Descrição de chapéu The New York Times

'Brexit' ameaça oferta de flores de casamento no Reino Unido

Material atualmente vai da Holanda para Londres, mas sem acordo, pode ficar preso na fronteira

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Flores em armazém em Aalsmeer, na Holanda, de onde milhares são enviadas a diversas partes do mundo, inlcuindo o Reino Unido
Flores em armazém em Aalsmeer, na Holanda, de onde milhares são enviadas a diversas partes do mundo, inlcuindo o Reino Unido - Andrew Urwin/The New York Times
Peter S. Goodman
Londres | The New York Times

Longe das disputas e manobras políticas que dominam as atenções no longo e enfadonho processo de saída do Reino Unido da União Europeia, Yme Pasma está atolado em um problema logístico descomunal.

Ele é o executivo operacional chefe do Royal FloraHolland, um centro atacadista onde são vendidos cerca de 12 bilhões de flores e plantas por ano –um volume que representa mais de um terço do comércio mundial de flores.

Em grandes galpões na cidade Aalsmeer, perto do aeroporto de Schiphol, de Amsterdã, a Royal FloraHolland opera um centro de distribuição e leilões de flores. Uma frota de empilhadeiras guiadas por computador leva baldes de rosas, caixas de amarílis e outras folhagens –algumas delas cultivadas na Holanda, outras trazidas da África, Ásia e América Latina— para pontos de carregamento, onde serão colocados em caminhões e transportados para clientes pelo mundo afora.

O aroma de flores domina o ambiente, uma fragrância perfumada que destoa em meio ao barulho metálico de máquinas.

Quase US$ 1 bilhão (R$ 3,17 bilhões) por ano dessas mercadorias se destinam ao Reino Unido, que hoje ainda faz parte da União Europeia. As flores que chegam de origens fora da Europa podem passar pela alfândega e seguir para o Reino Unido sem maiores obstáculos.

Mas a partir de março de 2019, quando o Reino Unido deve sair da UE, em um processo conhecido como "brexit", Holanda e Reino Unido passarão a ser mercados separados, divididos por uma fronteira que terá nova importância.

A não ser que as duas partes em disputa neste divórcio conturbado consigam chegar a um acordo que promova algum arranjo menos obstrutivo, é provável que mercadorias que atravessam o canal da Mancha tenham que passar por verificações aduaneiras e inspeções sanitárias. As flores hoje transportadas sem tarifas podem passar a ser tarifadas.

“Os governos de ambos os lados estão muito dispostos a preparar-se para o que vem por aí, mas ainda serão necessárias centenas de pessoas, será preciso dar treinamento a elas, serão precisos galpões para fazer as verificações e será preciso construir os sistemas computadorizados”, observou Pasma. “Haverá grandes pontos de estrangulamento na Holanda. Se acontecer amanhã, será um problema enorme.”

Depósito da Royal FloraHolland em Aalsmeer, na Holanda
Depósito da Royal FloraHolland em Aalsmeer, na Holanda - Andrew Urwin/The New York Times

Britânicos podem ir direto a origem: o Quênia

São principalmente mulheres que trabalham em estufas perto do lago Naivasha, a noroeste de Nairóbi (Quênia). Elas cortam rosas e as colocam em baldes que são transportados em caminhões até o aeroporto da cidade, de onde aviões as levam a destinos espalhados pela Europa e o Oriente Médio.

Um volume crescente dessas rosas vai diretamente para o Reino Unido, passando ao largo do centro tradicional de distribuição na Holanda. Mesmo assim, o "brexit" cria uma variável significativa.

A União Europeia mantém um acordo comercial com o Quênia que possibilita a importação de flores livres de tarifas. Depois do "brexit", o Reino Unido terá que negociar seu próprio acordo com o país e outros exportadores.

Enquanto não houver um acordo, as flores enviadas do Quênia ao Reino Unido serão sujeitas a tarifas de quase 7%, um choque potencial para um setor que hoje representa uma importante fonte de empregos nesse país do leste africano.

