Ditador da Nicarágua tenta calar emissora crítica

Canal que noticiou repressão do regime é alvo de Daniel Ortega

São Paulo

A ditadura nicaraguense de Daniel Ortega e sua mulher Rosário Murillo está tentando comprar, por intermediários, o Canal 10 ou no mínimo tomar o controle do telejornal diário “Acción 10".

O programa é transmitido pelo canal, mas de outro proprietário, e é o noticiário mais visto no país.

A ofensiva se deve, segundo o sítio de notícias Confidencial, ao fato de que “Acción 10” fez uma cobertura bastante ampla e crítica da repressão que a ditadura desencadeou contra manifestantes que pediam que o casal presidencial deixasse o poder. Mais de 300 pessoas foram mortas pelas forças do governo.

A ofensiva contra o Canal 10/“Acción 10", iniciada na quarta-feira (22), se dá em três frentes.

Primeiro, Ortega e Murillo tentaram comprar o Canal 10, mas, segundo Confidencial, o proprietário teria se negado a vender. O dono da emissora é o empresário mexicano Ángel González. A tentativa serviu para pôr em evidência a intricada rede de interesses entre setores da mídia e o governo.

Como informa Confidencial, “o empresário mexicano compartilha o controle da televisão na Nicarágua com a família Ortega-Murillo; são considerados sócios por especialistas em comunicação".

González é um megaempresário, dono da Albavisión, que opera 45 estações de TV, 71 emissoras de rádio, entre outras empresas, com presença em 15 países latino-americanos.

Essa presença regional forte é exatamente o motivo para que Ángel González esteja resistindo à proposta de compra de seu canal nicaraguense: importantes empresários guatemaltecos ameaçaram cancelar seus anúncios nas emissoras da região, se cedesse a Ortega.

Confidencial lembra que, em meados de julho, o Comitê Coordenador de Associações Agrícolas, Comerciais, Industriais e Financeiras da Guatemala solicitou ao presidente Jimmy Morales que rompesse relações diplomáticas com a Nicarágua, como “medida de repúdio à repressão".

Fica claro que Ortega perdeu o apoio do empresariado (local e regional) com o qual manteve um conluio que lhe permitiu governar sem grandes sobressaltos até 18 de abril.

Nesse dia, anunciou uma reforma da Previdência, rechaçada pelo empresariado e também por estudantes e a sociedade civil —o que deu início à crise.

A segunda frente da ofensiva contra o Canal 10 é administrativa: a Unidade de Análise Financeira anunciou a abertura de processo contra Carlos Pastora, gerente da emissora. É acusado de “supostas ações de lavagem de ativos e da transferência transfronteiriça de bens obtidos mediante recursos de origem ilícita", diz o comunicado da Unidade.

Responde Pastora: “É uma tentativa de apropriar-se do Canal 10 para censurar vozes independentes".

Além do processo, Pastora teve que lidar com ligações telefônicas e ameaças diretas. Tão grave que teve que refugiar-se na Embaixada de Honduras em Manágua —ele tem dupla cidadania, nicaraguense e hondurenha.

A terceira frente visou especialmente “Acción 10", o telejornal incrustado na grade do Canal 10. A ditadura mandou ao canal, para passar a controlar o conteúdo, o chefe de notícias do Canal 8, não por acaso propriedade de Juan Carlos Ortega Murillo, filho do casal presidencial.

Os jornalistas e demais trabalhadores de “Acción 10” puseram para correr o enviado, Óscar Ortiz, e emitiram comunicado em que afirmam que a linha informativa não irá mudar e que o responsável por ela, Mauricio Madrigal, permanece à frente do telejornal.

A Confidencial, José Abraham Sánchez, um dos repórteres mais conhecidos do programa, disse que, ainda que as pressões continuem e até se agravem, os jornalistas continuarão trabalhando na mesma linha até agora seguida.

“Podemos alugar algum espaço, podemos montar qualquer barraquinha mas, enquanto estivermos unidos, vamos continuar informando".

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