Descrição de chapéu Governo Trump

Ataques à imprensa têm o mesmo efeito de censura, diz advogado do NYT

Para David McCraw, disseminação de fake news ameaça tanto a democracia quanto o jornalismo

O advogado e vice-presidente do jornal The New York Times, David McCraw
O advogado e vice-presidente do jornal The New York Times, David McCraw - Santiago Mejia - 2016/The New York Times
São Paulo

Os ataques feitos por Donald Trump e outros líderes políticos a jornalistas no mundo minam a credibilidade da imprensa e na prática têm o mesmo efeito que a criação de leis para controlar a mídia. A afirmação é de David McCraw, 64, advogado e vice-presidente do jornal The New York Times.

“Os ataques à honra, à magnitude e à honestidade da imprensa são uma tentativa de controlá-la”, diz ele, que ficou conhecido ao enviar uma carta ao advogado de Trump durante a eleição de 2016 na qual defendia o direito do The New York Times de publicar uma reportagem em que mulheres denunciavam o republicano. 


Para ele, em dois anos desde a eleição, essa discussão sobre liberdade de expressão ficou mais nebulosa, em parte devido a expansão do uso de notícias falsas.

Por isso, McCraw cobra que redes sociais como o Facebook e o Twitter tomem mais iniciativas para resolver a questão. “As plataformas devem parar de fingir que elas não têm um papel nisso”, afirma.

O americano virá ao Brasil na próxima semana exatamente para debater o fenômeno das fake news em eventos no UniCEUB, em Brasília, na segunda-feira (13) e na FGV, em São Paulo, na quarta (15).

 

O senhor se define como um advogado da transparência. Como a internet e as redes sociais têm influenciado essa área?

Elas têm sido uma faca de dois gumes. Por um lado, permitem ao cidadão saber mais de corrupção e infrações nas comunidades, e permite que essas informações sejam levadas a outros. E isso é positivo. Mas também acho que por causa das fake news, do uso das redes sociais para espalhar discursos de ódio e outros tipos de argumentos que vão contra a democracia, elas têm se tornado um problema. E os governos em geral estão melhores em guardar segredos e em impor sigilos.

As fake news são uma ameaça para a democracia?

Certamente, mas não sei ainda exatamente como elas afetam a democracia. Minha teoria é que desencorajam pessoas a buscarem informações, confundem o público sobre o que é verdade e o que não é, levando as pessoas a não participarem da sociedade civil. Em outras palavras, a questão não é tanto se as pessoas acreditam nas notícias falsas, mas que essas notícias criam tanta confusão que desencorajam o público a participar das atividades que as pessoas devem fazer em uma sociedade democrática.

E como isso afeta o jornalismo?

No sistema dos EUA, acho que realmente cabe ao jornalismo ser uma força contra as fake news. Jornalistas lutam todos os dias contra elas ao se comprometerem a buscar a verdade, a fazer reportagens precisas, a chamar atenção aos problemas reais. Isso encoraja as pessoas a procurarem fontes confiáveis de informação. Também acho que é importante cobrir as fake news como um fenômeno, uma força política. Chamar atenção é uma forma de lutar contra isso.

Alguns países têm criado ou debatido a criação de leis contra as fake news. Isso funciona?

Acho que essas leis serão distorcidas e usadas contra a verdade. Na maioria dos países em que leis foram implementadas, elas foram pensadas para calar os oponentes. Esta é minha maior preocupação, permitir que o governo declare algo como fake news e que, com isso, possa tomar medidas legais contra aquilo. A melhor forma de combater isso é ter cidadãos que questionem, que procurem outras fontes de informação, que chamem a atenção quando virem uma notícia falsa. Muito da tentativa de regular as redes sociais não foram boas para a democracia. Nada disso significa que não existam problemas, só não acho que dar o controle ao governo seja a resposta correta. 

E quando governos e partidos usam as redes sociais para espalhar fake news, manipular a opinião pública, o que fazer? 

Isso obviamente é um problema, mas a solução não será com leis. A resposta virá de jornalistas fazendo reportagens a respeito, cidadãos saberem e resistirem a esse tipo de ação. E as plataformas terão que fazer algo. Há uma preocupação das plataformas —como o Facebook, o Twitter— terem muitos poderes, mas acho que eles tem uma obrigação de trabalhar contra o que claramente é uma manipulação do processo democrático, algo que vimos no Brasil, nos Estados Unidos. As plataformas devem parar de fingir que elas não têm um papel nisso, elas têm um papel.

