Descrição de chapéu

Livro mostra esforço de soviéticos para criar narrativa sobre morte de Hitler

Apesar do estilo pobre, 'A Morte de Hitler' narra em detalhes últimos dias do alemão

São Paulo

A Morte de Hitler - Os arquivos secretos da KGB

  • Preço R$ 59,90 (352 págs.)
  • Autor Jean-Christophe Brisard e Lana Parshina
  • Editora Companhia da Letras
  • Tradução Julia da Rosa Simões

Deveria haver um lugar especial no inferno para produtores de séries especulativas de pseudo-história.

Atraindo incautos na TV por assinatura e em streaming, elas apresentam teorias de conspiração sobre tudo, com devoção particular ao destino de nazistas famosos.

Mas exceção deve ser feita a um programa levado ao ar em 2009 pelo History Channel, no qual era desvelada uma descoberta explosiva: o pedaço de crânio que os soviéticos atribuíam ao ditador Adolf Hitler como prova de sua morte era de uma mulher mais jovem.

Não pela revelação em si, que mostrou-se duvidosa, mas pelo fato de que ela parece ter sido a provocação central para o trabalho dos jornalistas Jean-Christophe Brisard e Lana Parshina, ele francês, ela russo-americana.

A insistência da dupla, em especial de Parshina, gerou outra série de TV e um livro, “A Morte de Hitler”. O subtítulo é enganador: são arquivos não só da antiga KGB, mas também dos militares e do Estado russo que fornecem matéria-prima abundante para a busca dos dois por uma resposta sobre o paradeiro do cadáver do ditador.

Turista lê informações no local onde ficava o bunker de Adolf  Hitler, em Berlim 
Turista lê informações no local onde ficava o bunker de Adolf Hitler, em Berlim  - John MacDougall - 24.abr.17/AFP

Após uma longa negociação, o governo de Vladimir Putin permitiu em 2017 acesso parcial a arquivos até então inéditos para reconstruir o que aconteceu no bunker do “führer” em 30 de abril de 1945.

Mais: eles ao fim puderam fazer exames científicos independentes do crânio e também de um item que se prova central, pedaços da mandíbula do ditador.

Nesse assunto não há spoiler possível, é óbvio que a conclusão é de que sim, Hitler se matou sob cerco soviético.

Ficam dúvidas interessantes, talvez laterais, como se ele só deu um tiro na cabeça ou se também mordeu uma ampola com cianeto na hora do disparo.

A discussão forense é curiosa, mas o que mais importa é como o livro mostra o esforço soviético em criar uma narrativa de morte inglória pelo consumo de veneno, além da conhecida artimanha do ditador Josef Stálin de tentar enganar os Aliados dizendo desconhecer o paradeiro do cadáver do rival.

Pulando décadas, os dois jornalistas reencontram a kafkiana burocracia russa suspeitando estar sendo apenas parte de outra manipulação: a de provar, ao fim, que Hitler realmente tombou sob o peso dos obuses e bombas de Moscou.

É uma questão de simbolismo visível para qualquer visitante na Rússia, país que glorifica seus 27 milhões de mortos na Segunda Guerra Mundial e cujo atual governo faz do conflito um exemplo de união nacional a ser seguido.

Desde que foi eleito presidente pela primeira vez, em 2000, Putin insiste em distanciar-se da União Soviética, mas elevou a celebração do esforço de guerra a uma categoria quase sagrada –desde 2016, arquivos só podem ser acessados com ordem do Kremlin.

Seja como for, os paralelos entre o vaivém de cartas entre instâncias rivais soviéticas e as tratativas excruciantes dos repórteres de chegar a seus objetivos já valem a leitura deste volume.

Esta é enriquecida por um resgate detalhado dos acontecimentos dos dias finais em Berlim. Nada de novo em termos históricos ou que tenha escapado ao filme “A Queda” (Oliver Hirschbiegel, 2004), mas útil ao neófito.

Por outro lado, e o problema não é da tradução, o estilo é pobre e apela a imagens e ritmo típicos da narrativa de documentários na TV. Busca a formação de um suspense sem talento para isso.

Considerando o esforço em manter a atenção a um tema sobre o qual já se sabe a palavra final, um pouco mais de capricho no transbordo da linguagem televisiva para o papel não teria feito mal.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.