Descrição de chapéu Governo Trump

Aborto e armas dominam audiência de juiz indicado por Trump para Suprema Corte

Democratas contrários a Brett Kavanaugh tentaram adiar audiência, mas pedido foi negado

Júlia Zaremba
Washington

Aborto, porte de armas e o presidente Donald Trump foram alguns dos assuntos que dominaram a primeira audiência de confirmação do juiz conservador Brett Kavanaugh  para a Suprema Corte dos Estados Unidos, realizada em meio a protestos de ativistas e tentativas de adiamento do processo por parte de democratas. 

A sessão teve início às 9h30 locais (10h30 no horário de Brasília) no Comitê Judiciário da casa, mas foi logo interrompida por senadores democratas, que alegaram não ter tido tempo de analisar as  mais de 42 mil páginas de documentos com informações sobre a época em que Kavanaugh trabalhou no governo Bush, liberados poucas horas antes do início da audiência.

Ativista protesta durante audiência de confirmação do juiz Brett Kavanaugh no Senado americano
Ativista protesta durante audiência de confirmação do juiz Brett Kavanaugh no Senado americano - Brendan Smialowski / AFP

Na última semana, o governo Trump impediu o acesso dos senadores a mais de 100 mil páginas de registros da época, que teriam o potencial de comprometer o juiz. O republicano lançou mão do privilégio executivo, poder que o presidente tem de impedir a divulgação de informações do Executivo para o Legislativo, Judiciário e para a população.

A senadora Kamala Harris (Califórnia) foi a primeira a interromper a sessão. "Recebemos 42 mil páginas de documentos que não tivemos a oportunidade de revisar, ler ou analisar. Não podemos seguir adiante com a audiência", afirmou.

"Qual é a pressa? O que estão tentando nos esconder ao não liberar os documentos?", questionou Cory Booker (Nova Jersey). "Estamos nos apressando de forma desnecessária."

"Uma revisão completa dos documentos não levará mais do que alguns dias, é injusto com o povo americano", disse Dick Durbin (Illinois), lembrando que a nomeação de Merrick Garland, indicado por Obama em 2016, expirou após o Senado arrastar o processo por quase um ano.

Também criticaram o uso do privilégio executivo por parte de Trump. O senador Richard Blumenthal (Connecticut) alegou que "não há motivos válidos" para o presidente lançar mão da medida.

A senadora Amy Klobuchar (Minnesota), afirmou que é a primeira vez que um presidente usa o privilégio para impedir o acesso de senadores a informações antes de audiências de confirmação para a Suprema Corte.

O juiz Brett Kavanaugh no primeiro dia da audiência de confirmação no Senado
O juiz Brett Kavanaugh no primeiro dia da audiência de confirmação no Senado - Saul Loeb/AFP

Chuck Grassley, presidente do Comitê Judiciário, negou os pedidos para adiamento da sessão e disse que as tentativas de obstrução "não são justas para o processo constitucional."

Disse ainda que haveria muitas possibilidades para "responder às perguntas da minoria" democrata do Senado. "Temos que dar ao povo americano a possibilidade de ouvir se Kavanaugh deve ou não ser nomeado para a Suprema Corte."

Enquanto isso, manifestantes contrárias a Kavanaugh que gritavam no plenário, foram retirados por policiais do Senado. A maioria fazia parte da ONG Code Pink - Women for Peace (Código Rosa - Mulheres pela Paz). "Defendemos os direitos reprodutivos" e "Por favor, vote 'não'" foram algumas das frases que bradaram.

Os 21 membros do Comitê de Justiça do Senado, 11 republicanos e dez democratas, começaram os questionamentos para Kavanaugh, que estava acompanhado da mulher, das duas filhas e dos pais, por volta das 11h (12h de Brasília).

