Descrição de chapéu The New York Times

Mais de cem homens denunciam abuso de médico em universidade dos EUA

Casos aconteceram com lutadores da Universidade Estadual de Ohio

Rodríguez aparece com o rosto em parte sobreado
Lutador da Universidade Estadual de Ohio na década de 1990, Michael Rodríguez disse que o médico Richard Strauss o levou para casa para um exame que terminou em abuso - Andrew Spear/The New York Times
Catie Edmonson Marc Tracy
Cleveland

Lutador greco-romano peso pesado da Universidade Estadual de Ohio que se tornou profissional, Nick Nutter viu na TV em janeiro como, uma a uma, ex-ginastas mulheres contaram como o médico Larry Nassar usou seu poder para abusar sexualmente delas.

As memórias que há muitos anos Nutter tentava enterrar voltaram a aparecer: como quando estava na faculdade, o médico de seu time o chamou para um tratamento de emergência em sua casa devido a uma alergia na pele e repetidamente tocou em seus genitais —e como há 20 anos o lutador gigante e durão não disse nada.

Foi aí que, afirma, acordou a fera. Em entrevista, ele disse ter sempre acreditado que “Ele é um médico, tenho certeza que há um bom motivo para fazê-lo”, mas este era o mesmo raciocínio de muitas vítimas de Nassar e agora elas estão revelando isso —muitas delas com metade de seu tamanho mas aparentemente muito mais coragem.

Nutter afirmou ter ligado para seus colegas de luta e perguntado: “Vocês estão vendo isso?” “Foi [o caso da] Universidade Estadual do Michigan que nos fez dizer, ‘Ei, isso também pode acontecer com garotos’”.

Até agora mais de cem homens revelaram que foram molestados por Richard Strauss, médico da Universidade do Estado de Ohio entre o fim da década de 1970 e a década de 1990, segundo uma investigação independente feita pela instituição.

Três processos foram abertos contra a entidade acusando-a de permitir a atividade de um abusador sexual, pondo a escola na mesma categoria da Universidade Estadual de Michigan, onde Nassar atacou as atletas femininas.

A lista também inclui um grupo de jogadores abusados pelo ex-treinador de futebol americano Jerry Sandusky na Universidade Estadual da Pensilvânia e as alunas atacadas por um ginecologista na Universidade do Sul da Califórnia.

Nesta semana, a Universidade Estadual do Ohio afastou temporariamente o técnico do time de futebol americano, Urban Meyer, para investigá-lo por violência doméstica contra um de seus assistentes em 2015.

De certa forma, o que separa o caso de abuso sexual de Ohio dos outros são as vítimas: jovens adultos, e muitos deles lutadores musculosos, que foram deixados lidando com uma dor e uma angústia que eles acreditavam que não deveriam ter.

Tendo montado suas identidades em torno de noções tradicionais de dureza e domínio das emoções, muitos agora têm dificuldades de aceitar sua nova identidade —#MeToo (Eu também), ou no caso deles, #UsToo (Nós também).

Para complicar a situação o assistente técnico da equipe, Jim Jordan, hoje é um poderoso deputado conservador e é cotado a ser um dos próximos presidentes da Câmara no próximo ano. Ele negou ter conhecimento de qualquer má conduta sexual e acusou alguns dos denunciantes de terem motivações políticas.

“As pessoas dizem que é oportuno que levantemos essa história agora”, afirmou Michael Rodríguez, um ex-lutador que foi abusado por Strauss e caiu na real. “Mas, para mim, tudo isso tem a ver com o #MeToo.”

Ele se lembra de estar vendo TV com sua filha de 13 anos no fim do ano passado quando um programa comentava os casos de abuso sexual do produtor de cinema Harvey Weinstein e a ampla sensação de reconhecimento que isso provocou. “Meu Deus, eu também sou um deles”, afirmou à filha.

Capitão do time de luta greco-romana de 1978, David Mulvin lembra de ter aberto um jornal local e lido que um outro homem denunciou Strauss como seu abusador. “Meu queixo caiu. Eu disse, ‘Então não fiz nada de errado’.”

Ele disse que Strauss o masturbou por quase 20 minutos depois que ele buscou tratamento para uma infecção em uma queimadura em sua virilha provocada pelo macacão. 

