Dados da Camargo Corrêa no Brasil podem alimentar inquérito argentino

Documentos indicam pagamentos suspeitos em obra de usina de esgoto perto de Buenos Aires

Emilia Delfino
Buenos Aires

As supostas provas de uma contabilidade paralela mantida pela construtora brasileira Camargo Corrêa encontradas durante a operação Castelo de Areia podem comprometer a construtora em um processo na Argentina por cartelização de obra pública e supostas propinas. 

Os arquivos que Pietro Giavina Bianchi armazenava em um pendrive e em uma pasta verde incluem menções a uma obra-chave da empresa na Argentina, que, segundo investigação da Polícia Federal de São Paulo realizada em 2009 e diversas fontes consultadas pela reportagem, revelam pagamentos suspeitos.

Bianchi é acusado de ser a pessoa que pagava as propinas e doações eleitorais da Camargo Corrêa.

A obra em questão é a estação de tratamento de água Bicentenário. As menções e os documentos foram analisados pelo Investiga Lava Jato, consórcio integrado por jornalistas da Folha, e de Convoca (Peru), Perfil (Argentina) e outros veículos investigativos da América Latina e da África.

Em maio passado, o juiz federal Sebastián Casanello moveu uma ação contra os representantes de todas as empresas que participaram das licitações de duas estações da Aysa (a empresa estatal de água na Argentina) em 2008: os consórcios Camargo-Esuco e Odebrecht-Roggio-Cartellone-Supercemento. 

O juiz também processou ex-funcionários dos governos Kirchner (2003-15), considerando-os responsáveis por um “pacto” para “distribuir os contratos, simulando licitações públicas”, “modificar as condições de contratação” e angariar novas obras, que incluíram o aumento dos orçamentos originais dos projetos.

Casanello processou dois antigos executivos da Camargo Corrêa na Argentina, Jaime José Juraszek Júnior e Sergio Chividini, assim como o empresário Carlos Wagner, da Esuco, a sócia local, que admitiu o pagamento de propinas em outras obras. 

O promotor Federico Delgado investiga a obra e solicitou o interrogatório de Antonio Miguel Marques, ex-presidente da Camargo Corrêa, por suposto pagamento de propinas na obra da Aysa, e de Marcelo Odebrecht para setembro. O pedido, porém, não foi atendido.

A Camargo Corrêa e a Esuco ganharam o contrato de quase 400 milhões de pesos no fim de 2009 (cerca de US$ 118 milhões então). Na licitação, o valor do contrato subiu 17%. 

Em um dos arquivos do pendrive de Bianchi, o suposto consultor anotou um pagamento de US$ 25 mil com a referência “Berazategui, Argentina, Alteração orçamento”.

A empresa não quis dar uma explicação para esses valores. A reportagem também procurou ouvir Pietro Gavina Bianchi, mas um advogado da empresa, Celso Vilardi, afirmou que não seria possível porque Bianchi estaria muito doente.

Poucos dias após a primeira modificação, a Aysa realizou uma segunda: aumentou a porcentagem de adiantamento pago pela obra, que passou a ser 10% do valor total do contrato (cerca de US$ 12 milhões em valores da época).

A polícia encontrou no pendrive de Bianchi a cópia de um email da sede da Camargo Corrêa em Buenos Aires à sede em São Paulo. Segundo os documentos, uma parte do adiantamento devia ser encaminhado ao “Grupo PSI”, que receberia dois pagamentos, de US$ 529.190 e US$ 499.176. 

Havia ainda projeção de pagamentos ao Grupo PSI com base no valor total da obra: US$ 5.291.899 e US$ 4.991.761.

Empreiteira nega irregularidade em contrato

Os policiais não conseguiram identificar quem era o Grupo PSI, cujo nome não figura no registro das 55 empresas locais subcontratadas pela Aysa. A Camargo Correia respondeu que o grupo “não consta da lista de fornecedores da obra” e não deu explicação a respeito.

“As obras da estação de tratamento de Berazategui, na Argentina, foram concluídas, e a estação está em pleno funcionamento”, respondeu a construtora.“Não temos conhecimento de nenhuma irregularidade na condução do dito contrato."

Emilia Delfino é repórter do jornal Perfil e do consórcio Investiga Lava Jato; tradução de Clara Allain

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