Líder comunitário é 1º árabe a disputar prefeitura de Jerusalém em 50 anos

Cidadão israelense, Ramadan Dabash se define como palestino e mora na parte oriental da cidade

Daniela Kresch
Jerusalém

A política de Jerusalém está prestes a encarar uma revolução. Pela primeira vez em mais de meio século, um candidato árabe e morador da parte oriental da cidade disputará as eleições municipais, em 30 de outubro.

O líder comunitário Ramadan Dabash, 52, da aldeia de Tsur Baher, vai representar os 350 mil moradores árabes de Jerusalém Oriental (37% do total) que costumam boicotar o pleito para prefeito e para o Conselho Municipal.

Mesmo que não seja eleito, o partido de Dabash pode se tornar a primeira legenda  de origem árabe a fincar pé na política da cidade desde 1967 —quando Israel tomou o controle da parte oriental de Jerusalém, aumentando as fronteiras municipais e englobando 28 aldeias árabes.

Ramadan Dabash, líder comunitário de Jerusalém Oriental que vai disputar a prefeitura da cidade
Ramadan Dabash, líder comunitário de Jerusalém Oriental que vai disputar a prefeitura da cidade - Daniela Kresch / Folhapress

Nas últimas eleições, apenas cerca de 2% dos 180 mil eleitores (acima dos 17 anos) de Jerusalém Oriental foram às urnas, apesar de pagarem impostos à prefeitura.

A maioria considera que votar seria uma espécie de endosso ao controle israelense. Líderes locais e a Autoridade Palestina também defendem o boicote às eleições. Com isso, não há atualmente nenhum árabe entre os 31 membros do Conselho Municipal.

Pragmático, Ramadan Dabash acha que chegou a hora de mudar essa realidade para exigir mais serviços e investimentos. “Temos que acordar”, disse Dabash à Folha.

“Estar dentro da prefeitura de Jerusalém não significa reconhecer a política do Estado de Israel. Queremos apenas defender os nossos direitos para que não haja discriminação nos serviços e nas verbas aos quais temos direitos. Os políticos que negociem o futuro de Jerusalém Oriental. Mas, até lá, temos que viver nossas vidas”, afirmou ele.

Segundo ele, se apenas 20% dos árabes de Jerusalém decidirem votar,  isso daria a seu partido, o “Jerusalém para os hierosolimitas” (gentílico de quem nasce na cidade), em torno de três cadeiras no conselho municipal.

O percentual, porém, pode ser até mais alto. De acordo com uma pesquisa da Universidade Hebraica de Jerusalém publicada em janeiro, 58% dos árabes da parte oriental da cidade acham que é necessário votar nas eleições.

Nascido em Tsur Baher, casado e pai de 11 filhos, Dabash se define como palestino apesar de ser cidadão israelense, o que é raro —88% dos nascidos em Jerusalém Oriental se recusam a obter a cidadania, mesmo tendo direito a isso.

Quando Israel ocupou a parte oriental da cidade, os moradores receberam status de “residentes permanentes”, o que concede a eles uma série de direitos, incluindo educação e saúde gratuitos. Não podem, no entanto, nem tirar passaporte nem votar nas eleições nacionais.

“Os hierosolimitas da parte oriental da cidade já nascem em um lugar com problemas, com questões de identidade. Não sabem qual é o seu futuro, não sabem de onde faz parte”, disse o líder comunitário. “Não recebemos tudo o que nos toca da prefeitura de Jerusalém e, ao mesmo tempo, a Autoridade Palestina não nos ajuda. O mundo inteiro nos esqueceu”, afirmou.

Dabash garante, porém,  que seu intuito não é levantar questões políticas ou de identidade e que pretende debater assuntos práticos.

“Faltam 2.000 salas de aulas nas nossas escolas. Faltam infraestrutura e construção de ruas. Não há nem sequer uma piscina pública por aqui, nem parques para se sentar à sombra. Aqui em Tsur Baher, somos 40 mil pessoas e há apenas um parquinho para crianças construído com financiamento parcial da prefeitura e o restante da Bélgica”, afirmou.

Até o momento, porém, o candidato tem enfrentado o antagonismo de boa parte de seus conterrâneos. Não faltam chamados de “traidor” por membros de sua comunidade e algumas ameaças,  que ele não considera sérias.

“Ameaças sempre existem em Jerusalém contra todas as pessoas que se colocam contra agendas de quem se acha dono da verdade. Claro que eu não justifico a violência do lado árabe ou do lado israelense. Violência é violência”, disse.

Apesar de todas as complexidades e nuances de Jerusalém, Dabash se diz otimista. Segundo ele, há uma convivência pacífica na cidade entre judeus e árabes.

“Não estamos numa situação crítica. Pelo contrário: todo dia de manhã, saímos para trabalhar e voltamos para casa em paz. Há colaboração entre judeus e árabes, trabalhamos juntos. Isso é a paz verdadeira”.


 

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