Investigação joga luz sobre papel de suposto hacker russo na eleição dos EUA

Usuário Guccifer 2.0 passou dados do Partido Democrata, rival de Trump, para o WikiLeaks

Jim Rutenberg Eric Lipton David E. Sanger
Nova York | The New York Times

A mensagem do WikiLeaks em julho de 2016 para um grupo de oficiais da inteligência russa que, segundo promotores, fingiam ser um hacker romeno chamado Guccifer 2.0, pedia ação rápida antes da abertura da Convenção Nacional Democrata, naquele mês.

"Se você tiver alguma coisa relacionada a Hillary, mande nos próximos dois dias preferivelmente, porque a convenção está chegando", dizia a mensagem. "E depois ela vai solidificar os apoiadores de Bernie atrás de si."

O WikiLeaks tinha começado a procurar arquivos roubados de Guccifer 2.0 duas semanas antes, depois de revelações de que o servidor do Comitê Nacional Democrata (CND) tinha sido invadido, segundo mensagens privadas citadas em um indiciamento feito na sexta-feira (13) pelo procurador especial Robert Mueller.

A organização havia dito a Guccifer que publicar o material roubado no site do WikiLeaks "terá um impacto muito maior do que o que você está fazendo".

Mas os administradores do WikiLeaks, incluindo seu fundador, Julian Assange, não sabiam o que havia no pacote —estavam simplesmente procurando qualquer coisa que ampliasse as divisões internas do partido entre os apoiadores de Hillary Clinton e os de Bernie Sanders, o senador de Vermont que a desafiou para a nomeação.

O intercâmbio oferece uma nova visão do papel central de Guccifer 2.0, a personalidade digital supostamente armada pela inteligência militar russa, que passou os documentos roubados dos democratas e informações enganosas para o WikiLeaks e alguns americanos, que então as espalharam pelas redes sociais e organizações noticiosas.

O indiciamento fornece detalhes inéditos sobre como os ciberespiões russos atuaram, com base em interceptações que devem ter vindo da inteligência americana, britânica ou holandesa, como mostram entrevistas dos últimos meses.

As três acabaram entrando nas redes russas, mas foram os britânicos que advertiram primeiro à NSA (Agência de Segurança Nacional americana) que estavam vendo mensagens do comitê democrata passando por linhas de comunicação controladas pelo serviço militar de inteligência russo, o GRU.

Quando Guccifer 2.0 apareceu, muitos especialistas suspeitaram que fosse um avatar de membros de uma unidade cibernética militar operando a partir de Moscou. O indiciamento documentou evidências contra 12 autoridades russas, principalmente oficiais militares, que foram acusados de conspiração para influenciar a eleição presidencial de 2016 nos EUA.

Essas acusações pairaram sobre a reunião do presidente Donald Trump nesta segunda-feira (16) com Vladimir Putin, que, segundo autoridades de inteligência americanas, lançou e supervisionou a operação para interferir na eleição.

Um ano atrás, quando os dois se reuniram pela primeira vez, o líder russo insistiu que a Rússia não tinha nada a ver com os ataques, dizendo a Trump, como relatou mais tarde a um repórter: "Se nós fizéssemos isso não teríamos sido apanhados, porque somos profissionais".

Trump disse: "Eu pensei que era uma boa tese, porque eles estão entre os melhores do mundo". Agora ele se encontra com Putin novamente logo depois de procuradores terem emitido um relato incomumente detalhado sobre o papel de oficiais militares russos na invasão.

O esforço da equipe que posou como Guccifer para disseminar os frutos dos audaciosos ciberataques mostra quão agressivamente os agentes russos trabalharam em 2016 para interferir na eleição presidencial. Eles mostraram destreza ao navegar pelo debate político nacional e uma compreensão cada vez mais sofisticada da política eleitoral americana.

Além do WikiLeaks, os russos fizeram contato com americanos que tinham influência em círculos republicanos e com Trump, segundo a acusação. Ela não afirma que americanos soubessem que Guccifer 2.0 era uma criação de espiões russos. Essas figuras incluem Roger J. Stone Jr., um velho amigo de Trump que trocou mensagens com Guccifer durante a campanha, mas disse em uma entrevista no sábado (14) que na época não acreditava que agentes do Estado russo estivessem por trás disso.

"Originalmente pensei que fosse um hacker romeno porque era o que ele afirmava ser", disse Stone.

Havia Lee Stranahan, que hoje é coapresentador de "Fault Lines" na rede de rádio Sputnik, de propriedade russa, mas na época estava no Breitbart News, cujo chefe nesse período, Steve Bannon, entrou na campanha de Trump em agosto.

O indiciamento cita que Guccifer 2.0 tinha enviado alguns documentos para um lobista na Flórida, o que tinha sido relatado anteriormente. Mas também revela que um candidato ao Congresso que não citou pelo nome, ligado aos agentes, procurava documentos roubados sobre um adversário político, que então foram enviados.

O indiciamento preenche várias lacunas críticas na sequência de eventos que se desenrolaram depois da invasão eletrônica do Comitê Democrata e seu grupo parceiro, o Comitê Democrata de Campanha ao Congresso, que ajuda a eleger deputados do partido.

Altos executivos do comitê, como mostram e-mails obtidos previamente pelo New York Times, sabiam em 19 de abril de 2016 que o sistema do comitê estava comprometido.

