Jovens evangélicos falam sobre a disputa por seus votos nos EUA

Muitos questionam o tradicional vínculo entre o evangelismo e o Partido Republicano de Trump

The New York Times

O papel do cristianismo evangélico na política dos Estados Unidos vem sendo amplamente discutido neste ano, entrecruzando-se com temas candentes como imigração, a Suprema Corte e justiça social. Muitas vezes as vozes evangélicas que falam mais alto são brancas, masculinas e nada jovens.

Dois anos depois de Donald Trump ter chegado à Casa Branca com uma parcela recorde dos votos do eleitorado evangélico branco, perguntamos a evangélicos jovens sobre a relação entre sua fé religiosa e suas posições políticas às vésperas das eleições legislativas e estaduais.

Quase 1.500 leitores do NYT responderam, vindos de todos os estados americanos menos Alasca e Vermont. Centenas deles escreveram textos longos sobre suas famílias e comunidades. Alguns frequentam megaigrejas muito conhecidas, outros integram congregações batistas do Sul, não denominacionais e até mesmo protestantes convencionais. Alguns disseram que abandonaram o movimento evangélico por completo.

O NYT leu todos os textos recebidos e passou muitas horas entrevistando os leitores que participaram da pesquisa.

Os evangélicos jovens estão questionando os vínculos mais comumente encontrados entre o evangelismo e a política republicana. Muitos disseram que esses vínculos provocaram divisões em suas famílias. E muitos descreveram uma dificuldade real em aceitar uma administração que enxergam como sendo hostil a imigrantes, muçulmanos, pessoas LGBTQ e pobres. Eles sentem que essa administração reflete uma perda de humanidade, algo que entra em conflito com sua vocação espiritual.

Muitos evangélicos jovens creem que Trump os ajudou a alcançar suas metas maiores, como limitar o direito ao aborto e defender as liberdades religiosas. Mas eles se sensibilizam com outras questões. Muitos se sentem politicamente independentes ou politicamente sem-teto. Há uma luta em torno do significado do termo “evangélico”, e eles a estão vivendo na própria carne.

A luta não é apenas com líderes políticos. Ela também é travada dentro das comunidades religiosas evangélicas.

Os seis jovens evangélicos aqui destacados, todos profundamente envolvidos com suas igrejas, apresentam o som nuançado da voz evangélica crescente nos Estados Unidos, uma voz que frequentemente é abafada por figuras brancas mais velhas. As entrevistas e os trechos extraídos dos textos enviados ao jornal foram editadas levemente e condensadas para propiciar mais clareza.

Alexandria Beightol, 22, democrata. Marco Island (Flórida)

Me tiraram do Smith College em 2015 quando falei a meus pais que estava repensando a legitimidade da teologia antigays. Pensei: “Deus vai ter que me perdoar. Não vou morrer nesta guerra cultural".

Eu era republicana, como meus pais. Antes, eu apoiava qualquer coisa que minha igreja me dissesse sobre os candidatos e as questões políticas. Eu nunca questionava nada nem lia materiais externos sobre esses temas. Comecei a emprestar livros da biblioteca em segredo.

Eu apresentei uma mensagem de comunhão em 2016. Foi: “Nosso Deus opta por morrer a morte de todas essas pessoas marginalizadas. Ele morre como Matthew Shepard, como um garoto pelas mãos do Estado. Ele era refugiado.” Minha igreja me repreendeu por “fazer mau uso do púlpito”. Outros fiéis usaram o púlpito abertamente para fazer campanha por Trump e dizer coisas odiosas sobre muçulmanos e cidadãos LGBT.

O mundo com o qual eu sonhava não era o mundo com que minha igreja sonhava. O mundo que os evangélicos liberais querem ver é um mundo que os evangélicos conservadores esperam que não vire realidade.

Receio que tenhamos feito mal imenso aos marginalizados, em nome de Deus. Você percebe que não é boa notícia, de maneira alguma, se você não está fazendo mais do que batizar certas desigualdades ou certos vieses.

Rebekah Hopper, 26, independente. Cincinnati (Ohio)

Meus pais fazem parte do setor evangélico branco que votou em Trump. Eles ainda o apoiam, com muito orgulho. Eu nunca contei a eles que já votei em candidatos democratas. Quando eles lerem este texto, tomarão conhecimento de muitas coisas.

No ano passado eu estava no carro com minha mãe e o marido dela. Trump havia dito alguma coisa. Falei: “Bem, ele é racista e homofóbico”. Eles fizeram pouco-caso. Isso foi o máximo que já falei de política com minha mãe. Foram cinco minutos.

Creio devotamente em Jesus, mas votei em Hillary Clinton porque achei que ela seria uma boa líder para este país. A política é mais do que um tema apenas; precisamos analisar todos os aspectos de cada candidato e discernir quem pode nos representar melhor. Donald Trump não representa ninguém a não ser ele próprio.

