Carnificina da Primeira Guerra deu origem a movimento pacifista no cinema

Na literatura, abriu caminhos para dadaísmo e surrealismo

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Soldado aparece com rosto franzido e boca aberta. Ao fundo, outros perfilados em uma trincheira
O ator Kirk Douglas em cena do filme "Glória Feita de Sangue", do diretor Stanley Kubrick, de 1957 - Divulgação
São Paulo e Paris

A carnificina da Primeira Guerra detonaria um movimento pacifista que, em termos cinematográficos, começou ainda com o "J'Accuse", de Abel Gance. Embora o filme tenha sido lançado em 1919, Gance já concebia seu épico desde 1917.

Ainda que alterne histórias pessoais (menos interessantes para o espectador de hoje) com intensas cenas de batalha, o momento mais assombroso é a inacreditável procissão dos mortos que despertam para acusar os responsáveis pelo morticínio.

Em Hollywood, a guerra rendeu em 1930 a clássica adaptação do romance de Erich Maria Remarque, "Nada de Novo no Front" (1930), que acrescentava às cenas o impacto do sonoro. 

Anos mais tarde, John Ford individualizou a tragédia, deslocando-a para um grupo que se perde no norte da África em "A Patrulha Perdida" (1934). No mesmo ano, Howard Hawks também dava mais ênfase a questões individuais em "Vivamos Hoje".

Não obstante, o fato é que os EUA pareciam mais entusiasmados com a aviação como arma entre os anos 1920 e 1930, razão pela qual diversos títulos se dedicaram aos feitos e batalhas aéreos. Para ficar nos mais célebres: "Asas" (1928), de William Wellman, que ganhou o primeiro Oscar de melhor filme, "A Patrulha Perdida" e "Anjos do Inferno" (1930), de Howard Hughes.

A Primeira Guerra deixa de ser assunto central às vésperas da Segunda, é verdade. Ainda assim, serve de pretexto para evocar o heroísmo de um jovem caipira e pacifista por razões religiosas (Gary Cooper novamente), em "Sargento York". 

Mas o filme de Howard Hawks, de 1941, visava mesmo era exaltar o feito do militar americano, pouco antes do país entrar na nova guerra. Apesar do humor caracteristicamente hawksiano.

Humor nenhum tem Stanley Kubrick naquela que talvez seja a última obra-prima motivada pela guerra de 1914-1918, "Glória Feita de Sangue". 

Ele se concentra no julgamento de três recrutas que deixaram de cumprir uma missão concebida por absoluta inépcia do Estado Maior francês. Os rapazes servirão de bodes expiatórios da formidável miopia dos oficiais.

Se vale a pena saltar o pouco inspirado "Cavalo de Guerra" (2011), de Steven Spielberg, compensa evocar uma das mais marcantes cenas de Primeira Guerra, logo na abertura de "Agonia e Glória" (1980), de Samuel Fuller.

Ali, o soldado Lee Marvin é implacavelmente atacado por um cavalo louco em um campo cheio de mortos. 

Em meio à neblina, um soldado alemão aparece de mãos erguidas dizendo que a guerra acabou. Acostumado a esse tipo de truque e sem poder distinguir qual seria sua real atitude, Marvin o ataca e o mata com a faca.

Volta à trincheira, onde é informado pelo seu capitão de que a guerra acabara antes dele ter matado o soldado alemão. Marvin fica arrasado. 

 

A passagem de milhões de combatentes pelo front produz um sem-fim de traumas, mas também uma grande quantidade de relatos com que os soldados-autores tentam nomear e, sobretudo, enfrentar demônios.

A primeira safra, de inclinação heroica, sai a quente, como "O Fogo" (1916), em que o francês Henri Barbusse registra quase dois anos de atuação nas trincheiras.

Apesar da boa acolhida de público e crítico, o ultrarrealismo desbota. Os dadaístas e surrealistas verão nele um fetiche e sugerirão substitui-lo por uma linguagem em ruínas, irracional, destroçada como construções e corpos de uma cena de guerra.

O conflito de 1914-18 ainda irá inspirar penas niilistas como a de Louis Ferdinand Céline ("Viagem ao Fim da Noite", de 1932).

No mundo anglófono, um dos títulos mais célebres é "Adeus às Armas" (1929), romance de Ernest Hemingway informado pela experiência do americano como motorista de ambulância na frente italiana de batalha.


Obras têm a guerra como pano de fundo

FILMES

“Glória Feita de Sangue”
No longa de 1957, dirigido por Stanley Kubrick e estrelado por Kirk Douglas, três militares franceses são julgados pelo fracasso de uma missão

“J’Accuse”
No filme mudo de Abel Gance, de 1919, os mortos voltam para questionar os responsáveis pela matança na guerra

“Sargento York”
Gary Cooper é o jovem do título, que se torna herói nacional, no filme de Howard Hawks, de 1941

LIVROS

“Nada de Novo no Front”
Veterano da guerra, Erich Maria Remarque não se interessa aqui por atos de bravura, mas pelo misto de tédio e pânico a pairar sobre as trincheiras

“Adeus às Armas”
Ernest Hemingway escreve esta história de amor entre um paramédico americano e uma enfermeira inglesa, sob pano de fundo bélico

“Viagem ao Fim da Noite”
O romance de Louis-Ferdinand Céline é uma diatribe completamente desesperançada contra a guerra e o colonialismo

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