Descrição de chapéu The Washington Post Governo Trump

Acordos de confidencialidade obrigam assessores de Trump a só falarem bem dele

Contratos impõem multas a violadores pela revelação não autorizada de informações confidenciais

Washington | The Washington Post

Ame-a ou a odeie, confie nela ou não, Omarosa Manigault Newman sem querer expôs um segredinho sobre como se faz jornalismo político em 2018: algumas das pessoas que vemos na TV ou que são citadas em artigos sobre o presidente Trump são legalmente obrigadas a dizer coisas elogiosas sobre ele.

Trump reconheceu no mês passado que Manigault Newman —autora de “Unhinged” (Desequilibrado), um livro cheio de revelações sobre o tempo que ela passou na Casa Branca —, assinou um acordo de confidencialidade quando foi trabalhar para a campanha dele, em 2016. Trump sugeriu que ela teria violado o acordo, que proíbe os signatários de detrair Trump ou membros de sua família.

Isso suscita uma pergunta: será que outros que assinaram acordos de confidencialidade com Trump estão realmente sendo francos nas entrevistas que dão à imprensa? Ou elogiam o presidente apenas porque não podem legalmente fazer outra coisa?

Omarosa Manigault Newman at Trump Tower in New York
Omarosa Manigault Newman na Trump Tower, em Nova York - John Taggart - 13.dez.16/Bloomberg

A dúvida também se estende à mídia noticiosa. As organizações noticiosas não deveriam revelar que as autoridades do governo Trump que elas citam ou que colocam no ar têm o compromisso legal de não falar mal do presidente, considerando que se o criticassem isso daria aos leitores e espectadores mais condições de avaliar o que o entrevistado realmente pensa?

Nas semanas passadas desde que Trump desancou Manigault Newman, ex-assessora da Casa Branca (“a maluca Omarosa assinou um acordo total de confidencialidade”, ele tuitou), poucos veículos de mídia vêm dando pistas sobre quem mais anda falando dentro do que permite seu acordo de confidencialidade.

Antigos e atuais funcionários do governo Trump são regularmente entrevistados, e alguns assumiram papéis destacados como comentaristas de mídia, eles próprios.

Boris Epshteyn, que foi assessor sênior da campanha de Trump e durante pouco tempo membro da administração dele, é o analista político chefe do Sinclair Broadcast Group, encarregado de divulgar suas opiniões em comentários transmitidos por dezenas de estações do grupo Sinclair em todo o país.

Epshteyn regularmente revela aos espectadores os cargos que ocupou antes a serviço de Trump, mas não mencionou até agora que, enquanto trabalhou para a campanha, assinou um acordo que o proíbe de criticar Trump.

Indagado sobre o assunto, ele se negou a responder diretamente. Disse em comunicado: “Tenho o orgulho de oferecer a nossos espectadores minha visão e análise expressa sem rodeios, baseada em fatos e em minha experiência”.

Como foi o caso da campanha de Trump e da Organização Trump antes dela, a administração Trump parece ter feito dezenas de antigos e atuais funcionários e assessores assinarem acordos de confidencialidade.

A secretária de imprensa da Casa Branca, Sarah Huckabee Sanders, não especificou quem ou quantas pessoas já firmaram esses acordos, mas descreveu os documentos como sendo “comuns” e “muito normais” para esta Casa Branca.

É questionável se os acordos de confidencialidade podem ser legalmente implementados no caso de funcionários públicos; a professora de direito Heidi Kitrosser, da Universidade do Minnesota, disse em entrevista que um tribunal provavelmente enxergaria uma restrição tão ampla à liberdade de expressão imposta pelo governo como uma violação da primeira emenda constitucional.

“Um acordo que prevê que o signatário não pode criticar o presidente é evidentemente uma restrição que afeta questões de importância pública máxima.”

Mas isso não quer dizer que um acordo de confidencialidade não seja eficaz para silenciar críticos, disse a advogada Debra Katz, especializada em processos envolvendo discriminação no emprego e retaliação contra vazadores de informações.

“É claro que esses acordos restringem a liberdade de expressão, é essa sua finalidade”, ela disse.

Em um desses acordos da campanha de 2016 ao qual The Washington Post teve acesso, os signatários prometem “não difamar ou detrair publicamente” Trump ou membros de sua família.

Outra versão provisória à qual Ruth Marcus, do Post, teve acesso em março, expõe os violadores a penalidades monetárias pela revelação não autorizada de informações “confidenciais”, definidas como “toda informação não pública à qual eu venha a ter acesso no cumprimento de meus deveres oficiais a serviço do governo dos Estados Unidos no staff da Casa Branca”, incluindo “comunicações com membros da imprensa” e “com funcionários do governo federal e de governos estaduais e locais”.

