Padres seguiam cartilha informal para silenciar vítimas na Pensilvânia

Dioceses usavam eufemismo ao tratar de abusos de crianças para proteger reputação

Nova York

Os 300 “padres predadores” acusados de abusar sexualmente de cerca de mil crianças e adolescentes na Pensilvânia por sete décadas tinham uma espécie de código de conduta não oficial para enterrar os casos e abafar o escândalo, segundo os responsáveis pelas investigações.

Na terça-feira (14), a Procuradoria Geral do estado revelou que bispos, padres e outros membros da Igreja Católica acobertaram crimes de abuso sexual contra crianças em seis das oito dioceses da Pensilvânia: Harrisburg, Pittsburgh, Allentown, Scranton, Erie e Greensburg. As duas que ficaram de fora, Filadélfia e Altoona-Johnstown, já haviam sido investigadas no passado.

O relatório de quase 1.360 páginas detalha como os clérigos tinham um padrão semelhante para lidar com os casos.

As práticas foram compiladas com a ajuda de especialistas em análise comportamental do FBI (polícia federal americana), que identificaram as principais estratégias usadas pelos abusadores, no que o relatório chama de “cartilha para esconder a verdade”. “O objetivo principal não era ajudar as crianças e sim evitar escândalo”, afirmam os investigadores. “Em todos os lugares, vimos o mesmo desdém perturbador para com as vítimas.”

O documento compila oito estratégias. A principal delas era não avisar à polícia. “Abuso sexual contra crianças, mesmo que não tenha penetração, é e foi crime por todo período relevante. Mas não trate isso dessa forma; lide com isso como se fosse um assunto pessoal, ‘dentro de casa’.”

Outra recomendação era que os padres adotassem eufemismos, em vez de expressões claras, para descrever os ataques nos documentos arquivados. Em vez de estupro, contato inapropriado.

Para dar a impressão de que a diocese estava lidando com os casos, os padres deveriam ser encaminhados para “avaliação” em centros de tratamentos psiquiátricos dirigidos pela igreja. Lá, especialistas deveriam “diagnosticar” se o padre era pedófilo, baseado principalmente nos relatos do abusador, e mesmo que ele não tivesse tido contato sexual com um menor.

Se a diocese decidisse remover um padre por causa do escândalo que a conduta dele poderia causar, não deveria explicar os motivos. Os paroquianos saberiam apenas que o clérigo estava em licença para cuidar da saúde ou sofrendo de “exaustão nervosa”.

Os investigadores identificaram casos em que, décadas atrás, agentes da lei ficaram sabendo dos ataques, apesar dos esforços das dioceses para ocultar os episódios. No entanto, decidiram deixar a igreja lidar com a situação.

O documento detalha episódios em algumas dioceses. Em Allentown, por exemplo, um padre foi confrontado com uma queixa de abuso.

Ele pediu ajuda por ter molestado o menino, mas a hierarquia católica concluiu que “a experiência não vai necessariamente ser um trauma horrendo” para a vítima. O clérigo continuou no ministério por muitos anos.

Em Erie, um padre confessou estupro anal e oral de ao menos 15 meninos, um deles de 7 anos. O bispo mais tarde encontrou o abusador e ressaltou sua “candura e sinceridade”. Ele também elogiou “o progresso que ele fez” ao controlar seu “vício”. Anos depois, quando o padre foi excomungado, o bispo ordenou que o motivo não fosse revelado.

Já na diocese de Harrisburg, um padre abusou de cinco irmãs. Além da agressão sexual, ele coletou mostras da urina, do pêlo pubiano e de sangue menstrual das meninas.

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