Descrição de chapéu Financial Times

Tensão social gera confrontos em cidade na Alemanha após morte de morador

Chemnitz vê ascensão de nacionalistas e protestos contra e a favor de refugiados

Guy Chazan
Chemnitz (Alemanha) | Financial Times

Michael Kretschmer, o chefe de governo do Estado alemão da Saxônia, sabia que estava entrando na toca do leão. Mas mesmo assim ele parecia despreparado para as vaias, os assobios e miados que o receberam em Chemnitz, cidade que está fervendo de raiva e dor.

Dirigindo-se a uma reunião de moradores revoltados pelo assassinato de um homem de 35 anos na cidade no último fim de semana, Kretschmer insistiu que eles deveriam se distanciar dos extremistas de direita que sequestraram seu protesto pacífico pelo assassinato, que as autoridades suspeitam ter sido cometido por um sírio e um iraquiano.

"Não é bom estar numa demonstração onde as pessoas fazem a saudação de Hitler", disse ele. "Então é hora de dizer: 'Não queremos nada com essa gente'."

A reação foi furiosa: "Vocês estão fingindo que a pior coisa que aconteceu foi a saudação nazista", retrucou um homem. "O pior foi que um homem foi morto."

Moradores participam de comício organizado pela aliança de direita "Pro Chemnitz" diante do clube de futebol da cidade na quinta (30)
Moradores participam de comício organizado pela aliança de direita "Pro Chemnitz" diante do clube de futebol da cidade na quinta (30) - Odd Andersen - 30.ago.2018/AFP

Chemnitz, a terceira maior cidade da Saxônia, tornou-se um símbolo da ascensão incansável da extrema direita na Alemanha. Em uma série de manifestações nesta semana, jovens de casacos pretos com capuz entoaram "Alemanha para os alemães" e "fora estrangeiros". Um país que há muito tempo pensava ter descartado o nazismo foi confrontado com seu triste renascimento.

Mas as pessoas reunidas na tarde de quinta-feira para ouvir Kretschmer, um astro em ascensão na União Democrata Cristã (CDU) de Angela Merkel, acusaram os políticos locais e nacionais de pintar a todos com o mesmo pincel infame do nazismo. Eles também disseram que estavam ignorando seus problemas e minimizando a ameaça dos crimes de imigrantes.

Os choques desta semana foram provocados pelo assassinato de um homem identificado como Daniel H. no centro da cidade no domingo. Enquanto circulavam rumores de que os assassinos eram muçulmanos que solicitavam asilo, uma multidão entrou em frenesi, perseguindo qualquer um que parecesse estrangeiro. Houve choques entre manifestantes de direita e de esquerda. A polícia parecia impotente para conter a violência. Dois homens estão em custódia pela morte no fim de semana.

As tensões fervilhantes sobre imigração, identidade, raça e religião têm corroído a Alemanha desde que Merkel permitiu a entrada de mais de 1 milhão de migrantes no auge da crise dos refugiados.

Isto deu força à ascensão da Alternativa para a Alemanha (AfD), um partido de direita nacionalista que conquistou 92 assentos parlamentares nas eleições do ano passado e hoje é o maior partido de oposição no Bundestag. Essas tensões explodiram em Chemnitz.

A cidade de cerca de 250 mil habitantes próxima da fronteira com a República Tcheca provavelmente continuará sendo um ponto de choque. Protestos e contraprotestos estão planejados para este fim de semana, instigando temores de novos conflitos.

A AfD planejou uma marcha para sábado (1º), juntamente com o movimento anti-islâmico Pegida, enquanto grupos antifascistas também convocaram seus seguidores. As ruas de Chemnitz são hoje um campo de batalha das forças opostas que até agora travaram guerra nas redes sociais e salas de bate-papo na internet.

"Esta foi uma semana histórica", disse Matthias Kurth, um morador de Chemnitz que participou da reunião na sede do clube de futebol da cidade. "Todas as emoções que vêm se acumulando na população nos últimos três anos agora subiram à superfície."

Estas tinham origem na chegada de refugiados, disse ele —"a sensação de que nossos líderes burlaram a lei e depois deixaram as pessoas comuns lidarem com as consequências".

A atmosfera no encontro de quinta-feira (30) era tensa. Enquanto os participantes observaram um minuto de silêncio em homenagem a Daniel H., gritos de "vão embora" partiam de uma multidão de manifestantes de direita reunidos na rua do lado de fora, muitos deles jovens, de camisetas pretas e óculos escuros. Alguns agitavam uma faixa com as palavras "o povo está se levantando".

Enquanto isso, na sede do clube, os moradores expressavam frustração pela política de refugiados do governo. Por que, perguntavam eles, os que criticavam abertamente essa política eram rotulados de racistas?

"Por que eu devo ser denunciado como uma pessoa de direita por dizer que o homem que morreu era alemão e os que o mataram eram estrangeiros?", disse Monika Krauss, uma enfermeira.

Ela disse a Kretschmer que os neonazistas eram apenas uma minoria dos manifestantes. A maioria dos que marchavam eram cidadãos comuns, "professores de jardim da infância, médicos, advogados". Todos eles "querem poder andar nas ruas da cidade sem medo".

A mídia havia distorcido a verdade, disse ela, voltando suas câmeras para os extremistas enquanto à sua direita e esquerda havia apenas "cidadãos normais".

A recepção à prefeita de Chemnitz, Barbara Ludwig, foi ainda mais hostil. Quando ela pediu que os moradores vivam em paz, foi vaiada. Quando disse que leva a sério a questão da lei e da ordem, um homem do público gritou "hipócrita!".

A AfD é o único partido político que não condenou os excessos da direita em Chemnitz. Seu líder, Alexander Gauland, disse nesta semana que quando se cometem assassinatos "é normal que as pessoas fiquem furiosas".

A mensagem caiu bem localmente. A AfD é hoje o segundo partido mais forte na Saxônia, atrás da CDU de Merkel. Alguns até preveem que ele poderá derrotar os democratas-cristãos nas eleições regionais da Saxônia no próximo ano.

Os apoiadores da AfD foram à frente no comício organizado pela aliança de direita "Pro Chemnitz" diante do clube de futebol na quinta-feira.

Matthias Henke, um dos manifestantes, segurava uma placa acusando a CDU de "traidores". "Merkel fala em manter a lei e a ordem, mas as pessoas estão sendo mortas nas ruas", disse ele. "Se as coisas continuarem assim, vamos rumar para a guerra civil."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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