Ciganos usam centro contra preconceito em Jerusalém

Ativista tenta preservar cultura de minoria esquecida na cidade sagrada

Daniela Kresch
Jerusalém

“Quando eu era uma criança vendendo cartões-postais a turistas, não pensava que escreveria um livro. Ser criada na cultura cigana era como um filme, com partes doces misturadas a partes dolorosas.”

Assim começa o livro “Uma Cigana Sonhando em Jerusalém”, de Amoun Sleem, diretora do Centro Domari na cidade milenar, onde os ciganos —ou dom, como se denominam— vivem há um século como uma das minorias mais pobres.
 

Amoun Sleem (esq.) com um sobrinho e Khadra Ibrahim, uma das ciganas do centro fundado por Sleem  - Daniela Kresch/Folhapress

Amoun Sleem luta contra os estigmas e preconceitos —externos e internos— que sua comunidade enfrenta.

No Centro Domari, que fica no bairro árabe de Shuafat, em Jerusalém Oriental, Sleem tenta preservar a pouco conhecida cultura cigana regional. Lá há aulas de culinária, costura, árabe, além de confecção de bijuterias e roupas para venda em feiras.

Dom significa homem no idioma tradicional dos ciganos, o domari, quase em extinção. Mas os ciganos são chamados pejorativamente de “nawar” (sujos, em árabe) por seus vizinhos.

“Para os árabes somos ‘nawar’. Para os judeus, somos árabes. Estamos no meio”, diz Sleem. “O lado judaico é mais tolerante, talvez porque tenhamos sofrido o mesmo destino no Holocausto”, diz a cigana, se referindo ao fato de que 250 mil ciganos europeus foram mortos pelos nazistas.

Solteira e de meia-idade (ela não revela quando nasceu), Sleem é quase uma celebridade local, vista como ousada e pioneira. Fala árabe, hebraico, inglês e holandês, além de pitadas de domari.

Foi a primeira cigana de Jerusalém a obter diploma do ensino médio. Também foi a primeira a viajar de avião e a fundar uma ONG, em 1999.

O preço a pagar pela modernidade foi nunca se casar. Em geral, as ciganas se casam aos 15 ou 16 anos. Sleem pôde contar com o pai viúvo, liberal para os padrões da comunidade, que não a obrigou a aceitar noivos na adolescência.

“Não é fácil ser solteira e ativista em prol das mulheres. Já fui muito ameaçada por homens ciganos”, diz ela. “Hoje, já há ciganas cursando universidades e que são até enfermeiras. Mas ainda há poucos ciganos com diplomas.”

Frequentadora do centro, Khadra Ibrahim, 55, por exemplo, não conseguiu terminar o ensino básico: “Minha mãe morreu cedo e tive que cuidar do meu irmão bebê. As mulheres precisam estudar e ser independentes e tento ajudar as novas gerações”.

No passado, os ciganos de Jerusalém eram conhecidos por serem treinadores de cavalos, ferreiros e alfaiates. As mulheres eram renomadas cantoras, dançarinas e artistas de rua. Mas alguns desenvolveram outras carreiras menos nobres, como praticar pequenos furtos e mendigar.

O estereótipo do cigano trapaceiro —acentuado por séculos de boatos sobre misticismo e obscurantismo— acabou se fortalecendo, assim como o preconceito.

Hoje, 70% dos ciganos de Jerusalém estão desempregados. Cerca de 80% são analfabetos e quase todos vivem abaixo da linha de pobreza.

Segundo Dafnah Strauss, do departamento de Política e Comunicações do Hadassh Academic College, há um esforço da Prefeitura de Jerusalém em manter as crianças na escola. Se, há duas décadas, 80% das crianças ciganas não completavam os estudos, hoje são apenas 30%. Strauss faz parte de um grupo de voluntários israelenses que tenta ajudar a comunidade.

Há cerca de 7.000 ciganos entre os 900 mil moradores de Jerusalém. Parte vive dentro dos muros da Cidade Velha, o restante vive no bairro próximo de Shuafat.

Em termos políticos, os ciganos de Jerusalém dizem não tomar lados. “Não vemos os israelenses como inimigos. Não nos envolvemos em violência contra Israel. Queremos paz para todos. Somos todos irmãos”, diz Khadra Ibrahim.

Para Sleem, o sonho é preservar a cultura domari e, ao mesmo tempo, ajudá-la a deixar a pobreza, o machismo e o analfabetismo: “Sonho em educar crianças que cresçam para realizarem seus objetivos. Sonho que ciganos se orgulhem de sua cultura”.

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