O Facebook tem tirado algumas páginas do ar acusadas de serem falsas ou de disseminarem fake news. Esse é o caminho? 

Na teoria, isso é a coisa certa a ser feita. Mas é importante que as plataformas sejam transparentes. Como eles tomaram essas decisões? Como identificaram essas contas falsas? Porque é muito fácil para eles exagerarem e começarem a silenciar vozes com as quais discordam. Esse não deve ser o objetivo, a meta tem que ser ter uma discussão honesta, com variedade de discursos. Fico preocupado porque as plataformas não têm sido sempre abertas a explicarem como tomaram essas decisões. E precisamos saber para que possamos decidir se elas estão trabalhando para o melhor interesse da sociedade ou se tem uma agenda oculta. A resposta ao discurso de ódio de qualquer tipo funciona melhor quando as pessoas marcam sua posição, quando as pessoas enfrentam esse discurso e falam sobre ele. Melhor do que quando as pessoas silenciam sobre isso.

As pessoas estão prestando mais atenção a assuntos como liberdade de expressão, leis de imprensa?

Sim, e há duas razões para isso. Uma é que o presidente Trump fez do papel da mídia um dos pontos centrais do debate político nos Estados Unidos e no mundo. Segundo, acho que as pessoas estão mais interessadas nesses assuntos porque, de algum modo, todos nos sentimos jornalistas, nos comunicamos, podemos levantar questões importantes. Então quando falamos sobre liberdade de imprensa e liberdade de expressão, não estamos falando apenas dos direitos do New York Times ou da [rede de TV] CBS News ou de outro veículo, estamos falando de cada um de nós como indivíduo também.

O que mudou desde sua carta para o advogado de Trump, há dois anos?

Quando penso na campanha [da eleição americana de 2016], o assunto me parecia claro. Tinha muita certeza do que deveria ser feito. Era importante para o New York Times fazer uma reportagem com críticas ao presidente, mulheres falando de sua experiência com o sr. Trump. Dois anos depois, houve tantos debates, tantas discordâncias sobre o que a imprensa deve fazer, como deve cobrir o presidente, que se tornou muito mais difícil falar claramente sobre os assuntos com os quais me importo. Sendo que o mais importante para mim como um advogado de imprensa é garantir que nós podemos fazer reportagens e levá-las ao público.

A imprensa está sob ataque?

Sim, mas da forma como vejo não é um ataque jurídico. Nos Estados Unidos não temos visto um aumento no número de processos, não vemos mais esforços do governo para ir a um tribunal controlar a imprensa. Não parece que as tentativas de atacar a imprensa serão através da Justiça. Mas acho que os ataques a honra, a magnitude e a honestidade da imprensa são tentativas de controlá-la. 

O poder da imprensa é a capacidade de afetar a opinião pública. Se os líderes são capazes de fazer o público desacreditar na imprensa, ela perde seu poder. Então de alguma maneira enfraquecer a imprensa publicamente, através de discursos, de ataques, causa o mesmo resultado que tentar controlar a imprensa através de leis e de tribunais.

É isso que tem acontecido nos EUA?

Acho que sim. Quando o presidente e seus apoiadores pedem que o público chame a CNN ou qualquer outro grupo de mídia de fake news, isso é uma tentativa de dizer ‘não ouça eles, não acredite neles’. Isso já é capaz de limitar o poder da imprensa e não acho que seja algo bom. A situação ideal é que tenhamos organizações de notícias que possam competir umas com as outras, tentando ao máximo fornecer informações verdadeiras ao público, que assim pode ouvi-las, considerá-las e decidir o que levar em conta. 

Como lidar com políticos que fazem da imprensa um alvo?

Temos que fazer as pessoas entenderem que isso é um caminho perigoso para o jornalismo, que prejudica a democracia. Isso não significa que o presidente deve ser silenciado quando ele discorda. Se o presidente ou qualquer outra pessoa discordar do que afirmou o New York Times ou outra empresa jornalística, é importante que seja livre para criticar. Mas a crítica deve ser sobre os fatos, o que falamos errado, o que deveria ter sido dito. Isso é diferente de chamar a imprensa de inimiga do público, que é um convite a não pensar, a rejeitar o que foi dito, sem considerar realmente se o que foi dito é verdade. 

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