Acusada de ser agente russa procurou líderes republicanos nos EUA

Maria Butina se encontrou com a direção da NRA e com políticos conservadores

Washington | The New York Times

Doze dias depois que uma jovem russa ativista pelos direitos ao uso de armas obteve acesso a alguns dos políticos conservadores mais importantes dos EUA, em um jantar elegante no Capitólio, um agente republicano estava ansioso para manter as coisas em movimento.

Em um email de fevereiro de 2017, o agente Paul Erickson propôs mais um jantar de "amizade EUA/Rússia". Ele comentou que a ativista, Maria Butina, que hoje é acusada de ser uma agente secreta russa, estava "expandindo seu círculo de amigos influentes". O destinatário do email era George O'Neill Jr., um parente de Rockefeller e escritor conservador.

Ele ajudava Butina a pagar suas contas, segundo uma pessoa inteirada do relacionamento, e esperava fazer dela a peça central de seu projeto de melhorar as ligações dos EUA com a Rússia.

Ao apresentar acusações contra Butina, 29, no mês passado, promotores federais descreveram as atividades dela como parte de uma campanha apoiada pela inteligência russa para usar os direitos ao uso de armas como um cavalo de Troia para entrar em grupos conservadores e promover os interesses de Moscou nos EUA.

Enquanto os documentos de acusação enfocam os supostos esforços de Butina para se infiltrar na Associação Nacional do Rifle (NRA na sigla em inglês), entrevistas com mais de duas dúzias de pessoas na Rússia e nos EUA mostram que suas tentativas de se conectar com importantes americanos conservadores ia além de incursões no grupo pró-armas.

As entrevistas, juntamente com e-mails até agora desconhecidos e que foram obtidos pelo jornal The New York Times, também revelam novos detalhes sobre suas ligações com dois americanos mais velhos, com quem ela contou para abrir caminho nos EUA: Erickson, com quem mantinha um romance, e O'Neill.

Os promotores afirmam que os relacionamentos não passavam de veículos para seu trabalho em prol da Rússia, citando mensagens em que Butina dizia a uma autoridade russa que suas atividades seriam "só incógnitas! Neste momento tudo tem de ser calmo e cuidadoso". Para uma suposta agente russa, entretanto, Butina não levava exatamente uma vida de identidades falsas, comunicações secretas e fidelidades ocultas.

A estudante ruiva de graduação na Universidade Americana em Washington defendia abertamente em discursos as políticas pró-Rússia e relações mais estreitas entre seu país e os EUA. Ela publicou fotos no Instagram de si mesma segurando armas e se conectava no Facebook de lugares como a Russia House, um restaurante de caviar em Washington.

Ela consultou a rede de televisão Outdoor Channel sobre um programa sobre caçadas na Rússia. A capa de seu celular era enfeitada com uma imagem do presidente Vladimir Putin andando a cavalo sem camisa. Os defensores de Butina dizem que ela era uma ativista idealista, embora ingênua, e afirmam que as interações da Rússia com a NRA foram tentativas de aproximação que só parecem sinistras através da lente antiquada da Guerra Fria.

"Estou surpreso que no mundo de hoje se você apertar a mão de um russo você deve ser um agente do Kremlin", disse David Keene, um ex-presidente da NRA que se encontrou com Butina em conferências em Moscou e nos EUA.

Butina nega denúncias de que fosse uma agente secreta que usava o sexo como arma de espionagem, segundo seu advogado, Robert Driscoll. Ele comentou que ela depôs por vontade própria à Comissão de Inteligência do Senado em abril e não fugiu dos EUA quando o FBI vasculhou seu apartamento no mesmo mês. Três autoridades do governo disseram ao The New York Times que a prisão de Butina foi consequência de uma investigação de contrainteligência anterior à eleição de 2016, que se concentrou em uma autoridade russa, Alexander Torshin, que trabalhou próximo com Butina durante anos.

Torshin, um ex-senador ligado a conservadores cristãos na Rússia, participou de convenções da NRA nos EUA desde 2011. Em Butina, Torshin encontrou alguém hábil em se envolver com conservadores poderosos. Ela tirava fotos com republicanos importantes, como Scott Walker e outros ex-candidatos presidenciais.

Ela jantou no Dia de Ação de Graças do ano passado na casa de campo do deputado republicano Mark Sanford, da Carolina do Sul. Fez amizade com Grover Norquist, o cruzadista anti-impostos, ganhando um convite para sua reunião semanal de conservadores influentes em Washington. Ela até conseguiu uma foto com Donald Trump Jr., o filho do presidente, que conheceu em um jantar em 2016 oferecido pela NRA em Louisville, no Kentucky.

Separadamente, Butina ajudou Torshin a enviar uma mensagem à campanha de Trump propondo que Donald Trump se encontrasse com Putin (a campanha recusou). Mas era em Erickson e O'Neill —citados no indiciamento de Butina como Pessoas Americanas 1 e 2— que ela mais confiava. Nos últimos quatro anos, aproximadamente US$ 89 mil (R$ 330 mil) foram transferidos entre as contas de Erickson nos EUA (ele não foi encontrado para dar declarações) e a conta bancária de Butina na Rússia. Ao todo, autoridades do Tesouro marcaram como suspeitos quase US$ 300 mil (R$ 1,1 milhão) em transações que entraram e saíram da conta dela.

O'Neill, que não é acusado de malfeitos e que não quis fazer comentários para esta reportagem, conheceu Butina em uma convenção de caçadores em Las Vegas. Ele usava sua riqueza para defender a saída dos EUA de conflitos ao redor do mundo e por melhores relações com a Rússia, como explicou a Butina em uma carta de abril de 2016. "Não tenho outra agenda", escreveu.

