Falha de plano deixa lavradores de coca colombianos no limbo

Verba auxiliar para trocar de cultivo atrasa e muitos retomam produção ilegal

Homens recolhem folhas de coca. Ao fundo, as nuvens cobrem uma área de montanha.
Última colheita de coca em Briceño, no departamento de Antioquia (noroeste), cidade que foi um piloto da substituição de cultivos do governo da Colômbia - Gerald Bermúdez/Folhapress
Gerald Bermúdez
Puerto Asís, Corinto e Briceño (Colômbia)

Augusto não se intimida com os carros e motos que passam na estrada a dez metros de sua lavoura em Catatumbo, no nordeste da Colômbia, enquanto mostra o tapete verde-claro que cobre o local onde antes havia mato.

A cor que destoa do ambiente é dada por seus pés de coca, cheios de folhas desde a base.

A Colômbia é a maior produtora de cocaína (foram 1.379 toneladas em 2017) e o país que tem mais hectares de coca semeados no mundo (171 mil hectares, com potencial de produção de cocaína avaliado em US$ 2,8 bilhões, um salto de 31% em um ano). 

O problema que há décadas alimenta conflitos territoriais no país pode ter mais uma tentativa de solução adiada pelo recém-empossado governo de Iván Duque, dois anos depois de um programa que auxilia agricultores a substituírem a coca por outras lavouras entrar em vigor.

O cenário apresentado para Augusto (os nomes nesta reportagem são fictícios) é comum em regiões como Tumaco, Putumayo, Guaviare e Catatumbo, esta na fronteira com a Venezuela. São áreas de onde a coca nunca saiu e que levaram à expansão do plantio nos últimos dois anos, segundo o Undoc (Escritório da ONU para a Droga e o Crime).

Tudo isso acontece apesar das medidas que compõem o acordo de paz entre o governo colombiano e as Farc (a antiga guerrilha colombiana, que se envolveu no narcotráfico e que agora se tornou um partido político), que pôs fim a 50 anos de guerra civil. 

Um dos seis pontos do acordo trata do reconhecimento das necessidades dos camponeses produtores de coca. 

Prevê que eles deixem de ser vistos como criminosos, com isso atacando uma das raízes históricas do problema do narcotráfico na Colômbia, que é descarregar quase todo o peso da lei sobre os produtores rurais, geralmente pobres. 

Assim foi lançado o Programa Nacional de Substituição de Cultivos Declarados Ilícitos (Pnis), que prevê mudar a infraestrutura rural e apoiar os lavradores de coca em sua transição para outro cultivo, concedendo a cada família US$ 12 mil (R$ 45 mil) ao longo de dois anos para adaptação.

Mas a implementação do Pnis patina em problemas operacionais que se refletem na situação dos beneficiários. 

Anderson, um raspachine (pessoa que trabalha na colheita da coca), ficou sem trabalho quando em Briceño, no departamento de Antioquia (onde foi lançado o piloto do Pnis), todos os pés de coca foram arrancados depois de uma última colheita.

Os raspachines migram de acordo com as colheitas no território, têm em média entre 14 e 20 anos, são pouco escolarizados e não costumam ter fonte de renda estável. Durante a colheita da coca, recebem cerca de US$ 20 ao dia.

Anderson guardava seu dinheiro para abrir uma pizzaria. O Pnis prometeu aos raspachines o equivalente a 12 meses de salário para trabalharem na substituição dos pés de coca. Mas um ano depois de iniciado o programa, nenhum centavo chegou.

Alguns deixaram os campos onde colhiam coca e foram a Medellín, a capital do departamento, onde engrossam as filas de desempregados. 

Outros ficaram nas montanhas, esperando que alguma coisa aconteça. Anderson foi trabalhar como ajudante em uma pizzaria em Bogotá.

Em cada região cocaleira, o segredo para que a produção prospere está na matéria-prima e nos laboratórios improvisados em que as folhas viram a pasta-base de cocaína, mediante processos químicos simplificados por camponeses como Julio. 

Nos fundos da casa de sua mãe, às vezes ajudado por sua sobrinha de 4 anos, Julio manuseia gasolina, ácido sulfúrico e outras substâncias para extrair o alcaloide das folhas. 

O rendimento de cada carregamento de folhas colhidas vai indicar se a colheita valeu.

Existem novas variedades de coca com as quais é possível obter mais de três colheitas por ano, elevando os rendimentos dos produtores. Se o camponês possui meios para converter cada colheita em pasta-base, ele consegue ter uma fonte dupla de renda.

Essa renda, porém, não se compara ao dinheiro que circula em outros escalões da cadeia do narcotráfico. Julio consegue ganhar cerca de US$ 250 (R$ 933) por mês, dinheiro com o qual se sustenta e ajuda sua esposa e sua filha, que moram em Medellín. 

Ele também gasta com a manutenção dos animais de seu sítio e investe nos outros cultivos que tem e que consegue manter com a renda da atividade cocaleira. Por isso, diz que os US$ 300 mensais que o governo deu aos camponeses inscritos no Pnis por um ano não bastam, e muitos lavradores de coca vão à falência ou voltam ao cultivo ilícito.

Tempo joga contra 'cocaleiros' sob pressão de governo

Para Pedro Arenas, diretor do Observatório de Cultivos e Cultivadores Declarados de Uso Ilícito, os acordos fechados com as 77 mil famílias que se inscreveram no programa serão cumpridos conforme o governo conseguir fundos, e não haverá novos acordos. 

Os cidadãos que não conseguiram fechar acordos de substituição de coca em 2017 e 2018 terão que lidar com a erradicação forçada e fumigação com glifosato. 

Por outro lado, Arenas assinala que os projetos oferecidos nos acordos serão implementados com alianças entre camponeses e empresas como projetos produtivos industriais, deixando os lucros para as empresas, que por sua vez contratarão os camponeses.

Nas regiões cocaleiras, a pasta-base é entregue aos compradores em locais próximos aos sítios onde é produzida. De vez em quando, militares ou a polícia prendem camponeses com um ou dois quilos de pasta. Além da pena de prisão para o portador da droga, a detenção representa a perda de quatro meses de trabalho. 

Cada quilo de pasta vale em média US$ 700. Depois de refinada para virar cloridrato de cocaína, pode chegar a US$ 35 mil por quilo na Europa.

Além disso, grupos armados ilegais também querem sua parte. Foi assim que a luta pelo controle das rotas do tráfico desencadeou a guerra em Catatumbo entre guerrilheiros do ELN (Exército de Libertação Nacional) e EPL (Exército Popular de Libertação) e grupos paramilitares. 

O narcotráfico também alimenta a tensão em Putumayo, na Amazônia colombiana, onde grupos armados vêm obrigando os camponeses que firmaram acordo com o Pnis a semear o dobro do número de hectares em que a coca foi destruída; e em Cauca e Nariño, na costa do Pacífico, onde foi detectada presença de cartéis mexicanos pelo DEA, o departamento americano de combate ao tráfico.

Tradução de Clara Allain

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