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Futuro de Donald Trump depende mais da política do que da lei

Não há limite para o número de crimes que o presidente pode cometer, desde que falte um voto para impeachment no Senado

Donald Trump fala a simpatizantes em evento no estado de Ohio
Donald Trump fala a simpatizantes em evento no estado de Ohio - Brendan Smialowski - 24.ago.18/AFP
Janan Ganesh
Financial Times

Em junho, o presidente dos EUA, Donald Trump, declarou que tem “o direito absoluto” de perdoar a si mesmo. Assim, algo que era objeto de conjetura acadêmica virou uma questão no mundo real.

Na terça (21), o “dies horribilis” de sua presidência, Trump se deparou com a justiça criminal chegando à sua porta. Em processos distintos, Michael Cohen, seu antigo “faz-tudo”, declarou-se culpado de vários delitos, enquanto Paul Manafort, ex-chefe de sua campanha presidencial, foi condenado por outros crimes.

Em meio a toda a sujeira financeira, o que se destaca é o fato de Cohen ter confessado sob juramento ter violado as leis de campanha para pagar duas mulheres pelo silêncio delas a mando de Trump. Repetindo: o ex-advogado do presidente parece tê-lo implicado em um crime federal.

A ameaça representada por Manafort é menos direta. As acusações feitas a ele foram subprodutos da investigação de Robert Mueller sobre a atuação russa na eleição de 2016. 

As condenações não dizem respeito a essa interferência —algo que Trump tinha o direito de destacar—, mas revelam o rigor do trabalho do promotor especial, meses após um esforço eficaz do presidente para sujar seu nome.

Diversas pessoas indicadas pelo presidente, como o chefe da Agência de Proteção Ambiental e um assessor de segurança nacional, tiveram que renunciar e aliados seus foram indiciados. A interpretação mais tolerante que se pode fazer é que Trump possui um antitalento para recrutar pessoas. Outra é que a criminalidade se estende ao próprio presidente e que a Justiça está prestes a combatê-la, punindo o Executivo por seus atos, de uma maneira que os políticos não fizeram. 

É uma ideia tocante, mas é também uma leitura equivocada do que é possível fazer segundo a lei. O mais provável é que o futuro de Donald Trump seja decidido pela política. O balanço das opiniões legais sugere que um presidente no exercício do cargo não pode ser indiciado criminalmente. Poucos preveem que Mueller indicie Trump. Por isso, o impeachment se tornará a segunda melhor maneira de afastar o presidente de seu cargo. Mas esse processo é mais político que legal. 

A Constituição requer uma maioria simples da Câmara para afastar um presidente por impeachment. Se os democratas conquistaram a maioria em novembro, isso pode acontecer. Mas, depois disso, a Constituição exige que dois terços do Senado aprovem o afastamento. É muito mais difícil visualizar isso acontecendo. Sem isso, Trump poderá seguir governando. 

Como diz o professor de direito de Harvard Alan Dershowitz, não há limite para os crimes que um presidente pode cometer, desde que falte um voto para seu impeachment no Senado. Os fundadores dos EUA não deixaram muitas coisas por conta dos caprichos da política, mas o direito do presidente de governar foi uma delas.

Tudo isso nos deixa com a mais política de todas as formas de defenestração presidencial: a eleição de 2020. Será que as nódoas legais e éticas custarão a Trump a aprovação da opinião pública?

Pesa contra ele um número altíssimo de escândalos. É verdade que nenhum presidente no pós-guerra perdeu uma eleição até agora devido à corrupção. Mas nenhum outro presidente no pós-guerra mergulhou tão fundo em tanta lama e em tão pouco tempo. 

Conta a favor de Trump o fato de que ele nunca dependeu de seu bom nome para conquistar votos. O fato de ter prometido “drenar o pântano” não quer dizer que as pessoas votaram nele por isso. Trump prometeu muitas coisas, entre as quais a faxina de uma Washington corrupta figurou bem abaixo da restauração do orgulho dos trabalhadores americanos. Enquanto ele mantiver seu fluxo constante de “realizações” tuitáveis nas áreas do comércio e da migração, sua base parece disposta a lhe perdoar muita coisa. Ninguém está desiludido com ele.Seja qual for a resposta, essa é a questão. 

A seriedade com que os EUA encaram a aplicação de suas leis não pode deixar de impressionar um estrangeiro. Mas o destino de Trump provavelmente será decidido pela política. O problema, infelizmente, é que ele é bom nisso
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Tradução de Clara Allain

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