Arma invisível pode ter causado doença em diplomatas dos EUA em Cuba e na China

Especialistas acreditam que armamentos de micro-ondas tenham acarretado lesões cerebrais

William J. Broad
The New York Times

Durante a Guerra Fria, Washington temia que Moscou estivesse tentando transformar a radiação de micro-ondas em armas de controle da mente.

O Consulado-Geral dos EUA em Guangzhou, na China
Consulado-Geral dos EUA em Guangzhou, na China - Lam Yik Fei/The New York Times

Mais recentemente, os próprios militares dos EUA buscaram desenvolver armas de micro-ondas capazes de projetar invisivelmente sons altos dolorosos e até palavras na cabeça das pessoas. Os objetivos eram incapacitar os adversários e travar uma guerra psicológica.

Hoje, médicos e cientistas dizem que essas armas não convencionais podem ter causado os sintomas surpreendentes que, desde o final de 2016, atingiram mais de 35 diplomatas americanos e seus parentes em Cuba e na China. Os incidentes em Cuba resultaram na ruptura diplomática entre Havana e Washington.

A equipe médica que examinou 21 diplomatas afetados em Cuba não mencionou micro-ondas em seu relatório, publicado na revista de medicina JAMA em março. Mas Douglas H. Smith, o principal autor do estudo e diretor do Centro para Danos e Reparos Cerebrais na Universidade da Pensilvânia, disse em uma entrevista recente que as micro-ondas hoje são consideradas um grande suspeito e que a equipe tem cada vez mais certeza de que os diplomatas sofreram lesões cerebrais.

"Todo mundo estava relativamente cético no início", disse ele. "E hoje todos concordam que há algo aí." A equipe disse que os diplomatas pareciam ter desenvolvido sinais de concussão sem terem recebido qualquer golpe na cabeça.

Ataques com micro-ondas explicariam de maneira mais plausível os relatos de sons dolorosos do que ataques sônicos, infecções virais ou ansiedade contagiosa.

Um número crescente de analistas citam um fenômeno sobrenatural conhecido como efeito Frey, em referência a Allan Frey, um cientista americano. Há muito tempo ele descobriu que as micro-ondas podem enganar o cérebro, levando-o a perceber sons que parecem comuns.

As falsas sensações podem responder por um sintoma marcante dos incidentes: a percepção de ruídos fortes, como campainhas, zumbidos e de atrito. 

A ideia das micro-ondas está cheia de perguntas não respondidas. Quem disparou os feixes? O governo russo? O governo cubano? Onde os agressores conseguiram as armas não convencionais?

As micro-ondas são onipresentes na vida moderna. As ondas curtas de rádio movimentam radares, cozinham comida, transmitem mensagens e ligam telefones celulares a torres de antenas. Elas são uma forma de radiação eletromagnética do mesmo espectro que a luz e os raios X, só que na extremidade oposta.

Enquanto a transmissão de rádio pode empregar ondas com mais de 1,5 km de comprimento, as micro-ondas variam de aproximadamente 30 centímetros a menos de 2,5 cm. Elas são consideradas inofensivas na vida cotidiana em usos como aquecer alimentos. As dimensões da cabeça humana fazem dela uma boa antena para captar sinais de micro-ondas. 

A pesquisa soviética sobre micro-ondas para "percepção interna do som", advertia a Agência de Inteligência da Defesa em 1976, tinha potencial para "interferir nos padrões de comportamento de pessoal militar ou diplomático". A Rússia, a China e muitos países europeus teriam o conhecimento para fazer armas básicas de micro-ondas capazes de enfraquecer, semear ruído ou até matar.

A arma básica poderia parecer uma miniantena parabólica. Na teoria, esses dispositivos poderiam ser transportados manualmente ou montados em um carro, barco ou helicóptero. As armas de micro-ondas em geral são consideradas eficazes em distâncias pequenas - de algumas salas ou quarteirões -, e as mais potentes poderiam conseguir disparar armas de fogo a vários quilômetros de distância. 

Em janeiro, James C. Lin, da Universidade de Illinois, descreveu em um estudo os problemas diplomáticos como decorrentes plausivelmente de raios de micro-ondas. Lin disse que feixes de micro-ondas de alta intensidade podem ter levado os diplomatas a experimentar não apenas ruídos fortes, mas também náusea, dor de cabeça e vertigem, assim como possível lesão do tecido cerebral. 

Em fevereiro, a ProPublica falou sobre uma descoberta intrigante. A mulher de um membro da embaixada teria olhado para fora de casa depois de ouvir os sons e viu uma van se afastar depressa. Uma antena poderia caber facilmente em uma van pequena.

Em maio, houve relatos de que diplomatas americanos na China tinham sofrido traumas semelhantes e 11 americanos foram evacuados do país. 

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