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Lixo em Lisboa aumenta no verão: turistas desleixados ou falta de limpeza?

Em alguns bairros da capital portuguesa, o lixo se acumula nas calçadas

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André Campos Ferrão
Lisboa | Diário de Notícias

Há sacos encostados em contêineres já maltratados, restos de bebidas em copos caídos pelo chão, garrafas de vidro em cima de parquímetros, sofás esquecidos na via e mau cheiro, sobretudo para quem passa no Bairro Alto, em Alfama ou no Cais do Sodré. É terça-feira, até já foi feita a coleta de lixo de manhã, mas o cenário que se encontra em várias ruas da cidade de Lisboa é de lixo amontoado.

Senhorinha Andrade entrava em casa e reclamava com dois rapazes, turistas, que saíam do prédio onde vive. Parou para falar sobre o lixo que se acumula na rua da Atalaia, no Bairro Alto, onde vive há 50 anos: "É a maior porcaria que há aí."

Tem 80 anos, e todos os dias, quando sai de casa, vê que os caixotes espalhados pelas ruas do Bairro Alto estão cheios e, por isso, o lixo é colocado na rua, ocupando as vias. Senhorinha Andrade acredita que a culpa é dos estabelecimentos de alojamento local e restauração, que não respeitam as regras ou horários de coleta do lixo.

"[Os turistas e os funcionários dos restaurantes] têm os caixotes, mas não põem lá o lixo. Põem à porta, é aqui ou acolá", descreve. "Há montes e montes de lixo, quase dá pelos pés", descreve. E apesar de reconhecer os esforços dos funcionários da autarquia responsáveis pela coleta, afirma que não basta e faz mais uma queixa: "Agora já nem lavam as ruas, não lavam porque não há pessoal para lavar. É um fedor que não se pode".

Lisboa vai ser a Capital Verde Europeia em 2020, mas ainda não encontrou solução para a acumulação de lixo nas ruas da cidade. Os lisboetas queixam-se de lixo no meio das ruas e da falta de limpeza do pavimento. Apontam o dedo para o aumento do turismo, que consideram descontrolado, e à restauração. Os presidentes das juntas de freguesia (divisões administrativas de Lisboa) juntam-se ao coro e admitem que os serviços de coleta de lixo da Câmara Municipal são insuficientes, principalmente em agosto.

Na rua do Diário de Notícias, Júlio da Silva, que trabalha há oito anos numa loja de conveniência, conta a mesma história da vizinha: "Tem havido bastante acumulação" de lixo nas ruas do Bairro Alto. Ele afirma que o sistema de coleta implementado —o Bairro Alto é uma das zonas da cidade que mais coletas diárias tem— só funciona durante o inverno. "No verão não funciona porque é muita gente, é muito lixo", acrescentando a tudo isso uma "falta de civismo".

"Não se fazem limpezas porque não há gente, foi tudo de férias", diz, apontando para os contêineres cheios e para a "gordura que fica no chão".

Maria Gabriela Vaz, dona de um café, culpa a falta de preparação das juntas de freguesia diante do aumento dos turistas na capital: "O turismo veio e nunca houve uma solução para isto", explicou, elencando que pelas ruas "é um cheiro a urina que tresanda". "No Bairro Alto é tudo crítico, a qualquer hora", uma vez que o lixo se "acumula de dia para dia".

Lixo é demasiado para as coletas

A presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, Carla Madeira, reconhece que "nesta altura do ano existe uma produção muito maior [de lixo] do que no resto do ano" e "mesmo que os serviços [de coleta de lixo] da Câmara não tenham problemas, a produção de lixo é tanta que a coleta não consegue acompanhar as necessidades que existem".

"É essencial haver um aumento no número de coletas", disse, porque "neste momento toda a freguesia se tornou numa zona turística" e, por isso, é "fundamental haver coleta todos os dias, de segunda-feira a domingo".

 "A produção de lixo tem aumentado muito e não é devido ao número de moradores", explicou, elencando que "os moradores sabem que só existe coleta à noite e que não existe coleta no domingo", por isso, "acondicionam o lixo em casa ao domingo e à segunda-feira", mas os "alojamentos locais não, colocam o lixo a qualquer hora, até porque grande parte dos check-out são no domingo".

"Os alojamentos locais são limpos e o lixo vem para a rua", lamenta Carla Madeira, salientando que é necessário que "os estabelecimentos comerciais adaptem a sua atividade comercial à coleta de lixo que existe na zona" e que as multas devem ser "para todo o tipo de estabelecimentos".

"Precisamos de mais meios humanos e instrumentos mecânicos"

O cenário é semelhante em Alfama. Há caixas de papelão, pedaços de móveis e sacos de lixo amontoados no meio das ruas ou nas esquinas e que dificultam a passagem. Fernanda Pereira, 62, nasceu em Alfama e não tem dúvidas de que "agora há mais lixo do que antigamente" e que volta a ficar aglomerado pouco depois das coletas. "A qualquer hora [os turistas] colocam lixo à porta, não se ralam", disse.

Na rua de São João da Praça, por volta das 12h30, um caminhão de coleta de lixo da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior passa para recolher lixo deixado nas ruas, mas vai embora deixando um amontoado de caixas de papelão e sacos numa esquina. O veículo já não tem capacidade para recolher mais naquele turno. Este é um cenário que se repete, segundo moradores.

O presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, reconhece que "há um maior afluxo de visitantes, quer nacionais, quer estrangeiros" e que "isso tem uma influência muito grande" na produção de lixo na freguesia. "Temos cerca de 14 mil habitantes e temos visitantes diários na ordem das 250 mil pessoas", explica.