A agenda de Butina é questionada hoje, porém. Meses depois, em outubro de 2016, ela enviou a Torshin uma mensagem direta no Twitter, dizendo-lhe que seu trabalho com O'Neill estava "atualmente 'subterrâneo', tanto aqui como lá". Mas "nós fizemos nossa aposta. Estou seguindo sua caça".

Surge o senador

Butina tinha terminado a faculdade havia pouco tempo quando anunciou sua intenção de fazer campanha para um cargo local com o partido de Putin, o Rússia Unida. As armas começaram sem destaque em sua plataforma, depois de impostos e empregos. Mas logo elas seriam o assunto principal.

No final de 2011, Butina tinha formado um grupo de sobre o assunto, Direito a Usar Armas, fazia discursos e organizava manifestações. Em um evento em Moscou, ativistas trouxeram potes, panelas e facas de cozinha para mostrar como tinham pouco para se defender sem armas.

Torshin, 64, apareceu com um chicote de cavalo. Ele e Butina iniciaram uma amizade. Na Rússia, Torshin é poderoso —o Departamento do Tesouro dos EUA o adicionou a uma lista de autoridades sancionadas em abril—, mas não é membro do círculo próximo de Putin.

Um funcionário do Partido Comunista no final do período soviético, ele mais tarde serviu como vice-presidente do banco central russo em 2015. No Senado russo, Torshin defendeu a legalização das armas pessoais, uma proposta frágil em um país que restringe rigidamente a propriedade de armas.

Butina se tornou uma assistente não remunerada de Torshin, segundo seu currículo. A apresentação de Torshin à NRA ocorreu por meio de um intermediário improvável, um advogado do Tennessee chamado G. Kline Preston 4º, um russófilo que se interessava pelo direito e o comércio russos.

Preston disse que conheceu Torshin por meio de uma autoridade da embaixada russa, de quem ficou amigo depois de convidar a autoridade para uma exposição de ovos Fabergé em Nashville em 2007.

Torshin afinal pediu que Preston o apresentasse a líderes da NRA, embora Preston não fosse um membro. Depois de telefonar para a sede do grupo, o advogado acabou conseguindo um encontro em um restaurante de hotel entre Torshin e Keene, o presidente da NRA, durante a convenção nacional do grupo em Pittsburgh em abril de 2011.

Mais tarde, Keene enviou a Torshin um bilhete manuscrito prometendo apoiar seus esforços e convidando-o para a reunião anual da NRA no ano seguinte. Torshin participou das quatro seguintes. Em novembro de 2013, Keene foi a Moscou para falar com o grupo nascente de direitos às armas de Butina. Com ele estava Erickson, que serviu com Keene no conselho da União Conservadora Americana (ACU na sigla em inglês).

Erickson, 56, tinha trabalhado em campanhas perdedoras de candidatos de direita, inclusive Pat Buchanan. Ele também tinha deixado um rastro de processos legais que o acusavam de vender investimentos sem valor em campos de petróleo e equipamento médico.

A preocupação sobre seu histórico levou a ACU a lhe pedir para deixar o conselho em 2014. Butina contatou Erickson por volta de março de 2015, buscando conselho sobre o uso de sua defesa do direito às armas para obter acesso ao Partido Republicano antes da eleição de 2016, segundo promotores.

Em um email a Erickson, Butina comentou que os bolsos fundos da NRA a tornavam especialmente influente nas eleições americanas. Erickson respondeu com uma oferta para conseguir encontros com "potenciais contatos americanos" e a aconselhou a obter apoio financeiro para viajar pelos EUA.

Butina depois entrou para a NRA, participou de pelo menos três convenções do grupo e conseguiu conhecer membros da diretoria e três ex-presidentes. Durante seu tempo juntos, Erickson e Butina iniciaram um relacionamento íntimo.

O FBI disse que ela via a relação como "simplesmente um aspecto necessário de suas atividades", citando documentos em que ela "manifesta desprezo" pela vida com Erickson. Driscoll, o advogado dela, disse em uma audiência no tribunal no mês passado: "Não temos ideia do que o governo está falando".

Relações melhores

Com Erickson abrindo portas, Butina se reuniu com conservadores em Washington. Algumas sessões foram organizadas por O'Neill, que certa vez comparou o meio da segurança nacional dos EUA à "maldade"  da União Soviética.

Em emails com O'Neill no início de 2016, segundo promotores federais, Butina mencionou "construir esse canal de comunicações" para o que chamou de "nosso projeto russo-americano". Quando Trump surgiu como o principal candidato republicano, Butina e Torshin usaram seus contatos nos EUA, esperando conseguir um encontro entre Trump e Putin.

Em maio de 2016, Rick Clay, um ativista cristão conservador da Virgínia Ocidental, enviou um email a um assessor da campanha de Trump tentando armar um encontro entre Trump e Putin. Como primeiro passo, Clay sugeriu que Torshin, que tentava a mesma coisa em nome de Putin, encontrasse Trump na convenção da NRA em Louisville.

A reunião dos dois nunca aconteceu. Mas isso não diminuiu o entusiasmo de Butina por sua candidatura. Quando saíram os resultados da eleição, em novembro de 2016, Butina animadamente postou uma mensagem sobre a vitória de Trump em uma rede social russa: "Um defensor dos direitos às armas e da restauração das relações com a Rússia. Parabéns a todos!" Em particular, segundo documentos do tribunal, ela enviou uma mensagem a Torshin: "Estou a postos para novas ordens".

Matthew Rosenberg , Mike McIntire , Michael Laforgia , Andrew E. Kramer e Elizabeth Dias

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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