Corrupção na Argentina inclui juízes, políticos e jornalistas, diz repórter

Para Hugo Alconada Mon, que investiga escândalos, lei é falha e população não vê consequências

Boneco de Macri aparece com chapéu de burro, acima de professoras que usam o adereço e carregam cartazes coloridos com a mesma frase.
Com boneco de Mauricio Macri e os dizeres "te devo educação", professores protestam em Buenos Aires - Agustin Marcarian/Reuters
Sylvia Colombo
Buenos Aires

"Quero 1% de seu patrimônio", teria dito Mauricio Macri a vários empresários argentinos, em 2014, quando pedia dinheiro, via caixa 2, para a campanha que o elegeria presidente no ano seguinte.

Macri não é o único a usar o recurso. Em "La Raíz de Todos Los Males" (ed. Planeta, sem edição no Brasil), o jornalista Hugo Alconada Mon, 44, reúne casos de vários governos para mostrar que, na Argentina, a corrupção é sistêmica.

Juízes são cooptados, obras públicas são licitadas entre quatro paredes com subornos e superfaturamento, e importantes jornalistas cobram para dar espaço a políticos.

Alconada Mon usa os casos mais importantes das últimas décadas e os usa para expor as engrenagens do poder. Concluiu que, nos últimos 20 anos, de uma minoria de casos de corrupção investigados, só 8% tiveram desfecho.

Sua reportagem inclui anedotas e exceções que confirmam a regra. Entre as anedotas, relata que, quando o Congresso votou a incorporação da Convenção Interamericana contra a Corrupção à lei argentina, ficou registrado na versão taquigráfica da sessão a expressão: "risos na sala".

Entre as exceções, há a de Alfredo Aldaco, condenado em 2009 por pagar propina. Arrependido, insistiu para ir para a prisão e lá ficou por 50 dias lá. Mas acabou solto depois de outros réus derrubarem o processo. Sem alternativa para se redimir, impôs-se uma prisão domiciliar e, por seis anos, não saiu de casa.

 

A Argentina usa a figura do arrependido (similar à delação premiada) para investigar os cadernos da corrupção (anotações de um motorista do governo Kirchner que diz ter levado sacos de dinheiro de empresários a políticos). Muitos a comparam à Lava Jato. É correto?

Não. O que há de comum entre as investigações aqui, a Lava Jato e, antes, a Operação Mãos Limpas na Itália é que as três expõem corrupção sistêmica, uma estrutura montada para o roubo com impunidade.
Dito isso, há enormes diferenças.

A Lava Jato teve início com o trabalho da Justiça, já os cadernos, com uma denúncia. Depois, o juiz Claudio Bonadio [ligado a política] não é Sergio Moro, e a figura do "arrependido" é mais limitada que a do delator premiado. Por fim, o Ministério Público argentino não tem a competência do brasileiro. Mas estamos começando a ver alguns promotores aqui tentando copiar a Lava Jato, o que pode ser bom.

Você diz que, para ser presidente da Argentina, a pessoa precisa de US$ 100 milhões. Por que, se a propaganda de TV é paga pelo Estado?

Há outros gastos. O candidato tem de imprimir seus próprios santinhos eleitorais (na eleição, o voto é feito com os santinhos, colocados em envelopes diante do fiscal de mesa). Depois, há a compra de jornalistas para espaços nos programas de TV, algo irregular.

Em 2015, a maior delas foi uma entrevista a um dos principais programas de TV cujo jornalista cobrou US$ 40 mil (R$ 170 mil) e fez só perguntas para o candidato brilhar. 

E há gastos com jatinhos e comícios. Há empresários que não colaboram com dinheiro, mas sim com estrutura e alimentação para esses eventos.

Macri, quando era empresário, colaborou com a campanha de Carlos Menem (1989-99) cedendo automóveis.

Esses pagamentos a jornalistas também são frequentes. Como se sistematizaram?

