Emails expõem elos da Camargo Corrêa com campanhas políticas no Peru

Correspondência indica doação de empreiteira à campanha vitoriosa do ex-presidente Alan García

García aponta o dedo indicador esquerdo para cima.
O ex-presidente do Peru Alan García é entrevistado ao chegar à sede da Promotoria Nacional, em Lima, em março - Guadalupe Pardo - 27.mar.18/Reuters
Milagros Salazar Herrera Gonzalo Torrico
Lima

Emails de executivos da construtora Camargo Corrêa no Peru e no Brasil revelam o plano da empresa de contribuir para a campanha eleitoral do segundo turno em favor do ex-presidente peruano Alan García, em 2006, com o propósito de garantir negócios no país.

Os emails divulgados pela primeira vez no Peru aparecem entre os documentos apreendidos pela Polícia Federal na operação Castelo de Areia aos quais o site noticioso Convoca.pe teve acesso em parceria com a Folha, como parte da rede de jornalistas Investiga Lava Jato.

Os documentos evidenciam o modus operandi da construtora, também investigada na operação Lava Jato, para que Alan García pudesse ser um aliado quando chegasse ao poder. A empresa e suas consorciadas se beneficiaram com mais de US$ 450 milhões em contratos fechados após García ser eleito em 2006.

Um dos emails mais reveladores foi enviado às 11h do dia 1º de maio de 2006 pelo representante máximo da Camargo Corrêa no Peru, Marcos de Moura Wanderley, com o título Eleições Peruanas.

Alan García Pérez, o candidato do Apra e que já havia sido presidente do Peru nos anos 1980, havia passado para o segundo turno das eleições presidenciais e enfrentaria o esquerdista Ollanta Humala. Estava a poucas semanas de ser eleito chefe de Estado pela segunda vez .

Um novo cenário com García exasperava Marcos Wanderley. A construtora não havia contribuído para a candidatura dele no primeiro turno e, conforme disse Wanderley, tinha conhecimento da proximidade de García com sua concorrente, a Odebrecht

"Isso de certa forma nos 'queimou' nos círculos mais íntimos do Apra", escreveu Wanderley a Carlos Fernando Namur, diretor de infraestrutura internacional da Camargo Corrêa em São Paulo.

"Precisamos reverter essa situação. Lembro a você que Alan não é como [Alejandro] Toledo (presidente do Peru entre 2001 e 2006). Ele é autoritário e tem uma linha de poder bem definida. Você imagina no futuro próximo não sermos 'amigos' do rei?", escreveu Wanderley.

Entre outros documentos, o Convoca.pe teve acesso a uma anotação reveladora feita em maio de 2006, poucos dias depois dos e-mails de Wanderley: "INT. Político. GIP. García. 50.000. Campanha. [visto]". 

A Polícia Federal apreendeu esse bilhete na casa de Pietro Giavina-Bianchi, acusado de ser a pessoa que pagava as propinas da Camargo Correa e seu financiamento oculto de campanhas eleitorais.

No email de 1º de maio de 2006, Wanderley menciona um contato para chegar ao ex-presidente García: a construtora peruana Upacá, com a qual em 2004 a Camargo Corrêa formou o Consórcio Chiclayo, que lhe permitiu receber projeto de melhoramento de rodovia no norte do Peru. Contratada por US$ 20,2 milhões (R$ 83 milhões), a obra acabou custando US$ 28,5 milhões (R$ 118 milhões).

Em 25 de abril de 2006 Wanderley indicou a Namur que essa aliança com a Upacá, "cujos proprietários são muito ligados ao partido aprista e em especial a Alan García", era uma forma de "entrada econômica". O email menciona que os donos da construtora peruana "são íntimos de Alan (o pai de Luis)".

Em email prévio desse mesmo dia, o ex-gerente comercial da Camargo Corrêa, Aristóteles Moreira, comunicou a seu chefe Wanderley: 

"Nosso sócio, Lucho, insistiu (na nossa última conversa) que é a segunda vez que ele traz o recado (do operador) pedindo apoio [...]. Se apoiar espontaneamente já é indispensável, imagine apoiar atendendo a pedido!"

O cruzamento de informações indica que "Lucho" é Luis Felipe Piccini Delgado, que em 2006 era gerente geral da Upacá. Seus tios e seu pai, Luis Felipe Piccini Martin, já tinham tido contato com García antes.

"Minha relação com a família Piccini é uma relação de amizade de muito tempo atrás", declarou García em 1990 à comissão do Congresso que investigou suas finanças após seu primeiro mandato presidencial (1985-1990).

Nesse período a Upacá conseguiu contratos com o Estado no valor de US$ 14,5 milhões (R$ 60 milhões). No ano passado, ela foi apontada por um colaborador como integrante do "Clube da Construção", um cartel de 30 empresas que supostamente repartiria as obras licitadas pelo Ministério dos Transportes do Peru.

Em relação aos emails, a Camargo Corrêa assinalou que a operação Castelo de Areia foi "julgada ilegal e inválida, de modo definitivo, pelo Supremo Tribunal da República do Brasil". A construtora não respondeu nada sobre a contribuição a Alan García.

O Convoca procurou a versão de Marcos Wanderley por meio do advogado dele no Peru. A resposta obtida foi: "O sr. Marcos Wanderley e sua defesa não reconhecem os emails sobre os quais nos foi perguntado, eles não trabalham no arquivo em Lima e não existem no arquivo no Brasil".

Por meio de seu advogado, Alan García informou que não falará sobre o assunto. Porém, depois de o Convoca.pe ter publicado este artigo em espanhol em 9 de setembro, ele disse em sua conta em uma rede social que esses emails eram uma "especulação" de "alguns brasileiros". 

"Nunca contribuíram nada para minha candidatura", ele disse, sem responder às perguntas subjacentes.

Convoca e Investiga Lava Jato (investigalavajato.convoca.pe); tradução de Clara Allain

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