Descrição de chapéu The New York Times

Antes proibida, língua maori tem renascimento na Nova Zelândia

Até 2013, apenas 3,7% dos neozelandeses falavam a língua fluentemente

Wellington (Nova Zelândia) | The New York Times

Uma banda de "thrash metal" grita letras em maori em seus últimos vídeos. Um conhecido apresentador de rádio está aprendendo a língua indígena da Nova Zelândia e compartilha um novo vocabulário com seu público.

E moradores da Aldeia de Aposentados Merivale, em Christchurch, estão estudando maori, cumprimentando-se na língua que não era falada pela maioria deles.

"É uma das grandes tristezas da minha vida, que eu não pude falar ou entender maori", disse uma moradora, Nancy Rogers, 93, que é "pakeha" --palavra maori amplamente usada para descrever um neozelandês de origem europeia.

A child is welcomed with a hongi, the traditional Maori nose-pressing greeting, in Auckland, New Zealand, Aug. 23, 2018. Maori is having a revival across the country, with indigenous people rejecting generations of shame associated with using their own language and white New Zealanders learning to speak it to better understand their own cultural identity. (Birgit Krippner/The New York Times)
Criança é cumprimentada com um "hongi", saudação tradicional maori, em Auckland (Nova Zelândia) - Birgit Krippner - 24.ago.18/The New York Times

O maori está tendo um renascimento em toda a Nova Zelândia. As pessoas indígenas cada vez mais adotam sua língua, rejeitando gerações de estigma e vergonha associados a seu uso. E os neozelandeses brancos buscam ajuda na língua e na cultura maori para compreender sua própria identidade cultural.

"Esta é a nova Nova Zelândia ", disse Ella Henry, uma professora de estudos maori na Universidade de Tecnologia de Auckland. "Não é uma bolha na paisagem cultural. É o que a Nova Zelândia está se tornando: um lugar realmente integrado."

Até 2013, apenas 3,7% dos neozelandeses falavam a língua fluentemente, e muitos previam que ela se extinguiria em breve. Mas analistas dizem que o status do maori está mudando, e um conhecimento básico da língua passou a significar modernidade cultural em um país que continua lutando com suas raízes coloniais e indígenas.

Hoje o governo da Nova Zelândia, que diz desejar que mais de 20% da população falem maori básico até 2014, prometeu oferecer aulas do idioma em todas as escolas do país até 2025, apesar da falta de professores que falam a língua.

A revitalização do maori também faz parte de um renascimento mais amplo das culturas indígenas no plano global. Em alguns países isso inclui o apoio à mídia noticiosa indígena e o renascimento de religiões tradicionais. Henry disse que países como o Canadá estão observando a Nova Zelândia para ver como seus ganhos foram conquistados.

É uma história de crescimento orgânico e de ação governamental.

A menu written in Maori at the Fush restaurant in Christchurch, New Zealand
Menu do restaurante Fush é escrito em maori, em Christchurch (Nova Zelândia) - Birgit Krippner - 24.ago.18/The New York Times

Um "renascimento maori" floresceu nos anos 1970 quando ativistas da língua defenderam sua causa e os maoris lutaram por maior representação política, negada desde que a Nova Zelândia foi colonizada pelos britânicos no século 19. O movimento ganhou força nos últimos anos, quando a maior visibilidade e esforços do governo em apoio ao ensino do idioma levaram a mudanças na comunicação cotidiana.

Mas também se espalhou de boca em boca --literalmente. Tornou-se cada vez mais comum atender ao telefone com a saudação "kia ora" (olá) ou assinar um e-mail com "nga mihi" (obrigado). Alguns neozelandeses se referem aos seguidores nas redes sociais como "whanau" (parentes). E até os não falantes de maori de uma geração anterior podem dizer que "vão arranjar uma 'kai'" (comida).

Um defensor destacado é a primeira-ministra Jacinda Ardern, que disse no mês passado que sua filha recém-nascida aprenderá maori e inglês. "É uma língua oficial, então por que devemos esnobar sua disponibilidade universal e seu uso muito mais comum?", disse Ardern, acrescentando que também pretende estudar o idioma. "É como deve ser."

