Buenos Aires registra alta de ataques organizados contra motoristas de Uber

Dois anos após aplicativo estrear na Argentina, taxistas espreitam e emboscam rivais

Homem carrega faixa com frase "Fora, Uber" ao lado de outros colegas e de fila de táxis parados em avenida
Taxistas protestam em Buenos Aires contra a chegada da Uber em abril de 2016; dois anos depois, aplicativo continua sem regulamentação e ataques crescem - Enrique Marcarian - 15.abr.16/Reuters
Sylvia Colombo
Buenos Aires

Em uma noite de sábado em Buenos Aires, o taxista para no sinal. Abre a janela e começa a tirar fotos do carro ao lado. Com vidro fumê, pode-se distinguir que nele há um homem na direção e uma moça sentada atrás.

"É Uber, certeza", diz o taxista Rubén, que pede "um instantinho" para abrir a porta na noite gelada, se esgueirar, esperar o veículo avançar e tirar uma foto da placa.

Ao som de buzinas impacientes, Rubén volta ao veículo e arranca, explicando: "É para eu mandar para o grupo de caça-Uber".

Ele —que pede para omitir o sobrenome— mostra então um grupo de mensagens entre taxistas, com uma lista que, diz, é atualizada a cada noite com placas, descrição de carros e de motoristas suspeitos de trabalharem para a Uber.

As informações ajudam a armar as "operações", afirma. Mas Rubén alega não participar porque tem mulher e filhos "e esse lance é perigoso". "Nós vamos derrotar esses caras, porque a Argentina tem sindicato e somos fortes."

Há dois tipos de "operações". O primeiro, quando um dos taxistas chama os colegas ao ver um Uber, inclui perseguição e cerco ao sujeito.

O segundo, mais elaborado, é aquele em que os taxistas criam perfis falsos de usuários, chamam o Uber, e, quando ele chega, o emboscam.

O que acontece pode ser visto em buscas no YouTube sob o nome "caza-uber", ou relatados na mídia depois de queixas das vítimas: carros são atacados, vidros, quebrados, laterais destruídas ou pichadas. Há ataques a mão armada e queima do veículo.

Num caso mais estrondoso, no primeiro semestre, um homem de 79 anos que levava os netos no banco de trás foi confundido com um motorista de Uber, arrastado para fora do veículo e agredido.

Enfrentamentos entre taxistas e motoristas de Uber têm aumentado desde a entrada do aplicativo na Argentina, em abril de 2016.

A companhia afirma que, com a exceção de Caracas, na Venezuela, Buenos Aires é a única grande capital sul-americana em que ainda há tantas ocorrências envolvendo motoristas e usuários (que às vezes estão nos carros durante as agressões).

De protestos e marchas, a ação dos caça-Uber se tornou mais violenta. Só na capital e cercanias estão registradas mais de 280 queixas. Em La Plata e Córdoba, o número é alto, mas a polícia não tem um levantamento oficial.

Em pouco mais de dois anos de funcionamento em 25 cidades argentinas, o aplicativo tem mais de 3 milhões de usuários. Motoristas, porém, dirigem com medo.

A primeira coisa que pedem é que o passageiro vá no banco da frente. Quando se chama o carro, o aplicativo não mostra a placa completa do veículo —pedido dos motoristas ao Uber para escapar das listas dos "caça-Uber".

É comum ver o Uber aproximar-se cauteloso, devagar, e muitas vezes com a lateral danificada ou os vidros quebrados. Dizem apenas: "foram taxistas".

Parte do problema é a falta de uma regulamentação nacional para o aplicativo. No momento, o Uber não tem regulação em muitas cidades, mas a fiscalização é frouxa, pois o serviço é muito usado por turistas, segundo a entidade de turismo da cidade.

Apenas Mendoza, com grande fluxo de estrangeiros, legalizou seu funcionamento, exigindo do aplicativo uma taxa que a empresa se prontificou a pagar. Em outras, o conflito com os sindicatos de taxistas atravanca as negociações.

Em Buenos Aires, onde o sistema não está legalizado, não é possível registrar cartões de crédito nacionais, e as corridas são pagas em dinheiro ou com cartões estrangeiros.

Em agosto, a Corte Suprema do país disse não ao pedido de um dos sindicatos de taxistas para que o Uber fosse considerado ilegal. Mas, sem regras de funcionamento, tampouco o serviço é legal.

É nesse limbo que vivem motoristas e usuários.

Em agosto, a Justiça condenou o primeiro "caça-Uber", Martín Sensón, taxista de 32 anos, a um ano de prisão por agressão, danos a veículos e ação em quadrilha, além de uma multa de 100 mil pesos (R$ 11 mil). Os taxistas ficaram ainda mais revoltados, e os ataques aumentaram.

"O Uber precariza nosso trabalho, rouba nossa atividade. Não vamos aceitar as decisões da Justiça, que não libera nem proíbe o Uber, mas penaliza os taxistas que defendem seu trabalho", diz Luis Fernández, presidente da Associação de Taxistas da Capital Federal.

"Não sei por que reclamam se há mercado para todos", diz Nelson, administrador de um grupo de mensagens dos motoristas de Uber no qual se defendem dos "caça-Uber", avisando onde há "operações".

Sem legislação, cuja definição se complica conforme se aproxima o período eleitoral (2019) e o Executivo tenta evitar choques com sindicatos, os usuários se veem em risco.

"A senhora poderia descer aqui?", disse à reportagem um motorista de Uber, às 3h30 da madrugada, a pelo menos 300 metros da entrada para o embarque do aeroporto de Ezeiza, a uma temperatura de 8°C.

A cara de desespero em resposta diante do frio e do volume de bagagem foi em vão.

"Já me quebraram os vidros duas vezes e estou vendo um monte de taxistas na entrada. Pode me dar nota baixa, mas não vou correr o risco."

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