Medellín lança ofensiva para apagar símbolos do auge de Pablo Escobar

Berço do traficante, cidade colombiana destrói casas para conter crescimento do narcoturismo

Agentes da prefeitura colocam selo de lacrado em portão azul do museu de Pablo Escobar
Agentes da prefeitura de Medellín fecham museu aberto por um dos irmãos do traficante Pablo Escobar - Prefeitura de Medellín - 19.set.18/AFP
Sylvia Colombo
Medellín

Começaram na semana passada as primeiras marteladas no mítico edifício Mônaco, onde a família Escobar morou no princípio da ascensão do Cartel de Medellín (1976-1993), na Colômbia.

Traficante de drogas mais famoso do mundo, Pablo Escobar (1949-1993) morou ali quando seus filhos eram pequenos e sua fama começava a se disseminar. Foi ali, também, que sua mulher começou a colecionar obras de arte.

Em 13 de janeiro de 1988, porém, um primeiro atentado dos inimigos do Cartel de Cali destruiu parte do prédio e levou alguns membros da família ao hospital. Escobar não apenas jurou como cumpriu vingar-se do ataque, dando início à sangrenta guerra entre as duas facções.

Com a família, abandonou o Mônaco e passou a ter endereços variados, para despistar as autoridades. A propriedade mais conhecida, porém, ainda existe, e é a Fazenda Nápoles, cheia de luxos, piscina, salões de festas e nada menos que um pequeno zoológico e uma pista de aterrissagem própria.

Pois o atual prefeito de Medellín, Federico Gutiérrez, quer eliminar os lugares relacionados a Escobar na cidade.

Depois do assassinato do líder da droga, em 1993, criou-se uma lucrativa indústria de turismo e de peregrinação por meio dos locais por onde Escobar viveu aventuras e cometeu graves delitos.

Isso foi potencializado com a moda de diversas novelas e séries de TV sobre narcotraficantes, nas quais Escobar é a figura central. Agora, as autoridades locais decidiram que é hora de dar um basta, e possuem a apoio de grande parte da população.

"Não é possível que Escobar vire um símbolo de Medellín, que os camelôs continuem vendendo camisetas com sua cara, que guias turísticos lucrem levando estrangeiros para conhecer onde e como ele cometeu tantas atrocidades ou teve amantes famosas", diz Nelio Figueroa, 58, habitante do bairro onde fica o edifício Mônaco.

Além de ajudar a transformar a Colômbia no principal produtor e exportador de cocaína do mundo --título que ainda mantém--, o Cartel de Medellín é tido como responsável por 4.000 mortes, incluindo ministros, presidenciáveis, autoridades locais, donos de jornais e jornalistas.

"É hora de colocar um fim nisso, de acabar com a vergonha que muitos conterrâneos têm de dizer que são de Medellín e serem identificados com Escobar", diz Gutiérrez.

Além da destruição do edifício Mônaco, que dará lugar a um memorial para as vítimas, também foi fechado em setembro o museu, criado oportunamente por um dos irmãos de Pablo Escobar e que tem objetos do traficante.

Gutiérrez usa uma marreta para quebrar parte de uma mureta do prédio
O prefeito de Medellín, Federico Gutiérrez, iniciou a demolição simbólica do edifício Mônaco, onde Pablo Escobar morou - Reprodução

Curiosamente, um dos problemas remanescentes da destruição da Fazenda Nápoles foi o que fazer com vários de seus animais. Esta é outra atração turística que até dezembro Gutiérrez quer resolver, enviando-os a zoológicos ou reservas em outros países.

Além de tentar eliminar as rotas do turismo, estão esforços da secretaria de Educação para ensinar que a violência que existiu naquela época foi muito dolorosa para muitas famílias.

Um passeio pela favela de Santo Domingo Savio, porém, mostra visões divididas. A maioria das pessoas ouvidas pela Folha apoia que se apaguem os rastros de Escobar.

Mas há também os seus saudosos, que se expressam deixando fotos dele no alto da entrada das casas e elogiando "coisas que ele fez pelas comunidades que o Estado não está fazendo", diz Edimela Brandone, 68, mãe de três filhos, o mais novo tendo participado das gangues que transmitiam as mensagens na favela.

Ainda que os produtores de novelas como "O Patrão do Mal" ou mesmo de "Narcos", que teve o brasileiro Wagner Moura vivendo o bandido, sempre repetissem que o que seus delitos eram condenáveis, é inevitável que "uma pessoa que veja esses produtos torça pelo bandido, e isso está errado, é perpetuar um mito do mal, é glamourizar a violência", diz à Folha Juan Pablo Escobar, filho de Pablo Escobar, hoje vivendo sob outra identidade em Buenos Aires.

A série da Netflix já foi vista por mais de 60 milhões de pessoas. "O que eles vão aprender sobre Medellín? Temos que combater isso não só através das escolas, mas também derrubando esses símbolos que os estrangeiros que vêm até aqui buscam", diz Gutiérrez.

De fato, basta passear por uma rua comercial de Medellín que os souvenires têm apenas dois temas: futebol, com imagens de James Rodríguez ou de Radamel Falcao García, e Pablo Escobar. A primeira fileira das livrarias está tomada de livros sobre ele.

Medellín hoje é um case urbanístico. Desde a prefeitura de Sergio Fajardo (2004-2007), a cidade buscou escapar da terrível taxa de homicídios de 381 por 100 mil habitantes, com reformas urbanas.

Os teleféricos que unem o centro às favelas, as bibliotecas e parques, e outras obras reduziram drasticamente a violência. Mas não terminaram de vez com o tráfico, que se diluiu em pequenas quadrilhas.

Em 2017 a taxa de homicídios na cidade foi de 22 para 100 mil habitantes. "Apagar o passado é impossível, devemos aprender dele e construir uma melhor cidade a partir do que aprendemos perdendo tantos seres queridos", diz Gutiérrez.

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