Para OAB, governo fracassa na ajuda a crianças separadas dos pais nos EUA

Presidente da Ordem pede agilidade para retorno daqueles que queiram voltar ao Brasil

Mulher carrega cartaz com borboleta e a palavra imigrante. Ela usa uma camiseta com a mesma estampa.
Mulher protesta nesta segunda-feira (16) em frente à Agência de Controle de Imigração e Alfândega dos EUA, em Washington, contra prisões de imigrantes na fronteira sul do país - Andrew Caballero-Reynolds/AFP
Brasília

O presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Claudio Lamachia, considerou “inoperante e escandaloso” o papel do governo brasileiro no atendimento jurídico às crianças brasileiras que estão detidas nos Estados Unidos.

Ele disse que o governo brasileiro não constituiu advogado para o trabalho específico de buscar o retorno das crianças que querem voltar ao Brasil, algumas das quais estão detidas há mais de 50 dias.

 

Lamachia estava nos EUA para um seminário de advocacia quando estourou a crise sobre as crianças e pôde ter contato com um dos casos brasileiros, um menino de sete anos, C., detido desde maio passado em um prédio da imigração americana nos arredores de Nova York.

O advogado disse que tentou, mas não conseguiu liberar o menino. Sua mãe vive em Carmo do Paranaíba (MG) e quer a criança de volta. O pai, preso em El Paso, no Texas, também quer que a criança seja devolvida ao Brasil.

“Temos 52 crianças brasileiras separadas dos pais e esse caso emblemático [de C.]. É uma coisa que corta o coração. Imagina um menino de sete aninhos preso num local estranho, onde falam uma língua estranha, a mãe no Brasil, o pai preso lá, e o governo brasileiro não consegue resolver? [O governo] não faz nada, o que faz é muito pouco. Não tem um advogado constituído, pago pelo governo brasileiro, para tratar desse tema”, disse o presidente da OAB.

Para Lamachia, o governo precisa “com urgência informar à sociedade brasileira qual é o estado real das crianças que estão ilegalmente detidas nos EUA”.

“Não estou falando dos pais, o que me preocupa no momento são as crianças. Essas crianças não cometeram crime, são inimputáveis, elas devem estar sob custódia brasileira, não americana”, disse Lamachia.

O presidente da OAB disse que o Itamaraty deveria ter contratado um advogado para “confrontar o governo norte-americano a dar uma solução rápida para os casos”.

“Eu não vi uma declaração forte do presidente da República, do ministro das Relações Exteriores sobre as crianças. Não vejo nada nesse sentido”, disse Lamachia.

“Não é possível que nós, brasileiros, aceitemos isso. Isso é uma barbaridade e uma vergonha”, disse o presidente da OAB.

A Folha localizou, por telefone, a mãe de C., a balconista desempregada Nadielle Silva Souza Rodrigues, que mora em Carmo do Paranaíba. Ela disse que ela e seu marido, Wellington Rodrigues da Silva, 30, decidiram tentar a sorte nos EUA porque souberam de moradores da cidade que se mudaram e hoje trabalham nos EUA.

Além de C., 7, o casal tem uma criança de quatro anos. O marido tem outro filho, de um primeiro casamento, e paga pensão alimentícia.

“Aqui a gente ganha pouco. A gente queria dar um futuro melhor para nossos filhos”, disse Nadielle, que até deixar o emprego na padaria, em 27 de abril, ganhava um salário mínimo por mês.

Seu marido era auxiliar de cisternas e ganhava, em média, R$ 1.500 por mês, mas não era um valor constante, dependia das demandas. Wellington estudou até a 8ª série e Nadielle tem o segundo grau completo.

Segundo Nadielle, eles têm conhecidos na cidade que conseguiram emprego nos EUA com vencimentos de até US$ 250 por dia, cerca de R$ 965 ao câmbio desta segunda-feira (16), para trabalhar em construção civil.

Para custear a viagem, o casal se desfez de todos os móveis e vendeu o carro da família, uma Parati ano 1994. Eles gastaram perto de R$ 50 mil em passagens, hospedagem e comida.

Nadielle, seu marido e C. saíram de Guarulhos (SP) no dia 23 de maio e chegaram à Cidade do México no dia seguinte. Ela ficou em um hotel e seu marido seguiu com a criança de ônibus até Ciudad Juárez, na fronteira com os EUA.

No dia 27 de maio, Silva partiu com a criança, de táxi, em direção aos EUA. A ideia, segundo Nadielle, era que Wellington lhe telefonasse assim que chegasse ao território norte-americano.

