O Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur) estimou nesta segunda-feira (1º) em pelo menos 1,9 milhão o número de pessoas que deixaram a Venezuela desde 2015 devido à crise humanitária, econômica e política no país.
As cifras foram reveladas pelo titular da Acnur, Filippo Grandi, na abertura da reunião anual do comitê executivo da unidade. Ele se referiu ao fluxo de saída como o maior registrado na América Latina na história recente.
São 300 mil pessoas a mais do que na última contagem da ONU —divulgada em agosto pelo comissariado e pela Organização Internacional das Migrações (OIM), baseando-se nos registros até junho
"Cerca de 5.000 pessoas deixam a Venezuela por dia hoje", disse Grandi, ao comentar sobre os fluxos de refugiados. "A saída dos venezuelanos para a América Latina e outros lugares é exemplo de desafios de proteção em meio a complexos fluxos de população."
Grandi considera que um tratamento humanitário e não político da crise é essencial para ajudar os países que recebem os venezuelanos. Também elogiou a cúpula de 13 países sobre o fluxo migratório em Quito, no Equador, no início de setembro.
Nela, 13 países da América Latina, incluindo o Brasil, pediram ao regime de Nicolás Maduro que aceite a entrada de ajuda humanitária para tentar reduzir o êxodo. Eles ainda se comprometeram em prover assistência humanitária e mecanismo de acesso regular aos venezuelanos.
"Mas precisamos trabalhar mais para assegurar uma coesão regional na proteção. Nós sabemos que é necessário mais suporte operacional.", disse Grandi, citando como exemplo a indicação do ex-vice-presidente da Guatemala Eduardo Stein como enviado da ONU para a região.
Interrogado a respeito do fluxo migratório em massa, um porta-voz do Acnur, William Spindler, explicou à agência AFP que "se observa esta tendência desde o início deste ano", ressaltando que "o grande êxodo começou este ano".
"Segundo os dados oficiais do governo, estimamos que 1,9 milhão de venezuelanos deixaram seu país desde 2015 para se dirigir, principalmente, para outros países da América do Sul como Brasil, Colômbia, Equador e Peru."
Os quatro países citados são os principais afetados pela crise migratória. Com o crescimento do fluxo nos últimos meses, começaram a adotar algumas medidas restritivas.
No final de agosto, o Peru passou a pedir passaporte válido para permitir a entrada dos venezuelanos. A medida reduziu o fluxo porque a maioria não consegue o documento de viagem porque o regime limitou sua renovação e, por isso, viaja apenas com a carteira de identidade.
Na mesma época, o Equador decretou estado de emergência na fronteira e abriu um corredor humanitário de sua fronteira norte com a Colômbia até a divisa sul com o Peru.
Nesta segunda, o chanceler colombiano, Carlos Holmes Trujillo, anunciou que enviará ao Congresso do país um projeto para reformar a legislação migratória do país.
O intuito, afirma, é priorizar a entrada de investidores e turistas e reforçar a segurança, sem dar detalhes de que restrições poderiam ser aplicadas a futuros imigrantes.
O governo brasileiro ainda não adotou medidas de restrição de fluxo, apesar da pressão das autoridades de Roraima, que pediram na Justiça o fechamento da fronteira.
A permanência de mais de 50 mil pessoas no estado de 500 mil habitantes, porém, gerou tensões. Em meados de agosto, cerca de 1.200 venezuelanos foram expulsos por moradores de Pacaraima, que destruíram os acampamentos onde eles ficavam.
Em 6 de setembro foram assassinados um brasileiro e um venezuelano em Boa Vista. De acordo com testemunhas, o segundo teria matado o primeiro ao roubar um supermercado. Horas depois, o imigrante seria morto linchado por brasileiros.
Além de não reconhecer a existência da crise humanitária, o ditador diz que os cidadãos saem voluntariamente do país e que há xenofobia contra os venezuelanos. Também questiona os números da ONU --pelas contas do regime foram 600 mil emigrantes.
Os dois casos no Brasil, junto com episódios registrados em outros países, fizeram com que Maduro reforçasse sua campanha de repatriação de venezuelanos. O regime afirma, porém, que desde abril voltaram 3.500 pessoas —6% do total reconhecido por Caracas ou 2% do contingente medido pelas Nações Unidas.
Apesar disso, Maduro pediu à organização internacional US$ 500 milhões para trazer de volta os venezuelanos, em reação à solicitação de países vizinhos governados por opositores políticos, como a Colômbia e o Brasil, de recursos para receber os refugiados.
Na última quarta-feira (26), o ditador disse na Assembleia-Geral da ONU que a crise humanitária venezuelana era fabricada pelos Estados Unidos para justificar uma intervenção militar ao país e reiterou seu conceito de que o país é alvo de uma guerra econômica.
"[Os EUA] fabricaram uma crise migratória para justificar uma intervenção humanitária, no mesmo esquema das armas de destruição em massa do Iraque, um esquema brutal de guerra psicológica."
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