Assim como Mulvin, algumas vítimas nutriam vergonha e culpa por dedurar Strauss, que se matou em 2005, devido à resposta física óbvia que as vítimas femininas de abuso não podem mostrar, explicou Nutter. “As pessoas se sentem culpadas. Eu acho que eles sentiram uma ereção naquele momento. É como dizer: ‘É algo de que eu gosto’”.

Bebendo em um bar ou comendo em uma padaria no mês passado, os lutadores relembravam e faziam brincadeiras com suas próprias reações, levando a risadas. 

Eles admitem que as lágrimas que as ex-ginastas mostraram durante o julgamento de Nassar, mas eles dizem que, para eles, rir é a única forma socialmente aceita de mostrar o que aconteceu com eles.

Vestido com calça cinza e camisa azul escura, Snyder-Hill aparece sentado em uma cadeira de rede.
Steve Snyder-Hill abriu um processo contra a Universidade Estadual de Ohio pelo abuso sexual feito pelo médico Richard Strauss, mas a instituição rejeitou a ação - Andrew Spear/The New York Times

“A sociedade nos ensina que é constrangedor falar sobre abuso sexual”, afirmou Steve Snyder-Hill, que, após ser abusado por Strauss, abriu um processo contra a Universidade do Estado do Ohio nos anos 1990.

A universidade respondeu que não tinha nenhuma outra reclamação sobre o médico. “Penso que isso tinha tudo a ver com o poder. Alguém que tem mais poder que você, e não importa de que gênero você é.”

Quase todos os denunciantes têm histórias similares. Independentemente da doença que tivesse, eles disseram que o diagnóstico de Strauss sempre terminava com o médico inspecionando e apertando sua genitália. Ele sempre deu uma explicação: homens têm linfonodos nos testículos e é preciso checá-los. Era o que ele fazia. 

“Quando você tinha uma lesão ou uma infecção no rosto, dava uma cotovelada, qualquer coisa, a intimidade com que ele fazia esse exame era tão arrepiante e inapropriado quanto ‘abaixe sua cabeça e tussa’. Ele taparia sua boca. Ficaria frente a frente. E o exame seria muito mais longo do que deveria ser”, disse Rodríguez.

Em umas férias de inverno entre 1991 e 1992, afirma o ex-lutador, o médico o convidou para sua casa a 10 minutos do campus, examinou sua virilha por bastante tempo, e então o masturbou no que deveria ser um exame rápido de uma doença de pele.

Quando ele percebeu que algo não estava bem, muitos homens não estavam prontos para chamar isso de abuso. “Eu não me entendia como vítima. Eu poderia dizer que Strauss era estranho e um pouco abusado. E só.”

Avaliando agora como eles reagiriam na época, muitas das vítimas se atentaram para o fato de que Strauss era muito menor e mais velho que ele. E críticos levantaram a mesma questão: por que estes lutadores não o rebateram?

O lutador Mark Schultz, ex-competidor olímpico e competidor do UFC, disse: “Nick Nutter disse que foi acariciado por bastante tempo em um quarto cheio de fotos de homens nus enquanto ele estava deitado pelado. Isso é ser acariciado ou dar consentimento?”

Para Nutter, esta pergunta é simplesmente injusta: “Eu leio na internet as pessoas dizendo: ‘Por que eles não deram um soco na cara dele?’ Eu não sou uma pessoa violenta. Eu francamente sou uma pessoa calma. Não foi tão fácil assim e, vendo em retrospectiva, eu não tinha dado um soco nele. Eu não detesto esse cara. Ele tinha seus demônios.”

Mas, embora muitos deles tenham tido sucesso em enterrar esses abusos, há consequências persistentes. Mulvin se recusa a ver médicos homens. Um ex-tenista da Universidade Estadual de Ohio demorou oito meses para procurar tratamento para um nódulo doloroso dos testículos, segundo documentos da ação contra a universidade.

Algumas memórias ainda os perseguem nestes dias: como o era hálito de Strauss enquanto ele os apalpava, como pareciam estranhamente longos seus dedos. Para Nutter, é a do médico alisando suas rugas nos lençóis brancos da cama. 

“São coisas pequenas que eu não posso apagar da cabeça. Vou ter a vida inteira essas lembranças dele deitando naqueles lençóis.”

Tradução de Diego Zerbato

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