Descrição de chapéu Coreia do Norte

Achei que guerra era inevitável, diz militar norte-coreano que desertou

Oh Chong-song ficou conhecido após fugir para a Coreia do Sul pelo meio da zona desmilitarizada

Adam Taylor
The Washington Post

Em novembro do ano passado o soldado norte-coreano Oh Chong-song atravessou correndo a zona desmilitarizada da península coreana, fugindo em busca da liberdade. Outros soldados norte-coreanos atiraram contra ele, que foi atingido por pelo menos cinco disparos e ficou gravemente ferido.

Quando médicos da Coreia do Sul trataram o militar de 25 anos, encontraram mais problemas de saúde, incluindo uma infecção de vermes parasitas.

Oh sobreviveu, apesar de tudo. E esta semana, cerca de um ano após sua fuga da Coreia do Norte, deu sua primeira entrevista a um órgão de imprensa estrangeiro. Nela o desertor traçou um retrato sombrio da vida na Coreia do Norte e das razões que o levaram a fugir.

Imagem de vídeo de segurança mostra o momento que Oh Chong-song deixa o jipe na zona desmilitarizada e começa a correr para atravessar a fronteira
Imagem de vídeo de segurança mostra o momento que Oh Chong-song deixa o jipe na zona desmilitarizada e começa a correr para atravessar a fronteira - 22.nov.17United Nations Command/AFP

“Realmente pensei que teríamos uma guerra com os Estados Unidos”, disse Oh ao jornal japonês Sankei Shimbun, aludindo à tensão crescente entre Washington e Pyongyang durante o ano em que ele empreendeu sua fuga.

O Sankei Shimbun publicou um vídeo da entrevista com Oh. O rosto do soldado não aparece, mas ouve-se a voz de um homem falando com leve sotaque norte-coreano. O jornal informou que os serviços de segurança japoneses confirmaram a identidade do soldado.

Na entrevista, Oh revelou que seu pai era general e sugeriu que ele vivia com relativo conforto na Coreia do Norte. Mas disse que era indiferente em relação ao governo de Kim Jong-un e não sentia nenhuma lealdade ao regime norte-coreano. Ele estimou que 80% de sua geração sente o mesmo.

“É natural não termos interesse nem lealdade, porque o sistema hereditário é visto como algo evidente e amplamente aceito, apesar de ser incapaz de alimentar a população”, ele disse, segundo a tradução feita pela agência francesa AFP.

Sua fuga dramática da Coreia do Norte chamou a atenção de muitas pessoas pelo mundo afora. Desertores da Coreia do Norte estão longe de constituir uma raridade, mas poucos optam pelo caminho perigoso da travessia da zona desmilitarizada, passando pela aldeia da paz de Panmunjon, na Área de Segurança Comum (JSA, na sigla em inglês) –o único lugar onde soldados norte-coreanos se confrontam com seus colegas sul-coreanos e americanos—, como fez Oh.

Apesar da presença militar pesada, Panmunjon hoje é conhecida principalmente como área de turismo. A última vez em que uma troca de tiros ocorreu na JSA foi em 1984, quando um cidadão soviético tentou correr até o lado sul da fronteira. A última deserção de um soldado norte-coreano havia acontecido em 2007, mas sem troca de tiros.

A deserção de Oh foi captada em imagens de televisão de circuito fechado, subsequentemente divulgadas pelas forças americanas. As imagens mostraram o jovem soldado dirigindo um veículo semelhante a um jipe, até atolar numa valeta. Ele então saltou do veículo e começou a correr, enquanto outros soldados norte-coreanos atiravam nele.

Na entrevista que deu ao Sankei Shimbun, Oh negou que fosse procurado por assassinato na Coreia do Norte, como foi divulgado na mídia sul-coreana. Disse que havia bebido álcool e criado confusão com amigos. Depois de atravessar um checkpoint sem autorização, teve medo de ser executado, então simplesmente continuou em frente, tentando fugir.

Oh também disse que entende por que seus colegas tiverem que atirar nele, quase matando-o. “Se não atirassem, seriam castigados sem dó”, ele disse. “Eu teria feito a mesma coisa.”

Seus ferimentos foram tão graves que socorristas americanos que o transportaram num helicóptero Black Hawk pensaram inicialmente que ele não iria sobreviver. “É um verdadeiro milagre”, disse ao jornal The Washington Post o sargento Gopal Singh em dezembro.

O interesse despertado pelo caso de Oh na Coreia do Sul foi tão grande que o cirurgião que o tratou, Lee Cook-jong, virou celebridade no país.

Oh disse ao Sankei Shimbun que teve alta do hospital em fevereiro, mas ainda se desloca regularmente dos subúrbios de Seul ao centro da cidade para continuar o tratamento médico.

Segundo o jornal sul-coreano Chosun Ilbo, é muito raro um desertor norte-coreano dar uma entrevista à mídia japonesa, já que os desertores geralmente são vigiados estreitamente pelos serviços de inteligência sul-coreanos. O Ministério da Unificação, em Seul, não teria confirmado se Oh viajou ao Japão.

Tradução de Clara Allain

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