Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Bolsonaro diz a israelenses que irá transferir embaixada para Jerusalém

Presidente eleito falou a jornal de Israel um dia após Folha revelar que Netanyahu pretende vir à posse

Tel Aviv

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, confirmou nesta quinta-feira (1) que vai transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. "Israel é um Estado soberano e nós o respeitamos", disse.

Horas depois, o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, agradeceu a Bolsonaro: "Parabenizo meu amigo presidente eleito, Jair Messias Bolsonaro, pela sua intenção de transferir a embaixada brasileira para Jerusalém, um passo histórico, correto e emocionante!", afirmou.

Bandeiras de Israel e Brasil tremulam em frente à embaixada brasileira em Tel Aviv
Bandeiras de Israel e Brasil tremulam em frente à embaixada brasileira em Tel Aviv - Jack Guez/AFP

Em entrevista coletiva a canais de TV no Rio, Bolsonaro disse: "Respeitamos o povo de Israel e o povo árabe. Não queremos criar problemas com ninguém. Queremos comercializar com todo mundo, buscar vias pacíficas de resolver problemas".

A decisão de transferir a embaixada foi anunciada aos israelenses em entrevista do presidente eleito ao jornal Israel Hayom. A entrevista —cuja íntegra será publicada nesta sexta (2)— foi manchete do jornal. "Israel é um Estado soberano. Vocês decidem que é sua capital e nós vamos segui-los", afirmou.

A entrevista foi dada depois de a Folha ter revelado que Netanyahu pretende ir à posse de Bolsonaro em janeiro, o que elevou o nível de interesse em Israel no resultado das eleições no Brasil. Segundo o texto do Israel Hayom, jornal pró-Netanyahu, Bolsonaro também afirmou que visitará Israel em breve.
 

Primeira página do jornal Israel Hayom desta quinta-feira (1º), que publicou entrevista com Jair Bolsonaro
Primeira página do jornal Israel Hayom desta quinta-feira (1º), que publicou entrevista com Jair Bolsonaro - Reprodução

Questionado sobre se vai fechar a embaixada palestina em Brasília, outra promessa de campanha, Bolsonaro respondeu: "Ela foi construída perto demais do palácio presidencial, portanto pretendemos transferi-la para outro lugar. Além disso, a Palestina antes precisa ser um Estado para que tenha direito a uma embaixada".

Estados Unidos e Guatemala transferiram suas embaixadas para Jerusalém em maio, um passo polêmico que significa reconhecer a cidade como capital.

A ONU defende que a cidade deveria ser internacionalizada. Para os palestinos, Jerusalém deveria ser a capital de seu Estado independente.

O Paraguai também chegou a fazer a mudança de embaixada para Jerusalém, mas, quatro meses depois, os paraguaios voltaram atrás.

O apoio de Bolsonaro a Israel é visto com preocupação pelo historiador e brasilianista americano James Green, da Universidade Brown. Para ele, trata-se um passo atrás na tradição diplomática brasileira de manter a neutralidade no conflito entre israelenses e palestinos.

"É uma coisa muito lastimável. É um retrocesso em relação a governos anteriores, que reconheceram a necessidade de uma negociação de paz entre Palestina e Israel. É um golpe contra esse processo", acredita Green.

Ele acredita que, mesmo não tendo desempenhado um papel de destaque nas negociações, o Brasil sempre manteve "postura intermediária": "O que o Brasil está dizendo agora é que não está interessado mais nos países árabes. Está interessado em só um lado".

Já para Samuel Feldberg, doutor em Ciência Política pela USP, a posição de Bolsonaro não é o primeiro caso de abandono da neutralidade. Para ele, durante os governos Lula e Dilma o pêndulo balançou para o outro lado: "A política externa brasileira foi 'aparelhada', direcionada com base na visão do PT. Era clara a hostilidade no discurso dos diplomatas do Itamaraty, que nutrem uma posição simpática à causa palestina". O Brasil reconheceu a existência do Estado Palestino em 2010.

Ainda é cedo para avaliar se a mudança de diplomacia vai afetar a convivência pacífica entre árabes e judeus no Brasil. Mas Feldberg se diz apreensivo: "Qual poderá ser a percepção da grande comunidade árabe a essa tomada de posição em prol de Israel? Esse posicionamento enfático pode, de certa forma, importar o conflito para o Brasil".

Para Green, a mudança na posição brasileira é perigosa também para Israel. A "amizade" com Bolsonaro pode manchar a imagem do país internacionalmente: "É um erro. Bolsonaro não sustenta nenhum valor judaico. Israel erra em aliar-se a ele".

Mesmo antes da eleição, a promessa do então candidato de mudar a embaixada brasileira para Jerusalém já preocupava também as grandes produtoras de proteína animal no Brasil.

Isso porque as nações muçulmanas são um mercado importante para a carne brasileira. Hoje, 45% da carne de frango e 40% da bovina que o país exporta levam o selo halal —ou seja, pode ser consumida segundo preceitos islâmicos. Caso a embaixada realmente mude para Jerusalém, há a possibilidade de retaliação comercial por parte de países islâmicos.

Bom relacionamento

O relacionamento entre Brasil e Israel tem histórico positivo. Foi o embaixador brasileiro na ONU, Oswaldo Aranha, quem presidiu a sessão que aprovou a chamada "Partilha da Palestina", em 29 de novembro de 1947, que abriu caminho para a criação de um Estado judaico (ao lado de um Estado árabe).

Em 1949, o Brasil reconheceu oficialmente o novo país. O relacionamento diplomático ganhou força em 1951, quando o então vice-presidente, João Café Filho, visitou Israel. Em 1956, o Brasil enviou tropas para manter a paz na faixa de Gaza. No ano seguinte, houve visita de parlamentares brasileiros liderada pelo deputado Ulysses Guimarães.

A próxima visita de alta escalão aconteceria só em 1966, quando o presidente israelense Zalman Shazar foi recebido pelo brasileiro Humberto Castello Branco. Mas, na década de 70, o relacionamento passou por uma turbulência quando o Brasil votou em favor de uma resolução da ONU que qualificava o sionismo (movimento de autodeterminação nacional judaico) de "racismo". Posteriormente, o Brasil voltou atrás.

O ex-presidente israelense Shimon Peres, visitou o Brasil em 2009. No mesmo ano, Israel se tornou o primeiro país estrangeiro a fazer acordo comercial com o Mercosul. No ano seguinte, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez visita histórica a Israel.

No governo de Dilma Rousseff, a sensação em Israel era de que o Brasil passava a apoiar com mais veemência a causa palestina. Em 2015, Dilma não aceitou as credenciais do candidato a embaixador de Israel, Dani Dayan, e concedeu terreno para a construção da embaixada palestina na capital brasileira.

O relacionamento Brasil-Israel só voltou a esquentar após o impeachment de Dilma, em 2016, com visitas bilaterais entre os países.

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