Descrição de chapéu The New York Times

Morte de 44 crianças em ataque desperta dúvida sobre atuação dos EUA no Iêmen

Washington apoia coalizão liderada pela Arábia Saudita que realizou o bombardeio

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Shuaib Almosawara Ben Hubbard Eric Schmitt
Dahyan (Iêmen) | The New York Times

Os meninos magrinhos se amontoaram no ônibus, três por assento e os retardatários lotando o corredor. Estavam muito empolgados com a excursão que aconteceria naquele dia, falando tão alto que um colega que precisava chamar a atenção deles para alguma coisa teve de primeiro tapar as orelhas com as mãos e depois gritar.

Horas mais tarde, a maioria dos passageiros estava morta.

Durante uma parada para um lanche na aldeia empobrecida de Dahyan, no norte do Iêmen, um ataque aéreo da coalizão de nações árabes liderada pela Arábia Saudita atingiu a área, reduzindo o ônibus a uma pilha de escombros metálicos e espalhando sua carga humana pelas ruas, ferida, sangrando ou morta, de acordo com testemunhas do ataque e com os pais dos meninos.

"Minha perna está torta", disse um menino pequeno, coberto de sangue, tentando examinar o ferimento. "Um jato nos atacou", ele disse, em um vídeo registrado no local depois do ataque.

As autoridades de saúde iemenitas informaram que 54 pessoas foram mortas, 44 das quais crianças, e que o número de feridos foi ainda maior.

O conflito no Iêmen começou em 2014, quando os rebeldes houthis, alinhados com o Irã, ocuparam a capital do país, Sanaa, levando o governo a buscar o exílio.

Em março de 2015, a Arábia Saudita —principal rival do Irã na luta pelo poder e influência no Oriente Médio— formou uma coalizão de países árabes e lançou uma intervenção militar com o objetivo de restaurar o governo iemenita. Até agora, não conseguiu fazê-lo.

Manifestantes participam do funeral das crianças mortas no ataque no Iêmen
Manifestantes participam do funeral das crianças mortas no ataque no Iêmen - 13.ago.2018/AFP

O ataque de 9 de agosto foi especialmente chocante, mesmo em uma guerra na qual as crianças vêm sendo as principais vítimas, em uma séria crise humanitária que as viu expostas a subnutrição crônica e surtos de cólera. A guerra havia matado mais de 10 mil pessoas quando as Nações Unidas abandonaram seus esforços para contar vítimas, dois anos atrás.

O ataque também fez despertar novamente as dúvidas sobre as táticas da coalizão e o apoio dos Estados Unidos à campanha.

Os líderes militares dos Estados Unidos, exasperados por ataques aéreos que mataram civis em mercados, casamentos e funerais, insistem em que o país não é parte da guerra. Mas organizações de defesa dos direitos humanos dizem que os americanos não têm como negar seu papel, já que vendem bilhões de dólares em armas aos seus aliados na coalizão, lhes fornecem informações e reabastecem em voo os seus jatos de ataque.

O Congresso americano vem demonstrando preocupação crescente com a guerra, nas últimas semanas. Um projeto de lei de política de defesa assinado pelo presidente Donald Trump na segunda-feira (13) inclui uma cláusula bipartidária que requer que o secretário de Estado Mike Pompeo certifique que a Arábia Saudita e seu mais próximo aliado, os Emirados Árabes Unidos —os dois países que lideram a coalizão— estão tomando medidas para prevenir baixas civis.

Se Pompeo não puder certificar o fato, a lei proíbe que os Estados Unidos realizem o reabastecimento em voo dos aviões de seus aliados.

Pompeo mencionou o ataque ao ônibus em uma conversa telefônica com o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, que serve como ministro da defesa do reino, esta semana. E o secretário da defesa americano, Jim Mattis, enviou um general de três estrelas a Riad, a capital saudita, para pressionar os sauditas por uma investigação do ataque ao ônibus.

Depois do ataque, congressistas americanos foram além, apelando que as forças armadas esclarecessem o papel que desempenham nos ataques aéreos ao Iêmen, e que investigassem se o apoio a esses ataques poderia expor militares norte-americanos a problemas judiciais, entre os quais acusações por crimes de guerra.

Ao mesmo tempo, porém, a Raytheon, uma fabricante de equipamento para defesa, fez lobby junto ao Departamento de Estado e aos legisladores para que autorizem a venda de 60 mil bombas de precisão à Arábia Saudita e aos Emirados Árabes Unidos, em transações bilionárias.

A coalizão liderada pelos sauditas diz que trabalha para evitar baixas civis e acusa seus inimigos houthis de usarem civis como escudos humanos.

No dia do ataque, o porta-voz da coalizão, coronel Turki al-Malki, disse que as forças da coalizão haviam atingido "um alvo militar legítimo", depois que um míssil houthi matou uma e feriu 11 pessoas no sul da Arábia Saudita, que faz fronteira com o Iêmen.

"Todos os elementos que estavam no ônibus eram alvos", disse Malki à rede de TV saudita Al Arabiya, afirmando que eles incluíam "operadores e planejadores".

No dia seguinte, a coalizão afirmou que o ataque seria tema de investigação interna, depois de informações de que "um ônibus sofreu danos colaterais".

Organizações de defesa dos direitos humanos dizem duvidar de que a coalizão se aponte como culpada, em qualquer investigação.

"Os sauditas não estão aprendendo", disse Larry Lewis, que trabalhou no Departamento de Estado americano e visitou a Arábia Saudita cinco vezes em 2015 e 2016 para ajudar a força aérea do país a melhorar seus procedimentos de seleção de alvos e suas investigações. "Eles continuam a cometer os mesmos erros que vêm cometendo o tempo todo. E não os estamos pressionando quanto a isso. Estamos deixando que escapem impunes".

Uma visita ao local do ataque, entrevistas com testemunhas e uma revisão de vídeos gravados no dia do acontecimento retrataram o custo humano da missão.

Os meninos do ônibus tinham idades de entre 6 e 16 anos, e a maioria deles vivia em Dahyan, uma aldeia pobre na província de Saada, que faz fronteira com a Arábia Saudita.

A província é a terra natal dos houthis, e a coalizão a vem bombardeando pesadamente. De sua parte, os houthis usam a área para lançar ataques contra a fronteira saudita e disparar mísseis contra o reino.

Os meninos eram parte de um programa religioso de verão organizado pelos houthis, e a excursão era um prêmio.

Dias mais tarde, autoridades locais de segurança mostraram ao The New York Times uma aleta metálica que supostamente era parte da bomba e foi encontrada nas imediações. A aleta trazia marcas que indicavam que foi produzida pela General Dynamics; ela aparentemente teria sido afixada a uma bomba de 227 quilos como sistema direcional. O The New York Times não confirmou que a bomba foi usada no ataque.

Mas restos de armas fabricadas nos Estados Unidos vêm sendo encontrados regularmente entre os destroços de áreas atacadas no Iêmen.

Funcionários do governo Trump dizem que não têm controle sobre as bombas que a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos compram comercialmente de fornecedores americanos ou de outros países ocidentais.

Autoridades do Pentágono disseram ter oferecido assistência repetidamente aos dois países para a criação de listas de áreas protegidas contra ataques, mas que americanos não estavam envolvidos na seleção de alvos e não sabem que missões dos aviões da coalizão são reabastecidas por unidades aéreas americanas.

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