O maori também tem um lugar cada vez maior na cultura popular predominante na Nova Zelândia. A banda de "thrash metal" Alien Weaponry lançou um álbum nessa língua neste ano, e em setembro passado uma versão em maori do filme "Moana", da Disney, foi projetada durante um dia em todo o país, com grande sucesso de público.

"Esse movimento maravilhoso que está acontecendo no país mostra a natureza fluida da identidade cultural", disse Henry, a professora de maori.

Kathy Fitzell, left, and Nancy Rogers at the Merivale Retirement Village in Christchurch, New Zealand, Aug. 24, 2018. Fitzell, a Maori, said her parents spoke the language at home, but she was uncomfortable using it in public, and Rogers said not learning how to speak and understand Maori was ?one of the great regrets of my life.?
Kathy Fitzell (esq.) e Nancy Rogers na Aldeia de Aposentados Merivale, em Christchurch, na Nova Zealand - Birgit Krippner - 24.ago.18/The New York Times

Para muitos moradores da Aldeia de Aposentados Merivale, o maori era raramente visto ou ouvido em sua infância. No século 20, crianças maoris eram muitas vezes repreendidas por usar a língua na escola. Hoje, até 35 moradores da casa de aposentados se encontram todas as manhãs para se cumprimentarem em maori e praticar a língua em atividades como citar os nomes das partes do corpo.

Kathy Fitzell, 75, uma residente maori de Merivale, tem uma história difícil com a língua. Seus pais falavam maori em casa, mas ela não gostava de usar a língua em público.

"Eles abusavam muito de nós", disse ela sobre os neozelandeses brancos, "porque não sabiam do que estávamos falando, por isso eu simplesmente parei de falar maori."

Mas hoje seus netos estão aprendendo a língua, e ela aprecia a oportunidade de se reconectar com ela.

Como 15% da população da Nova Zelândia, os maoris são o segundo maior grupo étnico do país, depois dos "pakeha" --uma dinâmica que Henry disse que os ajudou a conseguir influência política, mesmo que muitos não falem o idioma. Em 1996, um quarto dos maoris disseram que eram capazes de ter uma conversa sobre coisas do dia a dia nessa língua. Isso caiu para 21,3% em 2013.

Mas houve certa reação ao renascimento da língua.

Propostas de substituir oficialmente nomes de lugares em inglês por outros tradicionais em maori provocaram um debate acalorado. E esforços são às vezes criticados como condescendentes: quando um carro da polícia foi desenhado usando língua e arte maoris, ele foi denunciado por alguns como insensível por causa do maior índice de detenções entre os maoris.

Ella Henry, a Maori studies lecturer at Auckland University of Technology, in Auckland, New Zealand
Ella Henry, professora de maori na Auckland University of Technology, em Auckland, Nova Zelândia - Birgit Krippner - 22.ago.18/The New York Times

Scotty Morrison, um professor de maori que coescreveu o livro "Maori at Home" [Maoris em casa], calcula que a próxima rodada de dados oficiais mostrará um maior número de falantes de maori, e ele disse que poderá chegar um tempo em que mais pessoas não maoris do que maoris falem a língua em certo nível.

Para muitos, como Janell Dymus, 25, que é maori, isso significaria um sinal de respeito há muito devido.

Ela chama a si mesma de "um produto do renascimento maori". Educada em uma escola de imersão em língua maori, ela trabalha em saúde pública e como ativista, mobilizando jovens maoris sobre questões políticas, em Auckland, a maior cidade da Nova Zelândia.

Em alguns dias é claramente mais fácil ser maori, enquanto em outros é uma luta, disse ela, citando os índices mais altos de prisão e pobreza e piores resultados de saúde entre os indígenas neozelandeses.

Dymus disse que o uso da língua foi um primeiro passo para abordar desequilíbrios sociais, e que qualquer coisa que reduza o estigma que cerca os maoris é válida.

"Não importa quanto tokenista seja", disse ela, "a absorção da língua tem que acontecer primeiro".

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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