Em quatro fileiras de cadeirinhas, 16 crianças de 5 e 6 anos aguardam a sabatina. “Onde nasceu o querido líder Kim Il-sung?”, pergunta a professora.
A aluna escolhida aponta as mãozinhas para uma maquete que ocupa todo o centro da sala e recita a resposta oficial: em Mangyongdae.
As questões seguintes são sobre os pais de Kim Il-sung e a idade em que ele partiu para “liderar a luta contra o imperialismo japonês”. A cada resposta, todos aplaudem.
“Desde a infância, nos dedicamos a ensinar a história dos líderes, a moralidade e os costumes”, diz a guia do jardim da infância. O programa de ensino é único em todas as escolas do país.
O esforço dá resultado, segundo a a vice-diretora da Escola Secundária nº 1, Han Sun-hui: "Os estudantes têm aulas de educação moral desde a escola primária, por isso, quando chegam à secundária, se comportam como santos”, cometa.
Professores são peças importantes para a manutenção do regime, diz ela. “Somos revolucionários profissionais. Como um jardineiro, precisamos podar as folhas e orientar o crescimento”, afirma ela.
É dos professores a responsabilidade —e o poder— de identificar os talentos de cada aluno e encaminhar suas carreiras. Na revista oficial Korea Today, por exemplo, a professora Kim Hyon-ok é elogiada por ter mudado o destino de uma aluna que desejava ser violinista.
“Observando a menina de perto, Kim Hyon-ok decidiu que ela era mais apta à ciência que à música, e assegurou que fosse enviada à Escola Secundária nº 1. Alguns anos depois a aluna ganhou uma competição acadêmica, graças ao diagnóstico preciso”, diz o artigo.
A vida dos Kim e sua ideologia são tema de disciplinas especiais, ensinadas desde a pré-escola, mas a visão do regime está presente também nas matérias regulares.
Na Escola Secundária nº 1, um professor de física mostrava cenas da Guerra da Coreia antes de explicar conceitos de balística. A história do conflito, que durou de 1950 a 1953, é contada em versão própria e exibida em três andares no Museu da Vitoriosa Guerra da Libertação da Pátria.
Segundo os norte-coreanos, foram os EUA, e não eles próprios, que atacaram primeiro. No final, “os imperialistas não tiveram outra chance a não ser se ajoelhar em frente ao nosso povo e implorar pelo fim da guerra”, diz o relato oficial.
Por dia, passam pelo local 3.000 visitantes, adultos e crianças. “Precisamos de museus como este porque as crianças não viveram o que vivemos. Elas não têm memória, então temos que mostrar a elas o que aconteceu”, diz o guia Ko.
Uma das canções mais populares do país é "Não Invejamos Nada no Mundo", que os norte-coreanos aprendem a cantar desde cedo e costumam apresentar para os visitantes (veja a tradução da letra abaixo).
“Contamos nos dedos os dias para que o marechal Kim Jong-un venha nos visitar", diz outra música cantada por internos do Orfanato de Pyangyong.
A missão do orfanato não é apenas criar os órfãos, "mas educá-los para que sejam artistas, soldados ou cientistas a serviço do país. Não há tempo de sentir falta dos pais, porque o marechal manda tudo para que não se preocupem", afirma a guia do local, San Yong Hui.
Conquistar a adesão das crianças é crucial para o regime, porque há menos mecanismos de controle em comparação com as gerações anteriores.
O Estado já não é mais o único provedor de bens e serviços, como nas primeiras décadas da gestão Kim Il-sung, e começam a aparecer alternativas profissionais numa economia paralela à estatal.
Os 12 anos de educação básica são gratuitos e obrigatórios. Segundo o governo norte-coreano, a taxa de alfabetizados é de 100%. Não é permitido ter emprego estatal antes de terminar o ensino médio.
Cursar a universidade depende não só de obter boas notas, mas de ser corretamente encaminhado.
Folha leva à Coreia do Norte perguntas de leitores
"O que você gostaria de perguntar a um norte-coreano, se tivesse a oportunidade de visitar esse que é um dos países mais fechados do mundo?" foi a questão feita pela Folha a seus leitores antes de embarcar.
Foram enviadas mais de 70 questões, parte delas respondidas durante a viagem, no final de outubro.
Muito foi visto e ouvido, mas o número de vozes e pontos de vista ausentes deixa sempre muitas questões em aberto.
- Informação, internet e contato com o exterior
- Casamento, sexo e família
- Vida coletiva e participação política
- Reunificação e Guerra das Coreias
- Educação
- Trabalho
- Diversão, esporte e arte
- Isolamento, controle e mudanças
Não invejamos nada do mundo
세상에 부럼 없어라
O céu é azul e meu coração está alegre
O som dos acordeão soa longe e claro
É um país maravilhoso o que temos
Uma terra de harmonia e solidariedade
Nosso pai é o marechal Kim Il-sung
Nossa casa é o seio do partido
Somos todos irmãos e irmãs
Não invejamos nada no mundo
Quem jamais pode quebrar nossa força?
Não temos de nenhuma tormenta
Levados adiante pelo espírito de Paektu
E pelo brilho resplandescente de nossa pátia
Não tememos nada nem ninguém
Nosso pai é o marechal Kim Il-sung
E nossa casa é o seio do partido
Somos todos irmãos e irmãs
Não invejamos nada no mundo
Camaradas, vamos todos cantar em uníssono
Ao som do acordeão na nossa terra-mãe
Onde voa Chollima (*) e todos os tipos de flores estão na máxima floração
Nosso pai é o marechal Kim Il-sung
E nossa casa é o seio do partido
Somos todos irmãos e irmãs
Não invejamos nada no mundo
(*) Chollima é um cavalo místico, capaz de correr 400 km por hora, frequentemente usado para simbolizar o empenho e o sucesso do regime norte-coreano
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.