Mas os dias se passaram sem qualquer notícia. Só no dia 12 de junho Silva conseguiu falar por telefone com a mulher. Disse que ele e C. haviam sido presos pela imigração norte-americana ainda em maio e que ela deveria retornar ao Brasil. Ele disse que foi separado do filho dois dias depois da prisão.

Segundo Nadielle, seis dias depois, 18 de junho, foi seu primeiro contato com um dos três consulados brasileiros em Nova York. Os contatos continuaram até 3 de julho passado, quando as conversas pararam.

“Depois do dia 3, não falam mais comigo. Foi dito para mim que o meu marido me dava mais notícias, mais instrução, do que o próprio consulado. Porque eles não estavam sabendo me dar notícias. A bem dizer, eu acho que eles estão perdidos nesse caso”, disse Nadielle.

Uma vez por semana, Nadielle consegue ver seu filho por um aplicativo de conversa na internet. “Quando eu ligo, ele chora muito, ele diz: ‘Mãe, não aguento isso mais. Eu não quero ficar aqui para sempre’. Anteontem, ele disse: ‘A moça [da detenção] me falou se eu queria ficar aqui em vez de voltar para o Brasil. Eu falei que quero embora para o Brasil porque quero ficar com minha mãe e meu pai’”, disse Nadielle.

“Ele fica perguntando: ‘Mãe, que dia eu vou embora? Quando eu vou voltar?’ O irmãozinho dele está aqui chorando muito. A família toda chora muito, preocupada, porque eles [do consulado] não dão uma certeza para a gente do dia e da hora e de nada. Eles não sabem o que está acontecendo”, disse Nadielle.

A balconista contou que, em determinado dia, a criança passou fome porque se recusara a comer a refeição oferecida durante a tarde. À noite, quando pediu para comer, os funcionários da detenção não lhe deram comida.

Em nota à Folha, o Itamaraty argumentou que “a primeira opção das famílias” tem sido solicitar “a permanência nos EUA —e não no Brasil”.

O ministério disse que “nem os pais e nem os menores desejam, neste momento, ser repatriados para o Brasil” e que “os poucos que já estão cientes de não ter quaisquer condições de obter uma decisão judicial favorável à sua permanência estão finalizando os trâmites documentais junto às autoridades norte-americanas para o pronto retorno ao Brasil”.

O Itamaraty disse que não foi constituído um advogado específico para atender as crianças porque não seria necessário em casos do gênero.

“A autorização de permanência nos EUA está ocorrendo, na quase totalidade das vezes, mediante reunificação familiar, seja com os pais ou com outros parentes que se encontrem naquele país. A fase inicial do processo de solicitação de reunião familiar não exige representação legal, concentrando-se no envio, pela família, e análise pelas autoridades norte-americanas responsáveis, da documentação sobre paternidade/laços familiares e capacidade da família nos EUA de prover os cuidados necessários para o menor”.

O Itamaraty disse que “advogados especialistas em reunião familiar com os quais os postos consulares estão em contato confirmam que casos de reunião familiar não exigem envolvimento de advogados, por não constituírem processos judiciais. As situações têm se resolvido mediante entendimentos diretos entre a família e funcionário dos abrigos, com o apoio documental do posto consular, resultando na pronta reunificação entre pais e filhos”.

O ministério afirmou ainda que o ministro Aloysio Nunes viajou aos EUA de 5 a 7 de julho e visitou “27 menores brasileiros” em três prédios da imigração de Chicago. Segundo o órgão, há 40 crianças “abrigadas” —a OAB afirma que o número correto de detidos é de 52. 

“As conversas com cada um dos menores, somadas aos entendimentos constantes que nossa rede consular mantém com os respectivos pais e mães deixou claro que todos desejam permanecer nos EUA”, disse o Itamaraty.

Segundo o ministério, o Brasil já protestou junto aos EUA sobre a situação das crianças brasileiras. 

"O governo brasileiro fez saber ao governo norte-americano que se trata de uma prática cruel e em franca violação dos instrumentos internacionais de proteção aos direitos das crianças. Tal posição também foi expressa em nota à imprensa do Itamaraty e em declarações do ministro Aloysio Nunes Ferreira. Como esclarecido nas respostas anteriores, o assunto requer, sobretudo, medidas de assistência consular, que estão sendo amplamente adotadas pelo Itamaraty e sua rede consular nos Estados Unidos, com denodo e eficiência."

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