'Faz três dias que não durmo', diz brasileira deportada da Nicarágua

Documentarista Emilia Mello ficou 30 horas detida após ser presa com grupo que ia para protesto

Flávia Mantovani
São Paulo

“Estou com a mesma roupa com que fui capturada. Faz três dias que não durmo”, diz Emilia Mello, 40. 

Presa no sábado (25) na Nicarágua, a documentarista brasileira foi deportada no dia seguinte, após 30 horas de detenção. Recém-chegada de viagem, ela contou o que aconteceu à Folha, por telefone, na segunda à noite.

 
A cineasta Emilia Mello (centro), que foi detida e deportada da Nicarágua
A cineasta Emilia Mello, que foi detida e deportada da Nicarágua - Arquivo Pessoal

Nascida e criada nos EUA, Emilia é filha de brasileiros, tem dupla cidadania e mora há quatro anos no Brasil. Ela estava na Nicarágua gravando um documentário para uma produtora americana sobre o movimento de oposição ao ditador Daniel Ortega. Acompanhava um grupo de estudantes que se dirigiam a uma manifestação na cidade de Granada. 

“Éramos 20. Fomos sem bandeira, sem nada. Pegaram nossos telefones, meus equipamentos, tudo”, relata.

De ônibus, foram levados a um quartel. Segundo Emilia, ninguém do grupo foi informado do que eram acusados ou para onde estavam indo. 

“Chegamos a esse lugar cheio de policiais com metralhadoras”, descreve. Lá, a polícia tirou fotos e pegou os dados de todos, afirma.

Depois, o grupo foi transferido para o Chipote, prisão conhecida como centro de tortura de opositores.

“Ali, alguns estudantes tiveram certeza de que seriam mortos”, diz. Mas, após terem sido interrogados, foram liberados.

Ela foi encaminhada à imigração. Segundo Emilia, o governo alegou que ela “se envolveu em questões internas do país”.

 
Manifestação em Granada, na Nicarágua, no sábado (25), para onde ia Emilia Mello antes de ser detida
Manifestação em Granada, na Nicarágua, no sábado (25), para onde ia Emilia Mello antes de ser detida - INTI OCON/AFP
Ela afirma que, na imigração, foi interrogada por cinco pessoas durante oito horas e que as imagens de sua câmera foram apagadas. Passou o dia todo sem comer e não teve acesso a advogado, conta.

“Pedi para entrar em contato com as embaixadas do Brasil e dos EUA, mas disseram que elas já tinham sido notificadas e não estavam interessadas no meu caso. Era um jogo, me ameaçaram o tempo inteiro dizendo que ficaria presa na Nicarágua.”

Disse, ainda, que foi pressionada para entregar todos os materiais que tinha guardado no lugar onde estava hospedada, mas se recusou e acabou deixando tudo para trás.

Para ela, o pior da experiência foi não saber o que seria feito com eles. “Eu sabia que, como estrangeira, a probabilidade de me matarem era menor, porque haveria repercussão internacional”, diz.

“Mas o fato de eles nos levarem de lugar em lugar sem dar explicação foi aterrorizante. Eu realmente achei que íamos morrer.”

Emilia conta também que, durante a detenção, uma das estudantes teve convulsões, mas não recebeu atendimento. “Ela estava muito mal, mas a polícia não reagiu. Após muita insistência, foi levada a um hospital.”

Todos do grupo foram liberados, mas ela acredita que poderia ter sido diferente se não houvesse pressão internacional por sua soltura.

“Há estudantes presos em outros lugares que ainda estão detidos. São crianças, têm 19, 20 anos”, diz.

Não era a primeira vez que Emilia ia para a Nicarágua gravar o documentário. Agora, ela afirma que gostaria de terminar o trabalho. “Não está certo restringirem a liberdade de expressão.”

As manifestações começaram em 18 de abril, contra uma reforma da previdência, e acabaram se transformado em protestos que pedem a renúncia de Ortega e de sua mulher e vice, Rosario Murillo. A repressão aos protestos deixou pelo menos 317 mortos entre 18 de abril e 30 de julho, inclusive civis e menores de idade.

Em 23 de julho, a estudante brasileira Raynéia Gabrielle Lima, 31, foi morta a tiros em Manágua.

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