"Precisamos de mais meios humanos e instrumentos mecânicos e para isso precisamos de meios financeiros", disse o presidente da Junta de Santa Maria Maior, uma das mais afetadas pela acumulação de lixo nas ruas, que vê "com grande expectativa" o anúncio feito pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina (Partido Socialista), de que vai ser feito "um acordo com as juntas, para começarem a receber uma parte da taxa turística" que vai ser utilizada na higiene urbana.

A notícia foi adiantada pelo DN, em 8 de julho: a Câmara de Lisboa vai destinar 5 milhões de euros (R$ 22 milhões) da taxa turística cobrada pelas estadias na cidade à limpeza urbana das freguesias mais afetadas pela pressão turística. As juntas de freguesia de Santa Maria Maior, Misericórdia e Santo António vão arrecadar quase metade do valor total —2,3 milhões de euros (R$ 120 milhões). Já a Junta de Santa Maria Maior, que administra zonas como a Baixa, a Sé, o Castelo de São Jorge ou Alfama, leva uma fatia de 1,3 milhão de euros (R$ 5,8 milhões).

De acordo com o relatório que sustenta a atribuição destas verbas, elaborado pelos serviços da autarquia e ao qual o DN teve acesso, depois de Santa Maria Maior (que recebe 27% do valor total) surge a Misericórdia, com 564 mil euros (11,2%), seguidas por Santo António (435 mil euros) e Arroios (330 mil). Há quatro freguesias que neste momento não são contempladas com qualquer verba: Santa Clara, Benfica, Carnide e Marvila. O documento conclui que não há pressão turística que justifique um aumento do investimento financeiro.

Mais de um mês depois, nada chegou às juntas de freguesia. Mas o verão veio com força e os turistas também. "Estamos à espera que se concretize", disse Miguel Coelho, presidente da Junta de Santa Maria Maior, formada pelos bairros de Alfama, Baixa, Chiado, Castelo e Mouraria.

Numa nota enviada ao DN, a Câmara Municipal de Lisboa afirma que a proposta "deverá ser aprovada neste ano, em reunião de Câmara e Assembleia Municipal", e que deverá passar para as juntas de freguesia "a partir do próximo ano".

O município da capital afirma também que "a limpeza [das ruas] é da responsabilidade das juntas e que, por isso, só elas podem falar da redução dos trabalhadores dedicados a essa competência". Quanto à autarquia, "não teve redução de trabalhadores na competência de remoção" e apenas tem "mais trabalhadores em férias", admitindo que "isso cria constrangimentos ao serviço de remoção".

A Câmara de Lisboa faz, contudo, a ressalva de que "a zona histórica é a menos afetada na remoção" de lixo e que, depois de transferidas as verbas da taxa turística, "caberá às juntas de freguesia fazer o reforço das suas equipas de limpeza".

Opinião diferente tem o presidente da Junta de Freguesia de Santo António (que se estende entre a Baixa da cidade e o Marquês de Pombal), Vasco Morgado. Para ele, "as regras do lixo não são respeitadas por ninguém", mas não considera que haja "excesso de lixo" durante a semana.

"De domingo para segunda-feira acontece [a acumulação] porque não há coleta". Vasco Morgado lembrou que "há dois tipos de resposta" na coleta do lixo: a coleta dos caixotes pele autarquia e a lavagem das ruas, que é competência das juntas de freguesia.

Ele acaba, contudo, por contradizer a opinião inicial e admitir a carência na coleta da cidade: "Não há coleta eficaz em Lisboa, mas não é culpa da Câmara de Lisboa, é porque não há dinheiro suficiente para combater este flagelo e porque há um dia de descanso", considera, elencando que a capital portuguesa "não devia ter sem coleta do lixo" e também que "existe falta de meios humanos numa altura que é de férias".

As diferentes formas de coleta de lixo praticadas em Lisboa

De acordo com a página oficial do município da capital, existem três "sistemas de coleta seletiva para os materiais recicláveis, de acordo com a morfologia urbana, tipologias do edificado e características funcionais de cada área da cidade": coleta por ecopontos, por ecoilhas e porta a porta.

A coleta de resíduos urbanos através de ecopontos funciona com estações espalhadas pela cidade, "é o sistema mais antigo de coleta seletiva do município", mas tem "sido substituído pela recolha seletiva porta a porta", segundo a informação disponível.

A coleta por ecopilhas é praticada nos "bairros periféricos da cidade", através de "conjuntos de contêineres de grande capacidade instalados na via pública". "Num só local estão disponíveis contêineres para a deposição dos resíduos indiferenciados, bem como contêineres destinados à separação dos resíduos recicláveis."

A coleta seletiva porta a porta é realizada "no domicílio, através de contêineres atribuídos aos edifícios" e, desde 2003, também é feita a coleta de papel, papelão e embalagens de plástico.

A área ocidental da cidade (que engloba as freguesias de Belém, Ajuda, Campo de Ourique, Estrela, Misericórdia, Santo António, Campolide, Benfica, São Domingos de Benfica e Carnide) tem coleta porta a porta de indiferenciados às terças, quintas e sábados, de embalagens às segundas e sextas e de papel na quarta-feira.

A zona oriental (que integra as freguesias de Santa Maria Maior, São Vicente, Arroios, Penha de França, Beato, Areeiro, Avenidas Novas, Alvalade, Marvila, Olivais, Lumiar, Santa Clara e Parque das Nações) tem coleta de indiferenciados às segundas, quartas e sextas, de embalagens às terças e sábados e de papel às quintas.

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