Há muitos homens brancos velhos no Partido Republicano que usam o cristianismo como arma para se fazerem eleger, mas eu estou aqui para dizer a vocês que não nos deixamos enganar por eles. O Jesus que esses homens retratam não é o Jesus que curou os doentes e rompeu barreiras sociais. Não fazemos parte da religião desses homens, e minha esperança é que as pessoas se deem conta disso.

Eduardo Sandoval Ruiz, 23, republicano. Louisville (Kentucky)

Minha família veio do México para cá em 1999. Meus pais são pastores. Somos evangélicos pentecostalistas há muito tempo.

O fato de sermos socialmente conservadores, mas imigrantes, tem sido interessante, nos melhores momentos, e fonte de conflito, nos piores. Os fiéis da igreja de meus pais são principalmente imigrantes recentes. Concordamos com a maior parte do que Donald Trump fala sobre Deus e fé, mas discordamos com o que ele diz sobre imigrantes e discordamos de quaisquer erros de conduta em sua vida pessoal que ele e outros possam tentar justificar.

Sendo cristão evangélico, sou obrigado a fazer concessões. Estou optando por priorizar minhas crenças cristãs pessoais, e não as políticas de imigração que o Partido Republicano está promovendo hoje. Esse é um ponto de tensão.

Não falo de política com ninguém, nem com minha família. Falamos sobre valores cristãos.

Hannah Flaming, 27, republicana. Paxton (Nebraska)

Sempre fui republicana, e sim, estou muito satisfeita por ter votado em Trump.

A eleição dele foi importantíssima, já que metade de minha família não entendia por que a outra metade votou nele, chegando a dizer que isso a fez mudar sua opinião a nosso respeito. Já é difícil ser simplesmente cristã. Ser cristã republicana é ainda mais difícil.

Ninguém se importava conosco até a chegada de Trump. Temos uma fazenda ao sul de Paxton. É uma cidade de umas 600 pessoas. O milho de pipoca é uma das variedades mais especializadas que cultivamos. Trigo, soja. Estávamos fartos de ver o milho cair 40 centavos por dia. Finalmente alguém entendeu nosso problema. Por isso nossa comunidade está otimista.

Quais são as ideias equivocadas sobre os evangélicos jovens? A ideia de que somos hipócritas, hereges, que andamos com forcados e cordas nas mãos, prontos para linchar qualquer pessoa que se oponha às nossas crenças. Não. Não somos essa religião bitolada, linchadora.

Tenho medo de que sejamos silenciados por outros que gritam muito alto.

Curtis Yee, 22, democrata. Sacramento (Califórnia)

Pelo fato de eu viver na Califórnia e frequentar uma igreja chinesa, minha experiência difere daquilo que vejo nos jornais.

Quando vejo lideranças que se dizem cristãs como Jerry Falwell Jr. ou Franklin Graham falarem de como Trump é grande, isso me preocupa porque acho que as nuances que enxergo em meu pequeno enclave cultural não existem em outras partes do país. Quem são essas pessoas? Será que elas realmente exercem tanta autoridade assim?

Sou filho único de uma família sino-americana. Tipicamente, os sino-americanos não se manifestam muito sobre questões sociais ou políticas, nem sobre temas incômodos de maneira geral. O foco é sobre respeitar os mais velhos, a autoridade. Some isso ao cristianismo, e as pessoas não se dispõem necessariamente a se engajar em ativismo político.

Acho que não divirjo teologicamente de meus pais nas questões maiores, mas, enquanto eles se mostram mais dispostos a colocar a culpa dos problemas nos “liberais”, eu consigo enxergar que os liberais não são perversos, são apenas pessoas que procuram fazer as coisas de maneira diferente. Divergimos principalmente em relação a como encarar questões sociais sob uma ótica bíblica: Daca, #MeToo, imigração.

Jayna Duckenfield, 24, sem filiação política. Atlanta (Geórgia)

Como cristã, votar é meu dever absoluto. Estou registrada para votar em Atlanta e pretendo votar em Stacey Abrams. Será a primeira vez que vou votar numa democrata. Ela é negra e mulher. Também sou essas duas coisas. Isso é realmente importante para mim.

Quando tenho amigos ou colegas brancos e eles supõem que eu me alinhe plenamente com o Partido Democrata, procuro falar com o maior tato possível. Espere aí, será que eu devia ser plenamente democrata? Mas, como cristã, haverá coisas com as quais não concordo totalmente.

Com o passar do tempo, percebi que não podia mais fazer silêncio. O assassinato de Botham Jean em Dallas (Texas) e a confirmação do juiz Brett Kavanaugh para a Suprema Corte me levaram a questionar a legitimidade de minha voz e de minha segurança na sociedade americana. Fiquei enfurecida: um homem negro foi baleado em sua própria casa.

Esses dois casos transmitem algo, direta e indiretamente, sobre as pessoas negras e sobre as mulheres. Nosso valor está na berlinda. Como cristã, entendo e creio que possuo valor inerente, mas politicamente falando ainda é uma batalha.

Tradução de Clara Allain

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