Ainda outra versão –uma que Manigault Newman disse que se negou a assinar com a campanha de Trump para 2020— proíbe de modo perpétuo que o signatário compartilhe uma longa lista de informações valiosas.

Esse acordo proibia revelações sobre “bens, investimentos, receita, despesas, impostos, extratos financeiros, empreendimentos comerciais existentes ou possíveis, contratos, alianças, filiações, relacionamentos, entidades filiadas, licitações, cartas de intenções, decisões, estratégias, técnicas, métodos, projeções, previsões, clientes, fregueses, contatos, listas de clientes, listas de contatos, programações, compromissos marcados, reuniões, conversas, cartas e outras comunicações” de “Trump, Pence, qualquer membro das famílias Trump ou Pence, qualquer empresa de Trump ou Pence ou qualquer empresa pertencente a qualquer membro da família de Trump ou Pence”.

Para Gabriel Kahn, professor de jornalismo da Escola Annenberg da USC, esses acordos criam uma circunstância comprometedora para o entrevistador e o entrevistado.

“Não vejo nenhuma situação em que seja aceitável uma pessoa que assinou um acordo de confidencialidade não revelar esse fato em uma entrevista”, ele disse. “É uma informação material que influi sobre a credibilidade da entrevista. O público tem o direito de saber se a pessoa entrevistada concordou em limitar ou censurar-se de alguma maneira.”

Kahn comparou acordos de confidencialidade não revelados a outros tipos de possíveis conflitos de interesse, como uma fonte com um relacionamento pessoal que não é revelado ou que tenha uma participação financeira oculta em uma empresa que está promovendo junto à imprensa. “Isso é totalmente inapropriado”, ele disse.

Uma porta-voz da CNN, Barbara Levin, disse que a rede revela aos espectadores quanto seus colaboradores pagos assinaram acordos de confidencialidade, “e continuamos a recordar esse fato aos espectadores sempre que o colaborador participa de conversas relevantes que exigem que o fato seja revelado”.

Mas, segundo uma busca feita no banco de dados Nexis, os apresentadores da CNN só mencionaram essa questão duas vezes com colaboradores da rede desde que Trump anunciou sua candidatura à Presidência, em 2015.

Num debate televisionado na semana passada, o apresentador do horário nobre Chris Cuomo perguntou ao colaborador da CNN Jason Miller se, quando foi porta-voz da campanha e da transição de Trump, ele assinou um acordo que o impede de detrair o presidente.

Miller, que é analista pago da CNN há 17 meses, reconheceu pela primeira vez na CNN que assinou tal acordo, mas disse que isso não limita suas opiniões. “Posso expressar minha opinião do jeito que eu quiser, quando quiser”, ele disse a Cuomo.

Corey Lewandowski, ex-diretor de campanha de Trump, se negou a responder a uma pergunta semelhante da apresentadora Erin Burnett em sua primeira participação como comentarista da CNN em junho de 2016. “Sou um sujeito que dá nome aos bois”, ele respondeu. “Vou falar a verdade como ela é. Na minha opinião, não há nada que vai me impedir de falar a verdade.”

Lewandowski deixou a CNN em novembr o de 2016, mas desde então tem aparecido periodicamente como convidado não pago.

Quando apareceram na CNN no mês passado, dois convidados não pagos da rede –o ex-advogado da Casa Branca Jim Schultz e a porta-voz da campanha Katrina Pierson – revelaram, sem que isso lhes fosse pedido, que tinham assinado acordos de confidencialidade.

Um porta-voz da MSNBC, Errol Cockfield, disse que sua rede vai pedir a funcionários ou ex-funcionários do governo Trump que revelem se assinaram acordos de confidencialidade. Ele disse que foi pedido a colaboradores pagos no passado que revelassem à rede quaisquer possíveis conflitos.

Representantes da Fox News não responderam a vários pedidos de declarações.

Uma representante da CBS, Christa Robinson, disse que sua rede não contrata colaboradores que já tenham trabalhado para a administração Trump, “então acredito que essa questão dos acordos não nos diz respeito”. Ela não respondeu a uma pergunta sobre a política da CBS em relação às suas fontes noticiosas não pagas.

Um representante da ABC News, Van Scott, disse que a ABC “não contrataria um colaborador que não possa se expressar”, mas tampouco ele comentou sobre fontes não pagas.

A NBC News se negou a dar declarações.

Em sua cobertura sobre Trump, o Washington Post raramente informou quando suas fontes identificadas falaram sob as restrições de um acordo de confidencialidade.

Mas o editor executivo Cameron Barr disse que o princípio deve ser aplicado: “Sempre devemos revelar informações e circunstâncias que possam explicar ou lançar luz sobre o ponto de vista de uma fonte”, ele disse. “Se for relevante, devemos revelar.”

Donald Trump
O presidente americano, Donald Trump - Nicholas Kamm-11.set.18/ AFP

Tradução de Clara Allain

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