Os advogados do comitê naquele dia discutiram planos para se encontrar com membros graduados da equipe que tinha conhecimento da invasão, alguns dos quais tinham alertado o FBI.

Mas apenas três dias depois —enquanto o CND tentava conter o ataque— os conspiradores obtiveram gigabytes de dados, incluindo pesquisas da oposição, segundo o indiciamento. Isso sugere que o pior da invasão ocorreu depois que o comitê soube que seus sistemas tinham sido violados.

Guccifer 2.0 fez sua primeira aparição pública dois meses depois, em 15 de junho, dias após as últimas primárias republicanas. Em seu recém-criado site na web, o personagem Guccifer anunciou que estava divulgando "apenas alguns documentos dos muitos milhares que tirei quando invadi a rede do CND".

A nova postagem no blog incluía o dossiê de pesquisa secreta sobre Trump. O nome Guccifer 2.0 lembrava o usado pelo hacker romeno Marcel-Leher Lazar, que, sob o apelido original de Guccifer em 2013, invadiu e depois divulgou e-mails da família Bush, de Colin Powell e Sidney Blumenthal, um assessor informal de Hillary Clinton.

Lazar, que está preso, disse que inventou esse apelido misturando as palavras "Gucci" e "Lúcifer".Cinco dias depois da primeira postagem de Guccifer 2.0 no blog a unidade militar que estaria por trás dele enviou sua primeira mensagem sob sua conta conectada no Twitter: "Oi! Estou no Twitter agora! Esta é minha conta oficial!"

Em 22 de junho, Guccifer 2.0 estava incentivando qualquer um a se comunicar diretamente com seu avatar hacker —e, como mostra o indiciamento, ele imediatamente atraiu uma série de americanos com influência na mídia e na política republicana.

Parte do material era especialmente valiosa porque incluía relatórios que os democratas tinham compilado sobre as vulnerabilidades de seus próprios candidatos —uma verificação de diligência para reforçar suas defesas— e não destinada à divulgação.

Em meados de agosto, comentou o indiciamento, Guccifer 2.0 recebeu um pedido de documentos roubados de um candidato ao Congresso. Os agentes da inteligência russa, dizia ele, responderam enviando a informação sobre o adversário do candidato.

Material roubado dos democratas relacionado a seus candidatos à Câmara em 2016 foi transmitido para Estados que incluem Flórida, Pensilvânia, New Hampshire, Ohio, Illinois, Novo México e Carolina do Norte.

Em um caso, um lobista republicano da Flórida procurou Guccifer, segundo mensagens de texto de 22 de agosto de 2016 obtidas previamente pelo "Times". O lobista, Aaron Nevins, tem um site na web chamado HelloFLA! e estava se preparando para postar alguns documentos roubados.

Em uma comunicação posterior, Nevins, que usa o pseudônimo de Mark Miewurd, escreveu: "Vamos fazer uma entrevista". "Não tenho certeza se alguém escreveu sobre sua motivação", escreveu ele, acrescentando que "os democratas dizem que você é um agente russo, o que diz sobre isso?" Ele não teve uma resposta específica, segundo as mensagens que compartilhou com o NYT.

No mesmo dia em meados de agosto em que Nevins recebeu material de Guccifer 2.0, ele começou a publicá-lo em seu blog, gabando-se de ter acesso exclusivo a modelos de comparecimento de eleitores do Partido Democrata antes confidenciais e avaliações de fraquezas dos candidatos do partido na Flórida.

A conta de Guccifer no Twitter em setembro de 2016 repetiu um dos posts em blog de Nevins detalhando o eleitorado da Flórida para alguém que o indiciamento chamou de "uma pessoa que tinha contato regular com membros graduados da campanha presidencial de Donald Trump". Em uma mensagem direta, a conta de Guccifer escreveu: "O que você acha da informação sobre o modelo de comparecimento dos democratas em toda a campanha presidencial".

Essa pessoa era Stone, um assessor informal de Trump e um proeminente agente republicano que há muito aprecia ser chamado de "truqueiro sujo". Depois de receber a mensagem sobre o modelo de comparecimento, Stone escreveu que não ficou impressionado: "bastante comum".

Stone esteve em contato com Guccifer 2.0 pelo menos em meados de agosto de 2016, quando enviou uma mensagem direta no Twitter cumprimentando-o por superar uma suspensão temporária. (Um porta-voz do Twitter disse no sábado que agora tinha fechado a conta.)

"Obrigado por responder", escreveu Guccifer a Stone. "Você acha algo interessante nos docs que postei?"

A comunicação, que Stone havia compartilhado publicamente em março de 2017, mostrava que então ele pediu que Guccifer retuitasse um artigo que ele havia escrito para The Hill intitulado "Como a eleição pode ser manipulada contra Donald Trump", um pedido que Guccifer disse ter cumprido.

Autoridades do Departamento de Justiça disseram na sexta-feira que não estão afirmando que Stone sabia que estava se comunicando com oficiais da inteligência russa.

O Daily Caller relatou no final de 2016 que depois que uma pista de Guccifer não preencheu as expectativas iniciais o suposto hacker romeno reconheceu em uma mensagem direta no Twitter ao site que "ele não tinha uma boa avaliação do noticiário e cabia aos jornalistas encontrar as reportagens em seus vazamentos".

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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