Ministro linha-dura, Matteo Salvini rouba a cena na política italiana

Líder da Liga conquista classe média com discurso duro contra entrada de imigrantes no país

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Salvini com arma em evento em Roma 
Salvini com arma em evento em Roma  - Remo Casilli - 10.out.18/Reuters
Paris

Matteo Salvini, 45, não é o primeiro-ministro da Itália –Giuseppe Conte, neófito na política, responde pela chefia de governo. Tampouco é o líder do partido mais votado nas eleições legislativas de março deste ano –Luigi Di Maio, ministro do Trabalho, tem essa prerrogativa.

Apesar disso, é de Salvini hoje o rosto mais conhecido da política do país. Falastrão, o ministro do Interior (e vice-premiê, ao lado de Di Maio) monopoliza holofotes com discurso duro contra imigrantes, contra amarras impostas pela União Europeia e contra a globalização.

Se a retórica soa familiar, é porque se trata efetivamente de um simpatizante de Donald Trump. Porém, ao contrário do republicano, Salvini nada tem de “outsider”. Está na política há 25 anos. Seu partido, a Liga, foi criado no começo da década de 1990 como Liga Norte, sob a bandeira (hoje abandonada) do secessionismo dessa região próspera.

Nos primeiros anos, a legenda ultradireitista conquistou alguns governos municipais e regionais, mas permaneceu à sombra de Silvio Berlusconi e de seu Força Itália até março passado, quando desbancou o parceiro-sênior na coligação conservadora e chegou na terceira colocação geral.

Acabaria formando um governo sui generis com o primeiro colocado, o Movimento Cinco Estrelas, agremiação que, apesar de se declarar “antissistema”, exibe plataforma em muitos pontos alinhada a programas de esquerda.

O ponto fora da curva progressista da agenda do Cinco Estrelas é justamente o de convergência com a Liga: o enfrentamento daquilo que seria um descontrole imigratório.


O partido de Salvini foi o que conseguiu até aqui melhor capitalizar a contrariedade de parte da população com a entrada de estrangeiros.

“Salvini e Di Maio deram a resposta certa à classe média, projetando uma imagem de proteção contra a desigualdade, a corrupção e os imigrantes”, diz Maurizio Molinari, diretor do jornal La Stampa. “Mas Salvini é mais forte, porque é mais fácil vender uma mensagem de proteção na seara da imigração do que na da desigualdade.”

Para Fulco Lanchester, professor do departamento de ciência política da Universidade de Roma, o trunfo do ministro do Interior é lançar ataques contra alvos claros: uma elite cosmopolita e sua suposta falta de amor pela pátria.

“O discurso dele é direto: a Itália em primeiro lugar. As fronteiras são nossas, devemos recuperar a soberania nacional. Isso atinge em cheio as classes populares e médias”, afirma o pesquisador.

A cruzada do vice-premiê contra imigrantes inclui declarações em que os associa a estupros, a roubos e a tráfico de drogas e ações concretas, como a proibição de desembarque de um navio de resgate de africanos que ficaram à deriva a caminho da Europa.

Ele também conseguiu a aprovação do Senado para um decreto que, entre outras coisas, diminui os pré-requisitos para a deportação de ilegais e restringe a concessão de vistos humanitários.

Apesar disso, Antonio Villafranca, coordenador de pesquisa do Instituto para Estudos de Política Internacional, vê continuidade em relação ao governo anterior, do centro-esquerdista Matteo Renzi.

“Salvini usa palavras mais duras, mas a natureza dos pedidos que o país faz à UE é a mesma”, diz. “Pede-se a introdução de um mecanismo permanente de realocação de refugiados dentro do bloco e negocia-se com milícias que controlam a Líbia para estancar o fluxo dos que se lançam ao mar. Isso já existia.”

Segundo Molinari, o líder da Liga soube aproveitar a lentidão de Bruxelas (sede da governança europeia) em dar respostas a Roma. “A Itália é historicamente um país pró-Europa. Mas, a partir de 2015, sobretudo o sul [mais próximo da África] começou a se sentir abandonado.”

Onde há sem dúvida mudança na relação com a UE é na economia. A proposta de orçamento para 2019 prevê déficit de 2,4% do PIB, rombo necessário, segundo o governo, para financiar obras de infraestrutura e uma renda básica universal que vão impulsionar a economia –o crescimento em 2017 foi de 1,5%.

Bruxelas estrilou. Disse que a previsão de gastos em nada contribuía para diminuir a dívida pública (hoje em 131% do PIB) e pediu nova versão, que veio na última semana com o mesmo prognóstico de déficit. Diante disso, a Comissão Europeia, braço executivo da UE, deve dar início a processo contra a Itália que pode resultar em multa de € 3,4 bilhões (R$ 14,6 bilhões).

A tramitação desse processo dificilmente terminará antes da eleição para o Parlamento Europeu, prevista para maio de 2019 e encarada como campo de batalha entre alas globalistas/pró-Europa (Emmanuel Macron, Angela Merkel) e nacional-populistas (Salvini, o húngaro Viktor Orbán, o polonês Andrzej Duda).

Por isso, os analistas ouvidos pela reportagem acham que o líder da Liga não irá abaixar o tom contra a UE. “Ele precisa desse conflito”, avalia Molinari.

“Salvini se contrapõe ao establishment político e denuncia um suposto colonialismo fiscal alemão. Mesmo não sendo responsável, seu discurso faz sentido em termos eleitorais”, diz Lanchester.

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