: “Você é uma diaba, garota! O que posso dizer?”. Ela respondeu: “Bons professores!”. 

Pela primeira vez, os promotores também ligaram Butina a um russo muito rico que, segundo eles, tem ligações profundas com a administração presidencial do Kremlin e viaja aos EUA com frequência.

Butina se referiu diversas vezes ao empresário como seu “financiador”, segundo os promotores. Antes de sua primeira viagem aos EUA, no final de 2014, ela se encontrou com ele e se comunicou com outro empresário russo. 

De acordo com os promotores, o oligarca disse a Butina: “Quero que você vá aos EUA para trabalhar, e não em uma viagem turística”.

Mais tarde, preocupada que suas frequentes viagens com vistos de curto prazo chamassem atenção, Butina planejou obter um visto de trabalho, segundo a promotoria, oferecendo sexo em troca de um emprego em uma “organização de interesse especial” (a forma como os americanos se referem aos lobbies) não identificada. 

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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