Sob sombra das Forças Armadas, Paquistão escolhe futuro premiê

Campanha é marcada por acusações de manipulação, intimidações à imprensa e atentados

À esquerda há um grupo de seis mulheres, todas usando túnicas e véus islâmicos de diferentes cores, fazendo fila na porta de uma sala. Dentro da sala, que se vê do lado esquerdo, duas mulheres votam ao longe.
Grupo de mulheres faz fila para votar em uma das seções eleitorais de um colégio de Islamabad, capital do Paquistão, nesta quarta-feira (25) - Aamir Qureshi/AFP
São Paulo

O Paquistão vota nesta quarta-feira (25) em eleições gerais que vão transferir o poder de um governo civil para outro governo civil apenas pela segunda vez em 70 anos —a primeira foi em 2013.

Essa aparente estabilidade importa em um país com 200 milhões de habitantes, que é uma potência nuclear vizinha de outra potência nuclear (a Índia) e uma das maiores nações muçulmanas do mundo.

Mas, apesar do marco histórico, após longo período de oscilação entre governos civis e ditaduras militares, muitos veem o copo meio cheio.

A campanha eleitoral foi marcada por acusações de manipulação pela Forças Armadas, por intimidações à imprensa, pela presença de candidatos ligados ao extremismo islâmico e por uma série de atentados contra candidatos, o que fez com que esta fosse chamada de "a eleição mais suja da história".

Apenas um atentado suicida contra um comício no Baluquistão, neste mês, deixou cerca de 150 mortos.

A Comissão de Direitos Humanos do Paquistão (HRCP) denunciou "tentativas flagrantes, agressivas e descaradas" por parte das forças militares de manipular as eleições, com "implicações alarmantes para a transição do Paquistão para uma efetiva democracia".

Nos últimos meses, a repressão à imprensa se intensificou. Gul Bukhari, uma proeminente jornalista crítica do Exército, foi sequestrada em Lahore por homens mascarados e temporariamente detida.

Após tentativas de prisão e de sequestro, outro jornalista, Taha Siddiqui, se exilou com a família na França.

A distribuição do principal jornal em inglês, Dawn, foi interrompida em várias cidades.

"Apesar de estar tecnicamente na caserna, o Exército paquistanês mantém um alto grau de influência sobre a política. Também tem uma pegada econômica substancial que dá recursos materiais e oportunidades de emprego a oficiais aposentados e soldados", escreveu em seu blog Paul Staniland, especialista em Sul da Ásia da Universidade de Chicago.

"O objetivo parece ser um resultado eleitoral que pareça adequadamente democrático, mas ao mesmo tempo não dê ao novo governo uma base para questionar os militares."

"A sombra dos militares sobre a eleição amplifica a contínua luta pela democracia no Paquistão", afirmou à Associated Press Michael Kugelman, vice-diretor de Ásia do Wilson Center, nos EUA. "Alegações de interferência do Exército e o fato de que as tropas serão empregadas em níveis massivos no dia da eleição deixam claro que esse processo eleitoral não é inteiramente civil."

O Exército pretende empregar quase 380 mil soldados e reservistas no dia da votação.

Estão em jogo nestas eleições 342 cadeiras na Assembleia Nacional (são necessárias 172 para obter uma maioria), e assentos em quatro Assembleias Provinciais: Punjab (297), Sindh (130), Khyber Pakhtunkhwa (99) e Baluquistão (51).

Um dos focos de tensão está na Liga Muçulmana Paquistanesa-Nawaz (PML-N). O partido acusa os serviços de segurança de atacar seus membros seletivamente, com quase 17 mil impedidos de concorrer.

O líder do PML-N é Nawaz Sharif, ex-premiê que foi derrubado pela Suprema Corte em 2017 na esteira do escândalo do Panama Papers —ele diz que a corte foi manipulada pelos militares. Preso desde a semana passada, Sharif é representado nas eleições por seu irmão, Shehbaz Sharif, 66.

A preferência dos militares parece ser por Imran Khan, 65, ex-estrela do críquete e que é candidato pelo Tehreek-e-Insaf (PTI). Populista e nacionalista, Khan já disse: "Levarei o Exército comigo".

Outro destaque é Bilawal Butto Zardari, 29, filho do ex-presidente Asif Ali Zardari e filho e neto de dois ex-premiês: Benazir Bhutto, assassinada em 2007, e Zulfiqar Ali Bhutto, executado em 1979 após um golpe militar dois anos antes.

Ele concorre para o Parlamento pela primeira vez pelo Partido do Povo do Paquistão (PPP) e quer implementar a visão de sua mãe de um "Paquistão pacífico, progressista, próspero e democrático".

O jovem tem poucas chances de vencer, mas é um potencial "kingmaker" caso nem Khan nem Sharif tenham votos suficientes para formar um governo.

Outra preocupação é a permissão dada pela Corte Eleitoral de que candidatos com ligações extremistas pudessem disputar as eleições.

Concorrem, por exemplo, o Allah-o-Akbar Tehreek, que defende as leis que proíbem blasfêmias contra o Islã, e o Ahle Sunnat Wal Jammat, que incita violência contra a minoria xiita e serve de fachada para o Lashkar-e-Jhangvi, grupo sectário ligado à Al Qaeda.

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