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Brasileira de 18 anos ajuda refugiados na Grécia há três anos

Jovem irá pela 9ª vez à ilha de Lesbos ser voluntária em campos de acolhimento

Flávia Mantovani
São Paulo

Aos 18 anos, a paulistana Gabriela Shapazian se prepara para sua nona viagem à Grécia. Mas ela não vai ao país europeu aproveitar a praia. 

Desde os 16 anos, Gabriela faz trabalho voluntário com refugiados na ilha de Lesbos.  São cerca de 10 mil pessoas, muitas vindas de países como Síria, Iraque e Afeganistão, que chegaram à ilha de barco e agora vivem em campos de acolhida precários. 

Depois de a maioria dos países da Europa fecharem as fronteiras para eles, em 2016, milhares de refugiados foram obrigados a ficar na Grécia enquanto têm seus pedidos de asilo avaliados. Caso o pedido seja indeferido, são deportados para a Turquia.

O interesse de Gabriela pelo assunto que hoje se tornou o foco de sua vida começou em dezembro de 2015, quando a garota fez uma viagem para a ilha grega junto com a mãe, Kety, 51. Foi a época de chegada maciça de barcos improvisados, carregando principalmente sírios.

Gabriela Shapazian, voluntária desde os 16 anos na ilha de Lesbos, na Grécia, ajudando refugiados que chegam lá - Rafael Roncato/Folhapress

Mãe e filha passaram 45 dias recebendo os recém-chegados na praia, distribuindo lanches, separando doações. Presenciaram cenas duras, como crianças e adultos morrendo afogados ou de hipotermia.

Uma vez no Brasil, a jovem só pensava em voltar. “Nessa viagem, minha cabeça explodiu. Voltei para cá, mas não me encaixava mais”, conta.

Para arrecadar dinheiro para as viagens seguintes da filha, Kety criou o projeto Flores para Refugiados, que começou com a venda de arranjos nos semáforos de São Paulo e hoje se tornou um pequeno negócio focado em decoração de eventos e assinaturas de flores.

Um terço do faturamento vai para o voluntariado de Gabriela, que vive com um teto de € 40 (R$ 166) por dia, usado para cobrir todos os gastos. 

A mãe ainda precisa complementar uma parte dos custos das viagens. “Vejo esse período da vida dela como a melhor universidade que eu poderia pagar. Acho que ela está aprendendo muito mais”, diz. 

Gabriela Shapazian recebe barcos com refugiados em uma das viagens para Lesbos, na Grécia
Gabriela Shapazian trabalhando na recepção a barcos com refugiados em uma das viagens para Lesbos, na Grécia - Arquivo pessoal

Gabriela passa ao menos seis meses por ano em Lesbos. Ultimamente, tem trabalhado em centros de apoio para habitantes de Moria, considerado um dos piores campos de refugiados do mundo. 

Construído para 2.000 pessoas, o local abriga mais de 9.000. ONGs relatam suicídios e sofrimento mental grave entre os moradores.

“É uma prisão. Tem cerca de arame farpado por todo lado, tropas de choque. São 70 pessoas por banheiro, 80 por chuveiro, o esgoto saindo no meio da estrada. Não tem espaço, eles vivem em barraquinhas de verão e passam frio no inverno. Teve um ano que morreram seis pessoas em uma semana quando começou a nevar”, relata Gabriela. 

Os centros onde trabalha são um respiro para os refugiados, diz. “São lugares bonitos, com lápis, brinquedos, banheiros de verdade. Só de eles ficarem lá, no ar condicionado, é uma forma de relaxar.”

A jovem diz que fica sempre ligada no celular para ajudar em emergências: “Quando tem incêndio, briga, greve de fome, eu vou para lá. A gente acalma as pessoas, organiza a operação, limpa o rosto das crianças que foram expostas a gás lacrimogêneo. Às vezes só de dar um abraço em alguém já ajuda. É importante estar lá para eles”.

Nos três anos de voluntariado em Lesbos —ela também passou temporadas na Turquia e na Sérvia—, diz que viu poucas mudanças. “Quando fui para lá em 2015, nunca imaginei que três anos depois ia continuar fazendo isso. As coisas só pioraram para eles. Não tenho esperança”, afirma.

Segundo ela, o processamento dos pedidos de asilo é lento e sem critério. “Conheci dois refugiados que são irmãos, tinham a mesma história. Um conseguiu asilo e o outro não. Qual é o sentido disso?”, questiona.

Os imigrantes que são deportados para a Turquia vivem em condições tão ruins quanto nos campos.

Moram em favelas e são explorados em subempregos. “A Turquia é o último país onde a pessoa vai conseguir construir uma vida, que é o que o refugiado quer: um lugar para viver até que a guerra acabe. Porque todos querem voltar para casa.” 

Para lidar com a frustração e com o peso dessas vivências, a brasileira diz que tenta respeitar seu limite.

“Quando preciso sair de lá, eu saio. Tem horas em que não estou mais aguentando e tiro férias como uma pessoa normal, vou para outro lugar.”

Algum dia, ela pensa em cursar universidade. Mas não agora. “Gosto da liberdade que eu tenho, de fazer esse trabalho e quando tenho um tempo livre visitar meus amigos que conheci em Lesbos. Tenho amigos do mundo inteiro. Isso é uma coisa que ganhei.”
 

Kety diz que fala todos os dias com a filha e que ela é “extremamente responsável”, por isso não se preocupa. “Meu coração fica tranquilo. A gente quer criar filho pro mundo. Eu fiz isso, criei uma pessoa que é do mundo. E tenho muito orgulho dela.” 
 

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