Masaya, na Nicarágua, testemunha fracasso do sandinismo

Reduto da insurreição contra ditadura de Somoza agora combate Ortega

Familiares e amigos carregam caixão de jovem que morreu durante ataque por forças policiais e paramilitares, em Masaya, na Nicarágua - Cristobal Venegas - 16.jul.18/Associated Press
São Paulo

Se há uma cidade com lugar destacado na iconografia da Nicarágua e também do sandinismo, é Masaya e, dentro dela, o seu bairro indígena de Monimbó.

Foi lá, afinal, que, em 1979, se gestou a insurreição final contra a ditadura de Anastasio Somoza Debayle, o último representante do clã que governou a Nicarágua de 1934 até a vitória da revolução sandinista.

Masaya é considerada a capital do folclore da Nicarágua. Nela e especialmente em Monimbó se fabricam as marimbas, instrumento musical típico, e as máscaras usadas na famosa “dança negra”. O fato de que essas máscaras, hoje, estejam enfeitando os caixões das vítimas da repressão do governo dito sandinista acaba sendo o atestado de óbito da revolução.

Durante a luta contra Somoza, os artesãos de Masaya já haviam se desviado de suas tarefas usuais para fabricar bombas caseiras, usadas para atacar a Guarda Nacional, a temida polícia somozista. Hoje, ainda mais temidos são os paramilitares a serviço do governo, que usam camisas coloridas cada vez que executam as chamadas “operações limpeza” em cidades rebeladas.

Em Masaya, a camisa usada nesta terça-feira (17) é azul.

A cidade tem uma história de resistência tão arraigada que a ditadura somozista chegou a bombardeá-la, quando já entrava na agonia final.

O papel desempenhado pelos masayos na ajuda à Frente Sandinista de Libertação Nacional transformou a cidade em um bastião do sandinismo. Mas a repressão desatada pelo casal presidencial, Daniel Ortega e Rosario Murillo, devolveu a Masaya sua face rebelde, cantada aliás por Carlos Mejía Godoy, o compositor que deu letra e música à luta contra Somoza e agora se opõe ao governo.

Escreveu uma canção que diz:

“Vivirás Monimbó,/Llama pura del pueblo/Oigo tu corazón,/(...)que toquen los sones de liberación".

Tocaram, de fato, e voltam agora a tocar, mas contra o presidente: Masaya chegou a declarar-se "território livre do orteguismo" e seus habitantes criaram até uma Junta de Governo própria, desconhecendo a autoridade de Manágua.

É essa rebeldia que Ortega quer agora destroçar, a sangue e fogo. É eloquente que Mejía Godoy, o “cantautor” da revolução sandinista, apareça agora na TV Confidencial, excelente site de notícias, para ler, olhos marejados, carta aberta a Ortega que termina com: “Daniel, pare de matar. Já".

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