Na Colômbia, Santos sacrificou popularidade por paz com a guerrilha Farc

Presidente colombiano encerra mandato com baixa aprovação, mas reconhecimento internacional

Sylvia Colombo
Bogotá

A poucos dias de completar 67 anos, Juan Manuel Santos deixa o cargo de presidente da Colômbia, na terça-feira (7), tendo sacrificado sua popularidade - que termina em 14% - pela paz com a guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), colocando fim a uma guerra de mais de 50 anos, que deixou cerca de 220 mil mortos e mais de 7,7 milhões deslocados de suas casas pela violência.

Este poderia ser um resumo breve de seus oito anos de governo, iniciados em 2010, quando venceu as eleições com o apoio de quem hoje é seu rival político: o ex-presidente Álvaro Uribe.

Porém, quando se fala com os colombianos de distintas regiões, outros itens vêm à tona. No campo, a persistência da violência de outros grupos armados (guerrilhas, dissidências e facções criminosas) é o principal problema apontado nas pesquisas. Nas cidades, menciona-se que a economia que teve muitos altos e baixos, embora agora comece a repontar.

Colocando na balança os aspectos positivos e negativos, fica claro que o retrato que Santos deixará na galeria dos ex-presidentes da Colômbia será positivo. Do ponto de vista internacional, esse reconhecimento já veio, por meio de um prêmio Nobel da Paz e da chuva de convites para palestras internacionais e aulas em Harvard após deixar a presidência.

Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, fala em entrevista no palácio presidencial, em Bogotá, em 25 de junho de 2018.
Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, fala em entrevista no palácio presidencial, em Bogotá, em 25 de junho de 2018. - Fernando Vergara/AP

Eleito pela primeira vez pela direita e, na segunda, pela esquerda, Santos fez um governo para muitos considerado de centro-esquerda, onde houve avanços em direitos civis, uma política econômica liberal, uma busca de negociação com grupos armados em detrimento da repressão e políticas de proteção para a população mais humilde, reduzindo uma desigualdade que era histórica na Colômbia.

“O acordo de paz é um fato histórico, ainda que existam problemas em sua implementação, e com ele estão vindo o crescimento econômico e o investimento externo”, diz o analista José Miguel Alzate.
Pertencente a uma das famílias mais tradicionais de Bogotá, proprietária do principal jornal do país, o “El Tiempo”, Santos vem dizendo em suas últimas entrevistas que não irá “incomodar seu sucessor” e que espera que Deus lhe dê forças “para conter a libido pelo poder”.

Teve algumas reuniões com o novo presidente, Iván Duque, outro delfim político de Uribe, marcadas pela cordialidade. O único pedido que diz ter feito ao sucessor foi que defendesse a paz. Também recomendou que mantivesse a Colômbia no centro do espectro político.

Do lado positivo de seu legado, além da paz com as Farc, é preciso ressaltar que também a taxa de homicídios deste que já foi um dos países mais violentos da região foi, em 2017, a mais baixa em 40 anos. Segundo cálculos do governo, o processo de paz já teria salvo cerca de 3 mil vidas.

Do ponto de vista econômico, o país cresceu, em média, nestes oito anos, entre 3% e 4% ao ano. Mais de 5,4 milhões de pessoas saíram da pobreza e se criaram 3,5 milhões de novos empregos.

O investimento estrangeiro duplicou com relação aos anos da gestão Uribe (2002-2010), indo de US$ 6,4 bilhões a US$ 14,509 bilhões.

Do ponto de vista negativo, o próprio Santos disse, em entrevista à agência Reuters, que “politicamente se sentia frustrado porque gostaria de ter deixado o país mais unido e menos polarizado”.

De fato, em 2016, durante a campanha pelo plebiscito da paz, que Santos acabou perdendo - embora tenha podido reverter o resultado por meio de uma manobra parlamentar - foi quando essa divisão da sociedade se tornou mais latente.

A reportagem da Folha presenciou à época, por exemplo, passeatas contra o fim da educação sexual nas escolas. Exigia-se que Santos demitisse sua ministra da educação, que era homossexual, por achar que sua gestão era um “ataque à família colombiana”. Uma parte da população se levantou contra o que chamava de “ideologia de gênero”.

Essa campanha foi liderada por Uribe, que passou a colar na testa de Santos o rótulo de “castro-chavista”, ou seja, um aliado das ditaduras venezuelana e cubana.

Quanto a isso, o próprio presidente respondeu que não soube dimensionar “o quanto o discurso da pós-verdade” o iria prejudicar em termos de popularidade.

Outro ponto incômodo tem sido a demora na implementação do acordo com as Farc. Foi possível desmobilizar e desarmar guerrilheiros, mas falta recolher informações sobre seus bens e integrar todos os ex-combatentes ao mercado de trabalho. No campo, a reforma agrária prometida no acordo anda a passos lentos e há o problema das dissidências, que estão se incorporando às Bacrim (bandos criminosos) e a outras guerrilhas. Calcula-se que cerca de 600 ex-combatentes das Farc não tenham aderido à paz.

Também não foi possível chegar a um acordo com o ELN (Exército de Libertação Nacional), ainda que várias reuniões nos últimos dois anos tenham iniciado esse trabalho. Santos gostaria, porém, de ter alcançado, na semana passada, um cessar-fogo bilateral, para que o presidente eleito, Iván Duque, tivesse um respiro para reiniciar as conversas. Não foi possível.

Santos também terá de responder à Justiça sobre as acusações de que suas campanhas de 2010 e 2014 teriam recebido caixa 2 da Odebrecht.

Por fim, um problema que complica as relações com os EUA é que o tamanho das plantações de coca duplicou nos últimos anos. Isso ocorreu por conta do término das fumigações aéreas com produtos químicos ordenada por Santos, pois seu uso estava causando dano à saúde dos camponeses.

Com isso, porém, a Colômbia segue sendo, há mais de 30 anos, o primeiro produtor de cocaína no mundo.

Em uma entrevista em Bogotá, Santos finalizou o balanço dizendo: “Em 2010, éramos considerados um país problema. Hoje, somos olhados com respeito, atraímos investidores e revitalizamos o turismo.”

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