Inspiração em líderes populistas europeus pode ser prejudicial a Bolsonaro

Planos do italiano Salvini não são bem vistos pelos mercados; húngaro Orbán é visto como autoritário

Paris

A ligação lisonjeira que Steve Bannon, guru da direita nacionalista, estabeleceu em entrevista à Folha entre Jair Bolsonaro e os líderes populistas Matteo Salvini (vice-premiê da Itália) e Viktor Orbán (premiê da Hungria) é, na ponta do lápis, um tanto incômoda para o presidente eleito do Brasil.

Isso porque, ao contrário do que sugeriu o ex-assessor de Donald Trump, os dois europeus não conseguiram por ora “articular as soluções” —na expressão dele— para os principais problemas de seus respectivos países.

Salvini, ministro do Interior com apetite midiático pantagruélico (aparece muito mais do que o premiê de fato, Giuseppe Conte, ou mesmo que o também vice e colega de coligação Luigi di Maio), é a face mais visível de um governo hoje em conflito aberto com os vizinhos e instituições do continente.

Por um lado, Roma anunciou uma previsão de orçamento para 2019 que eleva a proporção do déficit a 2,4% do PIB –porcentagem que se manteria por ao menos mais dois anos.

A dívida pública italiana corresponde atualmente a 131% do Produto Interno Bruto do país, ou 2,3 trilhões de euros (R$ 9,5 trilhões), e é a maior da zona do euro em valores absolutos.

A título de comparação, o cálculo que a gestão anterior (do Partido Democrático, de centro-esquerda) fizera era de um salvo devedor de 0,8% do PIB —em 2018, a diferença corresponderá a 1,6% das riquezas geradas pelo país.

O anúncio, no fim de setembro, do “orçamento da mudança” derrubou a Bolsa de Milão e fez subir de pronto o rendimento que o governo precisa oferecer nos títulos que custeiam sua dívida, na prática aumentando o rombo.

O governo diz que a previsão de gastos heterodoxa, que desafia a austeridade preconizada pela Comissão Europeia, visa a reestimular uma economia cujo ritmo de crescimento é, na caracterização mais otimista, tépido (1,5% em 2017 e previsão de 1,3% em 2018).

O pacote para 2019 incluiria a instituição de um “auxílio-cidadania” de 780 euros (R$ 3.200) para aposentados que vivem abaixo da linha de pobreza, redução de impostos e diminuição da idade mínima para parar de trabalhar.

Bruxelas, não convencida da viabilidade do plano, ordenou no último dia 23 que a Itália refaça as contas. Vendo “riscos de reverberações negativas em outros Estados-membros da zona do euro”, deu três semanas para que o governo apresente uma nova versão do roteiro de gastos para o ano que vem.

A rédea solta de Roma também não apeteceu a agência de classificação de risco Moody’s, que abaixou a nota do país e de uma série de estatais e bancos da terceira economia da zona do euro.

Mais periférica, a Hungria de Orbán tampouco deveria inspirar Bolsonaro, apesar de seu crescimento econômico estar na faixa saudável dos 4%.

Mesmo em trajetória de queda, a proporção da dívida pública em relação ao PIB ainda bate nos 73%, acima do teto de 60% fixado como aceitável pela Comissão Europeia.

Em junho deste ano, em visita a Budapeste, uma missão do FMI (Fundo Monetário Internacional) recomendou atenção à atual retração do superávit nas contas externas impulsionada por um aquecimento da demanda doméstica.

O principal calcanhar de aquiles da Hungria, porém, é no campo institucional, palco de investidas sucessivas de Orbán contra a imprensa, o Judiciário, os imigrantes e a independência do Banco Central do país, para citar alguns alvos.

O ímpeto intervencionista rendeu a Budapeste uma moção de censura pelo Parlamento Europeu, que viu risco iminente de violação do Estado democrácito de Direito.

Em última instância, o puxão de orelha poderia conduzir à suspensão da Hungria das votações do Conselho Europeu, que congrega os líderes do bloco.

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