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Kenneth Roth e Salil Shetty

Para que o Tribunal Penal Internacional vença seu desafio

Na véspera do 20º aniversário de sua criação, corte precisa mostrar a que veio

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Cogumelo de fumaça cinza sobe sobre cidade síria, vista do alto
Explosão na Síria é vista das colinas de Golã, ocupadas por Israel, durante confronto nesta segunda-feira (16) - Ronen Zvulun - 16.jul.18/Reuters
 
Kenneth Roth Salil Shetty

Há quatro anos, a Human Rights Watch e a Anistia Internacional —juntando-se a centenas de outras organizações— pediram ao Conselho de Segurança da ONU que enviasse os crimes e atrocidades cometidos na Síria ao Tribunal Penal Internacional (TPI) para serem julgados.

Naquele momento o conflito já havia tirado 100 mil vidas, a maioria esmagadora de civis. Hoje, o número de mortos é estimado em mais de meio milhão, e a cada dia novas violações e mortes acontecem.

No entanto, o TPI não foi capaz de agir. O veto da Rússia no Conselho de Segurança continua bloqueando o caminho para a justiça das vítimas da Síria. Outros membros do conselho, incluindo os Estados Unidos, também usaram ou ameaçaram usar seu veto para bloquear ações contra outros crimes cruéis.

Esta é a triste situação anos depois do verão de 1998, quando muitos governos e organizações não governamentais se reuniram em Roma para criar o TPI.

Muitas das principais potências, incluindo os EUA, se opuseram ao esforço, mas os governos de pequeno e médio porte assumiram o que acabou sendo um momento transitório.

Como uma aposta do pós-guerra fria no multilateralismo e determinação impulsionada pelo genocídio em Ruanda e na extinta Iugoslávia, esses governos agiram pensando no futuro –mesmo que isso ainda não tenha se realizado plenamente– ao construir um tribunal criminal permanente e global.

O Estatuto de Roma, documento fundador do tribunal, foi adotado em 17 de julho de 1998 e o tribunal foi criado quatro anos depois.

O TPI é um tribunal de última instância, para os mais graves crimes internacionais, incluindo genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. O tribunal pode atuar em todos os países que aderiram ao seu tratado —123 são membros do TPI— e nos Estados que não aderiram, como a Síria, faz-se necessário uma denúncia do governo ou do Conselho de Segurança da ONU.

Apesar desses e de outros limites, a criação do tribunal foi uma conquista extraordinária, estabelecendo firmemente um marco para a justiça e proteção dos direitos humanos.

Hoje, o tribunal tem investigações formais abertas em 10 países. Mas, com atrocidades em massa sendo cometidas em muitas partes do globo, é necessário atuar em outros lugares. O tribunal está respondendo a isto afastando-se de seu foco principal que era a África.

Por exemplo, o pedido pendente do Procurador para abrir uma investigação no Afeganistão afetaria os cidadãos norte-americanos que teriam cometido crimes de guerra no país. Isso provavelmente provocará feroz oposição da administração Trump, mas demonstraria o potencial do TPI para investigar o que eram chamados anteriormente de “atores intocáveis”. Demonstraria também que ninguém está acima da lei, esvaziando uma narrativa danosa e falsa de que o tribunal visava apenas líderes africanos.

Da mesma forma, a ratificação da Palestina e o recente pedido ao promotor do TPI para investigar crimes de guerra trazem para a corte uma situação de décadas de impunidade quase total por parte das forças israelenses e palestinas.

Paralelo a essa necessidade real, o tribunal enfrenta grandes desafios. Alguns deles eram esperados à medida que o órgão se tornasse mais eficaz e começasse a investigar Estados mais poderosos ou afetassem seus interesses. Mas esta não é uma explicação suficiente.

O tribunal precisa melhorar seu desempenho. Marcado por procedimentos demorados, investigações insuficientes em seus primeiros casos e estratégias de seleção de casos que nem sempre refletem o que é mais significativo para as vítimas.

O Gabinete do Procurador poderia ser melhor aproveitado se articulasse prioridades claras entre e com os países —e, em seguida, cumprindo o acordado.

Mas o fardo de melhorar o TPI também cabe aos seus Estados membros. Como outras instituições que protegem os direitos humanos, o tribunal tem lutado contra a falta de vontade política entre seus apoiadores, especialmente quando se trata de prender suspeitos.

Inevitavelmente, cumprir obrigações é mais difícil na prática do que no abstrato. Quinze mandados de prisão do Tribunal Penal Internacional não foram cumpridos. Além disso, discussões prejudiciais entre os membros do TPI sobre a restrição do orçamento do tribunal levaram a um importante debate sobre como construir uma instituição eficaz.

O Tribunal Penal Internacional também atraiu a oposição previsível dos líderes por temerem a responsabilização individual. Enfrentando possíveis investigações do TPI, a República de Burundi e as Filipinas anunciaram suas retiradas do TPI, com Burundi tendo formalmente saído do tribunal.

No entanto, como a investigação de Burundi demonstrou, a retirada tem pouco efeito legal sobre a capacidade do tribunal de denunciar crimes já cometidos.

O Quênia, no momento em que os casos estavam pendentes no TPI contra o presidente e vice-presidente do país por supostamente planejarem ataques contra os apoiadores uns dos outros após as disputadas eleições de 2007, tentou orquestrar uma retirada em massa dos países africanos. Ele fracassou face a forte oposição de outros governos africanos e da sociedade civil africana.

Para combater esses ataques, os Estados membros devem usar todas as oportunidades para demonstrar apoio ao tribunal. Os Estados membros que se queixaram de uma suposta seletividade devem apoiar o tribunal neste momento em que se abrem investigações fora do continente africano.

Essa assistência concreta pode incluir a construção de pressão para executar mandados de prisão assim como a garantia de que o tribunal tenha os fundos necessários para realizar seu trabalho.

O que está em jogo não é apenas o sucesso de uma instituição. O “sistema” do Estatuto de Roma é uma rede de tribunais nacionais dos países membros do TPI.

A responsabilização individual no tratado do TPI serve como um catalisador para outros esforços de justiça, como um mecanismo de investigação apoiado pela ONU criado para a Síria para contornar o veto russo no Conselho de Segurança.

Apesar de não ser um tribunal, esse mecanismo pode construir testes para o julgamento de investigações nacionais e internacionais quando suspeitos são presos e se tornam disponíveis para a justiça internacional.

À medida que o vigésimo aniversário do tratado do TPI se aproxima, é hora de renovar o compromisso com a instituição e fazer com que outros Estados se juntem ao Tribunal.

Estes são momentos perigosos que os fundadores da corte anteciparam, alertando no tratado que o “delicado mosaico [dos laços comuns da humanidade] pode ser destruído a qualquer momento”. Eles acreditavam que estavam construindo uma instituição para garantir que os valores mais básicos —igualdade, dignidade, justiça— fossem protegidos por lei. É fundamental não se afastar desse objetivo.

Exigimos que a comunidade global que apoiou a criação do TPI trabalhe em conjunto para garantir que o TPI e sua luta contra a impunidade sejam fortalecidos pela adversidade e não diminuídos.

Leia o original aqui.

Kenneth Roth é o diretor executivo da Human Rights Watch. Salil Shetty é o ex-secretário geral da Anistia Internacional.

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