Descrição de chapéu The New York Times

Chineses e russos ouvem conversas de Trump em celular privado, diz inteligência dos EUA

Assessores afirmam que presidente se recusa a abandonar uso de iPhone

trump fala no telefone no salão oval da casa branca
O presidente dos EUA, Donald Trump, fala ao telefone no Salão Oval da Casa Branca - Doug Mills - 27.jun.17/The New York Times
Matthew Rosenberg Maggie Haberman
Washington | The New York Times

Quando o presidente Donald Trump liga para um de seus velhos amigos em um de seus iPhones para trocar fofocas, queixas ou pedir a opinião mais recente deles sobre seu desempenho, informações da inteligência americana indicam que espiões chineses frequentemente estão na escuta –e fazem bom uso desses insights altamente valiosos sobre as melhores maneiras de manipular o presidente e afetar as políticas de sua administração. Foi o que disseram atuais e antigos funcionários do governo americano.

Assessores de Trump já o avisaram reiteradas vezes que suas ligações pelo celular não são seguras e que espiões russos habitualmente grampeiam seus telefonemas. Mas eles dizem que o presidente volúvel, que nos últimos tempos vem sendo pressionado a utilizar sua linha telefônica fixa e segura da Casa Branca com mais frequência, ainda se recusa a abrir mão de seus iPhones.

Autoridades da Casa Branca dizem que só lhes resta esperar que o presidente se abstenha de comentar informações confidenciais quando fala em seus celulares.

O uso que Trump faz de seus iPhones foi detalhado por vários funcionários atuais e antigos do governo, que pediram anonimato para poderem comentar informações classificadas e processos de segurança.

Eles disseram que o estavam fazendo não para prejudicar Trump, mas por frustração com o que consideram ser o modo casual como o presidente encara a segurança eletrônica.

Segundo esses funcionários, as agências de espionagem americanas ficaram sabendo por meio de fontes humanas em governos estrangeiros que China e Rússia grampeiam os telefonemas feitos pelo presidente em seus celulares e interceptam comunicações entre autoridades de outros países.

Os assessores disseram que também determinaram que a China está procurando utilizar o que vem descobrindo a partir desses telefonemas –o modo como Trump pensa, quais argumentos costumam fazê-lo mudar de ideia e a quem ele tende a dar ouvidos— para impedir uma escalada maior da guerra comercial com os EUA.

Em algo que equivale a um casamento entre espionagem e um trabalho de lobby, os chineses traçaram uma lista de pessoas com quem Trump conversa regularmente, na esperança de utilizar essas pessoas para influir sobre o presidente, disseram os assessores.

Entre os nomes da lista estão Stephen A. Schwarzman, executivo-chefe do Grupo Blackstone que financiou um curso de mestrado na Universidade Tsinghua, em Pequim, e Steve Wynn, ex-magnata de cassinos em Las Vegas e ex-dono de uma propriedade lucrativa em Macau.

Segundo um ex-funcionário, acredita-se que a Rússia não esteja operando um esforço tão sofisticado quanto o da China para influenciar Trump, devido à aparente afinidade do presidente americano com seu colega russo Vladimir Putin.

O esforço chinês é uma versão do século 21 de algo que funcionários chineses vêm fazendo há muitas décadas: tentar influenciar líderes americanos, promovendo uma rede informal de empresários e acadêmicos destacados que possam ser persuadidos do valor de ideias e prescrições políticas e então levar essas ideias e propostas à Casa Branca.

A diferença agora é que, graças ao fato de grampear os telefonemas de Trump, a China hoje tem uma ideia muito mais clara de quem exerce mais influência junto ao presidente e quais argumentos costumam funcionar com ele.

Os chineses e russos “procuram qualquer coisinha –com que facilidade Trump pode ser persuadido a desistir de alguma coisa, qual foi o argumento usado”, disse John Sipher, que trabalhou para a CIA por 28 anos, tendo servido em Moscou na década de 1990 e mais tarde comandado o programa da CIA para a Rússia.

Amigos de Trump como Schwarzmann, que teve papel de destaque no primeiro encontro entre Trump e o dirigente chinês, Xi Jinping, em Mar-a-Lago, o resort de Trump na Flórida, já têm posições favoráveis à China e ao comércio, razão pela qual, para os chineses, são alvos ideais, disseram os assessores.

Segundo estes, direcionar esforços para os amigos de Schwarzman e Wynn pode reforçar as posições desses dois. Além disso, é provável que os amigos sejam mais acessíveis.

Funcionários da administração disseram que o presidente possui dois iPhones oficiais que foram modificados pela NSA (Agência de Segurança Nacional) para limitar suas capacidades e seus pontos de vulnerabilidade, além de um terceiro telefone pessoal que não difere das centenas de milhões de outros iPhones em uso pelo mundo afora.

Trump mantém seu telefone pessoal, disseram funcionários da Casa Branca, porque pode armazenar seus contatos no aparelho, algo que não é possível em seus dois outros iPhones.

A Apple se negou a dar declarações sobre os iPhones do presidente. Nenhum deles é totalmente seguro e todos são vulneráveis a hackers, que podem invadir os telefones à distância.

Mas as ligações feitas a partir dos telefones são interceptadas quando passam pelas torres de celular, os cabos e comutadores que compõem as redes de telefonia celular nacionais e internacionais. As ligações feitas de qualquer celular são vulneráveis, seja o aparelho um iPhone, um Android ou um telefone Samsung de estilo antigo.