Isso já existe há muito tempo. Paga-se jornalistas para que não falem mal de alguém, para dar espaço, para fazer propaganda, há vários formatos. Estou há dois anos tentando descobrir quem integra a lista de 50 jornalistas que sei que a [empreiteira brasileira] Odebrecht costumava pagar aqui.

Como acabar com a corrupção na Argentina?

Não creio em soluções mágicas, não adianta fazer grandes reformas. Mas podemos fazer pequenas coisas, como introduzir a delação premiada, despolitizar a forma como se designa um procurador, adotar a urna eletrônica. A figura do arrependido [introduzida neste ano], mesmo com limitações, já atraiu vários empresários pela primeira vez aos tribunais para fazer acordos. Outra coisa é desvincular o Escritório Anticorrupção do Executivo e dar a ele recursos. Até outro dia, eles não tinham internet.

Você diz que nem todos os políticos e jornalistas são corruptos. Se os corruptos são tão conhecidos, os honestos não seriam cúmplices?

Os honestos tentam trabalhar. Entre os juízes, há os que caminham com cuidado, tentando avançar devagar. Porque, se você é um juiz amigo do poder, recebe benefícios, assistentes, recursos; se não é, não, fica ali e tenta fazer algo.

Entre os jornalistas, é a mesma coisa. Eu não sou um super-herói, ao contrário, estou como um idiota escrevendo livros e trabalhando como louco sem ficar rico. Na Argentina a cigarra sempre ganha da formiga. Se você é um político honesto, o que vai ter? Problemas. Um jornalista honesto? Também. Minha preocupação em mostrar esse esgoto da política e esperar que isso mude vem da minha preocupação com os sinais que estamos dando a nossos filhos.

Por que a investigação da Odebrecht aqui não avança? (A empresa admitiu nos EUA ter pago US$ 35 milhões em propina na Argentina).

Porque, apesar do acordo, a documentação não chegou. Agora, há questões locais, a Odebrecht diz que quer colaborar com a Justiça aqui, e a Justiça não aceita. É preciso, ainda, aprimorar a figura do arrependido, que hoje não precisa contar tudo o que fez --só o que é relacionado àquele processo.

E temos agora empresários que eram sócios da Odebrecht e estão no escândalo dos cadernos, admitindo ter pago propinas, mas não com a Odebrecht. Como acreditar?

A sociedade argentina tem tradição de mobilizar-se. Por que não contra a corrupção?

Porque não chegamos a um ponto de combustão real. A corrupção é vista como algo abstrato, que não parece ter consequências reais e palpáveis.

Uma vez, apenas, se deram conta de que a corrupção pode matar —em 2012, quando 51 pessoas morreram quando um trem com má manutenção se chocou contra a plataforma porque o freio falhou.

Por outro lado, há uma parte da sociedade que tem medo. Acha que, se perseguirmos a corrupção, vamos fechar empresas com muitos empregados, vamos destruir a economia. Ouço muito isso.

Você teme que o livro seja visto como antipolítico?

Sim, por isso tentei mostrar otimismo com as saídas que existem. Falo em corrigir problemas e não de soluções mágicas ou de um novo sistema.

 

Hugo Alconada Mon olha para o lado esquerdo
O jornalista Hugo Alconada Mon, no Seminário Folha de Jornalismo, em 2016 - Danilo Verpa - 18.fev.16/Folhapress

Hugo Alconada Mon
Nascido em 15 de junho de 1974 em La Plata, Argentina, formou-se advogado e tornou-se jornalista. É secretário de Redação do jornal La Nación e autor dos livros "Los Secretos de la Valija" (os segredos das malas, 2009), "Boudou-Ciccone y La Máquina de Hacer Billetes" (Boudou-Cicone e a máquina de fazer notas, 2013) , "La Piñata" (2015), e o novo La Raíz de Todos Los Males"

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