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Governo Trump Venezuela

Encontro oculto dos EUA com rebeldes da Venezuela revela menos do que parece

Jornal The New York Times revelou reuniões de americanos com militares para debater um golpe

Oliver Stuenkel

Como era esperado, a revelação do The New York Times de que o governo Trump reuniu-se secretamente com militares da Venezuela que planejavam um golpe contra Nicolás Maduro gerou fortes reações na América Latina.

A informação será explorada por Maduro, que precisa convencer a população de que a crise do país é produto da intromissão estrangeira, e não de uma política econômica equivocada.

O ditador venezuelano Nicolás Maduro discursa durante evento em Caracas
O ditador venezuelano Nicolás Maduro discursa durante evento em Caracas - Juan barreto - 4.ago.2018/AFP

No entanto, o encontro diz pouco sobre qual será a estratégia dos EUA em relação à Venezuela, e não prova que Washington desejaria ou apoiaria um golpe militar em Caracas.

De fato, é comum que figuras da oposição de países do mundo inteiro se reúnam regularmente com representantes tanto do governo dos EUA quanto de outras potências.

Sobretudo quando se trata da oposição em países não democráticos, é comum que as reuniões ocorram secretamente para proteger os interlocutores.

Manter um diálogo com todas as partes do espectro político é crucial para antecipar desdobramentos políticos no país em questão, sobretudo em momentos de crise.

O governo chinês, por exemplo, está há anos em contato regular com os adversários de Maduro para obter uma compreensão mais completa da dinâmica política na Venezuela, embora Pequim seja um dos principais aliados de Maduro. No entanto, a China, pragmaticamente, não quer ficar sem bons contatos caso a turma de Maduro seja derrubada.

O jornal americano enfatiza que um dos interlocutores na conversa, ironicamente, é alvo das sanções dos EUA a funcionários corruptos do regime venezuelano. Faz todo sentido: se um golpe acontecer, ele virá de um grupo aliado a Maduro, não da oposição oficial, isolada e desorganizada.

Alguns políticos nos EUA —sobretudo o senador republicano Marco Rubio, da Flórida— defendem uma atuação mais assertiva na Venezuela, acima de tudo por razões eleitorais.

A maioria do establishment em Washington, porém, não vê a proposta com bons olhos. De fato, incentivar um golpe em Caracas dificilmente levaria ao retorno da democracia no país. No entanto, uma ruptura política poderia aumentar ainda mais o fluxo de refugiados para os países vizinhos, desestabilizando a região.

O episódio remete à situação prévia ao golpe de 2002, quando generais venezuelanos viajaram para Washington para avaliar se o governo americano apoiaria uma ação militar contra Hugo Chávez (1954-2013).

O governo George W. Bush sinalizou que apoiaria uma transição democrática, mas não um golpe. Mal planejado e mal executado, o golpe fracassou. Da mesma maneira, vários dos participantes das conversas recentes já foram presos por Maduro.

Apesar de comentários de Trump sobre um envolvimento militar na Venezuela, a probabilidade de qualquer ação de Washington ainda é pequena, particularmente enquanto o secretário de Defesa James Mattis permanecer no cargo.

A pessoa que mais fala sobre o assunto não é Trump, mas o vice, Mike Pence, sinal de que não é uma prioridade da política externa neste momento.

Oliver Stuenkel é professor-adjunto de relações internacionais da FGV-SP

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