Mas a maioria das rosas cultivadas no Quênia e destinadas ao Reino Unido ainda percorre a rota tradicional que domina a indústria de flores há décadas –passando pela Holanda.

Os compradores talvez precisem passar ao largo da Holanda

Dentro de uma sala envidraçada acima do armazém, corretores olham para os bancos de computadores enquanto fazem seus lances no leilão colorido. Antes de fazer seus pedidos, alguns deles percorrem o armazém para inspecionar a mercadoria, como apostadores que examinam os cavalos antes do início de uma corrida.

Atrás da área principal de leilões, 13 chamados relógios –na realidade, telas eletrônicas que exibem a atividade comercial— rastreiam as ofertas e os lances feitos em bolsas online cujos participantes estão em locais tão distantes quanto China, Rússia e Estados Unidos.

O processo inteiro depende de um fluxo contínuo e ininterrupto de mercadorias passando pela vasta operação. O "brexit" segue como uma ameaça no horizonte que vai desacelerar tudo.

Ele pode levar as diferentes partes a realizar suas transações diretamente, sem intermediários, reduzindo o volume negociado nos leilões. Os grandes participantes podem se adaptar sem dificuldades, mas os produtores menores, que dependem da bolsa de flores, podem enfrentar uma queda na demanda.

Pasma está estudando a possibilidade de separar o fluxo de flores em correntes menores –aquelas que desembarcam em Amsterdã e se destinam a compradores na Europa, que não vão exigir nenhuma modificação ao sistema atual; outros destinados ao Reino Unido pós-"brexit" e que podem precisar ser postos de lado para passar por procedimentos administrativos novos e ainda não especificados.

Ele espera poder persuadir as autoridades europeias e britânicas a instituir quaisquer verificações sejam exigidas na Holanda, para prevenir atrasos.

“É preciso fazer a mercadoria atravessar o canal da Mancha rapidamente”, ele explicou.

“É tudo uma grande incógnita"

Floristas de toda a região sul da Inglaterra chegam ao New Covent Market, em Londres, muito antes do amanhecer para escolher suas mercadorias. Os designers que criam arranjos florais para hotéis e escritórios fazem o mesmo. Funerárias e planejadores de casamentos, também.

New Covent Market é a maior fonte de flores ao atacado no Reino Unido. Cerca de 80% das flores vêm da Holanda. No musical “My Fair Lady”, o mercado original de Covent Garden, na região central de Londres, foi onde Eliza Doolittle trabalhava vendendo flores quando conheceu Henry Higgins.

Hoje em dia os comerciantes no mercado encaram a aproximação da data oficial do "brexit" com receio crescente.

“Estou com medo –medo de termos problemas para receber nossos produtos”, disse Dennis Edwards, dono de uma barraca atacadista.

Cercado de rosas de todas as cores imagináveis, ele enxerga o "brexit" como um retrocesso histórico.

“Tenho idade suficiente para me lembrar de como era antes”, ele disse, aludindo ao tempo em que a alfândega britânica inspecionava os carregamentos que chegavam ao porto inglês de Dover vindos de Roterdã, na Holanda.

“A gente podia estar aguardando um carregamento de orquídeas de Singapura, os inspetores podiam encontrar um único inseto e condenar o carregamento inteiro”, ele explicou. Edwards se via obrigado a dizer a seus fregueses palavras que tinham um custo alto: “Sinto muito, deixamos vocês na mão”.

Ele receia que esse pedido de desculpas volte a ser comum devido ao "brexit".

“Se uma pessoa está decorando um hotel às 5h e as flores só chegam às 8h, isso atrapalha toda a programação”, ele explicou. “Os holandeses ainda querem nos fornecer flores, e nós ainda queremos comprar seu produto. Mas ninguém sabe o que vai acontecer. É tudo uma grande incógnita.”





 

Tradução de Clara Allain

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