Momento pede vigilância por democracia e direitos humanos, dizem especialistas

Folha debateu o tema nos 70 anos da declaração dos direitos humanos

Everton Lopes Batista
São Paulo

A ascensão de líderes políticos com tendências autoritárias, que criticam liberdades individuais e direitos humanos, tem causado uma "recessão democrática" no mundo. Segundo especialistas, a conjuntura atual deve ligar um sinal de alerta.

Para o sociólogo e colunista da Folha Demétrio Magnoli, o crescimento dos partidos populistas está no centro dessa nova ordem. Segundo levantamento publicado pelo jornal britânico The Guardian em setembro deste ano, o voto em populistas —de esquerda, de direita ou de outras orientações políticas— na Europa passou de 8% da votação total em 1998 para mais de 25% em 2018.

“O populista venera o povo e quer falar diretamente com ele, sem mediadores. Ele quer, na verdade, destruir as mediações para governar sem as limitações que esses reguladores representam”, disse Magnoli durante o seminário “70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos”, realizado pela Folha na noite da segunda-feira (26), em São Paulo.

Se o voto é inegociável em uma democracia, ele pode também ser um instrumento de manipulação para regimes que flertam com o autoritarismo, disse Pedro Abramovay, diretor para a América Latina e do Caribe da Open Society Foundations.

“É fundamental preservar o voto, mas com desinformação ele acaba sendo um aliado desses regimes”, afirmou. “Precisamos de alianças entre conservadores e progressistas pela democracia”, completou.

Segundo Deisy Ventura, professora de ética da Faculdade de Saúde Pública da USP, o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) dá indícios de que pode vir a questionar o voto caso alcance estabilidade em seus primeiros anos.

O alto custo de uma eleição, a possibilidade de fraudes e o perigo de retorno do PT ao poder podem ser usados como argumentos para atacar a democracia brasileira, segundo Deisy.

“Temos de responder com um movimento, que deve dizer que a democracia pode dar respostas e que conte como era o Brasil realmente no passado”, afirmou.

De acordo com Magnoli, a maior parte das lideranças populistas que chegou ao poder nos últimos anos faz parte de uma direita nacionalista com uma particularidade: o nativismo. “O discurso é o de luta de uma nação contra um mundo universalista que recusa a pátria”, disse.

Assim, as barreiras ao fluxo de imigrantes e refugiados aumentam e revelam uma crise que ameaça os direitos humanos.

Refugiados que vivem no Brasil temem pela sua segurança após as mudanças políticas causadas pela última eleição, segundo Prudence Kalambay Libonza, refugiada da República Democrática do Congo que vive no Brasil há dez anos.

“Xenofobia e racismo é o que mais me assusta. A maior parte da população brasileira é negra, mas a gente vive sob um olhar discriminatório”, disse.

De acordo com ela, imigrantes africanos contam com mais dificuldades para se integrarem à sociedade brasileira devido ao racismo. “Os brasileiros precisam entender que saímos de nossa terra não só com a mala, mas também com nossa capacidade intelectual”, afirmou.

Para que a integração seja facilitada, a refugiada pede uma atuação mais forte das autoridades brasileiras e das organizações que trabalham na área.

“As instituições que falam sobre refúgio deveriam sair mais dos escritórios para ver no campo o que os refugiados estão passando”, disse.

Camila Lissa Asano, coordenadora de programas da Conectas, ONG que trabalha com direitos humanos, concorda. “A fronteira tem sido aberta, há uma forma de regularização para essas pessoas, mas para por aí”, afirmou. 

Para ela, a falta de ações para integração local dos estrangeiros tende a agravar a situação dos refugiados, podendo até fazer piorar problemas de segurança pública. “A integração é importante pois essas pessoas trazem uma série de contribuições sociais”, disse.

Voltar ao básico, aos princípios presentes nos 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é o caminho para resolver o impasse, segundo Maria Beatriz Bonna Nogueira, chefe do escritório do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) em São Paulo.

Magnoli lembrou que a violação da declaração é uma das marcas presentes em todos os regimes autoritários e acrescentou que proteger a imprensa e o Judiciário é o melhor mecanismo para barrar a expansão desse tipo de governo.

“É justamente esse documento do passado que protege os direitos de refugiados, apátridas e imigrantes. É preciso voltar ao básico e difundir essas ideias”, concluiu.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.