Parentes enterram morto em cerco a igreja durante protestos na Nicarágua

Países latinos manifestam preocupação com violações de direitos humanos

López aparece gritando na imagem,  com uma garrafa de água na mão. Ela veste uma camiseta com mangas azuis escuras e torso branco, com a mensagem "Que se renda sua mãe".
Susana López no enterro do filho, o universitário Gerald José Vásquez, 20, morto durante protesto em Manágua, Nicarágua, no último sábado (14) - Fabiano Maisonnave / Folhapress
Manágua

"Que se renda a tua mãe." A frase estampava a camiseta da dona de casa Susana López, 38, durante o enterro do seu filho, Gerald José Vásquez, 20. Morto a tiros no sábado (14),ele é um dos cerca de 360 assassinados desde o início dos protestos contra o presidente Daniel Ortega, há cerca de três meses.

Coube a López puxar as palavras de ordem durante o cortejo, que, a pé, percorreu por meia hora a distância que separa a casa da família, em um bairro de classe média baixa de Manágua, do cemitério.

"Eram estudantes, não eram delinquentes", "pátria livre" gritava a mãe do Vásquez —frases repetidas em coro por amigos, estudantes e familiares, entre os quais quatro irmãos e o pai, motorista de uma empresa privada. 

Antes, diante da casa de família, um grupo de jovens apresentou uma sequência de danças típicas. Todos eram alunos de Vásquez, que, dançarino, dava aulas como voluntário em um grupo de folclore nicaraguense. 

Estudante de técnica em construção da Universidade Nacional Autônoma da Nicarágua (Unan), Vásquez morreu na madrugada do sábado (14), durante uma ofensiva de policiais e paramilitares contra os principais redutos de protestos que pedem a renúncia de Ortega.

O ataque a tiros começou ao meio-dia da sexta-feira (13), no campus da Unan, onde os estudantes estavam entrincheirados. Numa tentativa de fugir dos disparos, eles se abrigaram em uma igreja anexa à universidade. Havia também jornalistas, religiosos e médicos no grupo.

Vásquez estava numa barricada ao lado da igreja quando foi morto com um único disparo na cabeça, reforçando a acusação de que o governo está usando franco-atiradores. 

"Gerald e o outro estudante morto [Francisco Flores] estavam com morteiros tentando defender a igreja", diz Jonathan Lopez, porta-voz dos estudantes rebelados da Unan, que estava na igreja. "Os seus amigos o levaram para dentro, mas já não se podia fazer nada."

O líder estudantil diz que, apesar de o movimento ter perdido o campus universitário, os protestos vão continuar: "Nenhum dos jovens vai descansar até que este governo saia. Vamos buscar mecanismos para fazer pressão."

Além do ataque à Unan, o governo está tentando retomar Masaya, cidade a cerca de 30 km de Manágua que, desde abril, se tornou o principal reduto da oposição a Ortega.

 Ao menos dez pessoas morreram ali no fim de semana, segundo a Associação Nicaraguense Pró-Direitos Humanos (ANPDH). Desses, quatro eram policiais. O acesso à região está sendo controlado por forças do governo.

"O governo elevou a crise humanitária nos últimos dias", disse à Folha o secretário-geral da ANPDH, Álvaro Leiva. "Eles inviabilizaram a recuperação rápida da paz social na Nicarágua."

Leiva atribuiu a escalada da violência à celebração, na próxima quinta (19), do 39º aniversário da Revolução Sandinista, quando os guerrilheiros de esquerda conseguiram derrubar a ditadura de Anastasio Somoza, em 1979.

Líder histórico do sandinismo, Ortega ocupou a Presidência pela primeira vez entre 1985 e 1990. Eleito novamente em 2007, mantém-se no poder graças a mudanças constitucionais, além de evidências de fraude eleitoral.

Os protestos começaram em 18 de abril, contra uma proposta de reforma previdenciária que cortava benefícios e aumentava contribuições. O governo recuou, mas a violenta repressão incentivou novas manifestações, desta vez exigindo a saída de Ortega.

A violência dos últimos dias aumentou o isolamento diplomático de Ortega, que tem na Venezuela, na Bolívia, em Cuba e na Rússia seus principais aliados internacionais.

Nesta segunda, 13 países latino-americanos emitiram uma nota expressando "preocupação pela violação dos direitos humanos" no país. O grupo inclui Brasil, Argentina, Colômbia, Uruguai e Equador —os dois últimos administrados por governantes de esquerda.

Os países exigem "o fim imediato dos atos de violência, da intimidação e das ameaças à sociedade nicaraguense e o desmantelamento dos grupos paramilitares".

Em mensagem via Twitter, o chanceler brasileiro, Aloysio Nunes, repudiou "com veemência a escalada da violência por parte das forças de segurança e paramilitares contra a sociedade nicaraguense".

Nesta quarta (18), o Conselho Permanente da OEA (Organização dos Estados Americanos) realizará uma nova reunião extraordinária para discutir a crise nicaraguense —a última foi na sexta (13).

Os Estados Unidos também endureceram o tom contra Ortega. Em nota, o Departamento de Estado defendeu a antecipação da eleição presidencial (o atual mandato termina em 2022) e revogou o visto de membros do governo ligados à repressão.

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