A questão das comunicações seguras é tensa para Trump. Candidato presidencial, ele atacou regularmente sua adversária democrata na campanha de 2016, Hillary Clinton, por ela ter utilizado um servidor de e-mail não seguro quando era secretária de Estado, e incentivava os presentes em seus comícios a gritar “lock her up” (prendam-na).

Interceptar telefonemas é algo relativamente fácil de ser feito por governos. As agências de inteligência americanas encaram isso como ferramenta essencial dos esforços de espionagem, tanto que rotineiramente tentam grampear os telefones de líderes internacionais importantes.

Numa debacle diplomática durante a administração Obama, documentos vazados por Edward Snowden, um ex-técnico da NSA, revelaram que o governo americano havia grampeado o telefone da chanceler alemã, Angela Merkel.

Governos de outros países têm plena consciência desse risco, razão por que líderes como Xi e Putin evitam usar celulares, sempre que possível.

O ex-presidente Barack Obama também tomava cuidado com celulares. Ele usou um iPhone em seu segundo mandato, mas não podia fazer ligações com o aparelho e só podia receber e-mails enviados de um endereço especial que era dado apenas a um grupo seleto de assessores e pessoas de seu círculo íntimo.

Seu celular não tinha câmera nem microfone e não podia ser usado para descarregar aplicativos livremente. Mensagens de texto eram proibidas porque não havia uma maneira de armazená-las, como prevê a Lei de Registros Presidenciais.

“É um ótimo telefone, um aparelho de vanguarda, mas não faz fotos, não dá para mandar mensagens de texto”, disse Obama em junho de 2016 no The Tonight Show Starring Jimmy Fallon. “O telefone não funciona, sabe, não posso tocar minha música nele. Então, basicamente, é tipo –será que sua filha de 3 anos tem um daqueles telefoninhos de brinquedo?”

Os assessores disseram que quando Obama precisava de um celular, usava um dos celulares de seus assessores.

Trump insistiu em dispor de aparelhos com mais capacidades, se bem que, durante a transição, tivesse concordado em abrir mão de seu telefone com Android (o sistema operacional do Google é considerado um pouco mais vulnerável que o da Apple).

E, desde que se tornou presidente, Trump aceitou um sistema um pouco mais trabalhoso de usar dois telefones oficiais: um para o Twitter e outros aplicativos e outro para telefonemas.

Trump costuma usar seus celulares quando não quer que um telefonema passe pela central telefônica da Casa Branca e seja registrado para ser visto por seus assessores seniores.

Muitas das pessoas com quem ele fala com mais frequência em seus celulares, como apresentadores da Fox News, compartilham suas posições políticas ou simplesmente incentivam seu senso de estar sendo vítima de uma injustiça em um sem-número de questões.

Funcionários da administração disseram que a paranoia que Trump tem há muito tempo em relação a espionagem –muito antes de chegar à Casa Branca ele já acreditava que seus telefonemas fossem grampeados com frequência— lhes dá algum grau de certeza de que o presidente não costuma revelar informações classificadas em seus telefonemas.

Disseram que têm mais confiança ainda que Trump não está revelando segredos porque ele raramente mergulha nos detalhes das informações de inteligência que lhe são mostradas e não está ciente dos detalhes específicos de atividades militares ou sigilosas.

Em entrevista que deu esta semana ao Wall Street Journal, Trump brincou sobre a questão de seus telefones não serem seguros.

Indagado sobre o que as autoridades americanas na Turquia descobriram sobre a morte do jornalista Jamal Khashoggi no consulado saudita em Istambul, ele respondeu: “Na realidade eu disse para não me falarem pelo telefone. Não quero que seja pelo telefone. Por melhores que estes telefones supostamente sejam”.

Mas Trump também é famoso por sua indiscrição. Em uma reunião com representantes russos no Salão Oval, em maio de 2017, ele compartilhou inteligência altamente sigilosa transmitida aos Estados Unidos por Israel.

Também disse aos russos que o ex-diretor do FBI James Comey era “maluco de verdade” e que demiti-lo o havia livrado de “grande pressão”.

Mesmo assim, a falta de conhecimentos tecnológicos de Trump reduz algumas outras preocupações de segurança. Ele não utiliza e-mail, de modo que o risco de um ataque por “phishing” como os que foram usados pela inteligência russa para ganhar acesso aos e-mails do Partido Democrata é quase zero. A mesma coisa se aplica a mensagens de texto, desabilitadas em seus telefones oficiais.

O telefone que o presidente usa para postar no Twitter só pode se conectar à internet por uma conexão de Wi-Fi, e Trump raramente ou nunca tem acesso a redes não protegidas, dizem funcionários. Mas a segurança do aparelho depende, em última análise, de quem o utiliza, e proteger os telefones do presidente tem sido difícil às vezes.

No ano passado o celular de Trump foi esquecido num carrinho de golfe de seu clube em Bedminster, Nova Jersey, provocando uma corrida frenética para localizá-lo, segundo duas pessoas que tiveram conhecimento do que aconteceu.

Trump deveria trocar seus dois telefones oficiais por aparelhos novos a cada 30 dias, mas raramente o faz, revoltando-se contra qualquer inconveniência.

Funcionários da Casa Branca deveriam configurar os telefones novos para serem exatamente iguais aos velhos, mas os iPhones novos não podem ser restaurados com backups dos antigos, porque se isso fosse feito qualquer software malicioso seria transferido junto.

Mas, sejam os telefones novos ou velhos, os chineses e os russos estão ouvindo e aprendendo.

Tradução de Clara Allain

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