Os democratas focaram em questões como o caso Roe v. Wade, caso que legalizou o aborto nos Estados Unidos em 1973, o porte de armas, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o Obamacare, que poderiam ser revistas caso o juiz assuma o posto na mais alta corte do país.

Trump também dominou os discursos. O senador Patrick Leahy (Vermont) questionou Kavanaugh sobre a sua posição de que o presidente não deveria ser investigado durante o mandato.

Apesar de a Constituição americana não proibir especificamente a medida, o entendimento padrão é de que um processo poderia desviar o foco do presidente de questões fundamentais para o país. Por isso, o impeachment, um julgamento político, costuma ser a primeira opção.

Dick Durbin (Illinois) questionou a credibilidade do indicado por ter sido nomeado por Trump, um presidente que fez coisas "nunca antes vistas na história". "Ele decidiu que você é o homem dele", afirmou. "As pessoas estão preocupadas? É claro que estão."

Richard Blumenthal (Connecticut) seguiu a mesma linha: "Foi nomeado por Trump, que ataca o departamento de Justiça, o estado de direito, a aplicação das leis e o FBI". Acusou ainda o presidente de escolher um juiz que "pode ter voto decisivo em seu próprio caso" e defendeu, novamente, a suspensão do processo de nomeação.

A restrição ao acesso aos documentos da época em que Kavanaugh trabalhou no governo Bush voltou à pauta após os protestos iniciais. "Ninguém poderia ler 42 mil documentos em uma noite, não importa quanto café você beba", afirmou Amy Klobuchar (Minnesota).

Já os republicanos aproveitaram para elogiar o postulante ao cargo e para criticar manifestantes. O senador Orrin Hatch (Utah) classificou de "insolência" a gritaria dos ativistas no plenário. "Espero que não sejam estudantes de direito", disse.

Ben Sasse (Nebraska) disse que a Suprema Corte não deveria ser transformada em uma batalha eleitoral para a televisão. "A pergunta não deve ser o que ele pensava há 11 anos, mas se tem temperamento e caráter para colocar suas preferências e visões políticas em uma caixa e deixá-la de lado todos os dias de manhã antes de vestir seu traje preto."

Em meio à audiência, Trump escreveu em uma rede social que as audiências mostram o quão "cruel, raivoso e desprezível o outro lado é", referindo-se aos democratas. "Eles vão dizer qualquer coisa, e só querem infligir dor e sofrimento a um dos juristas mais renomados que já apareceram perante o Congresso. Triste de ver!"

Kavanaugh começou a falar pouco depois das 16h30 (17h30 de Brasília). "Agradeço a Trump pela honra da nomeação", disse. "Fiquei impressionado pela atenção do presidente ao processo de nomeação."

Disse que sua filosofia é de que um juiz deve ser independente. "Devemos interpretar a lei, não fazer a lei", afirmou. "A Suprema Corte nunca deve ser vista como uma instituição partidária."

Também afirmou que é otimista quanto ao futuro e que vai se esforçar para preservar a Constituição e as leis americanas.

Kavanaugh passará por mais dois dias de sabatina, na quarta (5) e na quinta (6), e testemunhas contra e a favor do juiz devem ser ouvidas na sexta (7).

O magistrado foi indicado por Trump para substituir Anthony Kennedy, que se aposentou em julho deste ano após 30 anos no cargo. Kennedy, indicado por Reagan, assumiu por diversas vezes o papel de fiel da balança durante julgamentos na corte, apesar de estar mais alinhado aos conservadores.

Caso o nome seja confirmado, a Suprema Corte ficará mais conservadora e polarizada nos próximos anos.

A aprovação do juiz é bastante provável, já que os republicanos controlam atualmente 50 dos 100 assentos do Senado, contra 49 dos democratas —a cadeira de John McCain, morto no último dia 25, ainda está vaga, mas o republicano Jon Kyl já foi indicado para ocupá-la. 

Para ser aprovado, Kavanaugh precisa ser confirmado pela maioria dos senadores.

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