Diretor de 'O Senhor dos Anéis' faz documentário 3D sobre 1ª Guerra com foco em soldados

'They Shall Not Grow Old' mostra realidade das trincheiras, com adolescentes lutando, comida ruim e ratos

Cena do documentário "They Shall Not Grow Old", que usa filmagens da época da 1ª Guerra Mundial
Cena do documentário "They Shall Not Grow Old", que usa filmagens da época da 1ª Guerra Mundial - Associated Press
Nova York

A centenária 1ª Guerra Mundial (ou a Grande Guerra) é frequentemente lembrada pelas trincheiras e pela disputa por conquistar um centímetro que fosse no campo de batalha para acuar o inimigo —no caso, Alemanha e Império Austro-Húngaro, depois que a Itália abandonou o barco.

Mas o diretor Peter Jackson, diretor responsável pela trilogia “O Senhor dos Anéis”, quis fazer algo diferente no documentário “They Shall Not Grow Old”, encomendado pelo Museu Imperial da Guerra britânico.

Jackson foi convidado a dar um “novo olhar” para o centenário do fim do conflito, como conta no início do filme, de 1h39min. Decidiu transformar em uma produção 3D mais de 100 horas de filmagens da época e 600 horas de áudios de entrevistas feitas com soldados britânicos sobreviventes.

O resultado é impressionante. O trabalho, que durou cinco anos, envolveu a sincronização de diferentes velocidades de filmagens, para adaptá-las ao padrão de hoje dos cinemas. Também contou com um estúdio responsável por colorir as imagens, tendo o cuidado de reproduzir a cor cáqui do uniforme britânico e acinzentado do alemão. 

Até as diferentes tonalidades de grama foram estudadas com esmero. O diretor visitou alguns dos cenários de batalhas, como Flandres (Bélgica), e tirou milhares de fotos —conseguiu, inclusive, ir a uma barreira onde os britânicos aguardaram a ordem de atacar os inimigos. Tudo para que o resultado ficasse crível.

Os efeitos sonoros, como barulho de bombas caindo, foram feitos por especialistas, que chegaram a dublar um oficial lendo um comunicado para as tropas —essa dublagem é considerada pelo diretor uma das mais difíceis, porque não dava para entender o que o militar falava na filmagem original.

Jackson precisou descobrir o batalhão a que o oficial pertencia e penou para encontrar o comunicado. Afinal o encontrou, o que diz muito sobre o esforço que o diretor fez para que o resultado ficasse o mais fiel à realidade possível.

Mas a tecnologia e o esforço para atualizar as imagens ficam em segundo plano no documentário. O foco em “They Shall Not Grow Old” são os homens do Exército britânico. 

O título do documentário vem de um poema do inglês Laurence Binyon, “For the Fallen” (“Para os caídos”), publicado em 1914 no jornal britânico The Times. É uma ode aos jovens mortos nas batalhas, que “não devem envelhecer, enquanto nós que ficamos envelhecemos.”

Nas fileiras do Exército britânico, foram muitos os adolescentes de 15 e 16 anos que tomaram parte no conflito de forma voluntária porque, afinal, todos os amigos estavam fazendo o mesmo —a pouca idade foi convenientemente ignorada pelos militares, já que oficialmente era preciso ter ao menos 19 anos para servir no exterior. 

Muitos contrariavam a vontade dos pais para se alistar. Em comum, a ideia de que não havia possibilidade de os britânicos perderem a guerra.

Em 1914, o Exército acolheu 250 mil jovens abaixo da idade oficial permitida. Um em cinco foram dispensados em um mês, porque não tinham tamanho para lutar ou porque confessaram ter mentido sobre a idade. Muitos dos que não receberam baixa morreram no conflito. 

A produção também é pessoal para Jackson. O avô do diretor, William, lutou na Grande Guerra, e desenvolveu uma série de problemas de saúde que o levaram a morrer em 1940, sem que o cineasta o conhecesse.

Os acontecimentos da 1ª Guerra são narrados sempre pelos soldados britânicos entrevistados. Não há um narrador para ligar os fatos e fazer a contextualização para o público.

O conflito teve um impacto parecido sobre alguns deles, e o espectador vislumbra isso por meio de experiências compartilhadas por soldados que, possivelmente, não se conheceram nos campos de guerra. É um confronto contado a partir do olhar de quem estava lá, sem a informação que depois a história se encarregaria de incluir.

Eles contam como a comida era ruim, porque era feita por homens que não tinham qualquer talento culinário em meio a um cenário de opções limitadas. Como viam colegas morrendo ao seu lado, vítimas dos bombardeios inimigos. Como os corpos ficavam expostos a moscas e apodreciam nas trincheiras até que fossem retirados ou, com sorte, enterrados em valas coletivas. 

Os ratos são parte dos relatos: era comum os soldados atirarem nos animais para evitar que roubassem comida ou comessem os corpos. Pilhas de ratos mortos eram vistas nas trincheiras —o filme mostra isso. 

Um salto em armamentos é contado pelo grande aumento no número de mortos: austro-húngaros e alemães desenvolveram submetralhadoras, causando grandes baixas no Exército britânico e em seus aliados.

As tecnologias de guerra incluíam ainda o uso de armas químicas, como gases lacrimogêneo ou mostarda. E a construção de estradas, que ajudavam a transportar equipamentos e soldados.

Quando faltam filmagens, como no caso de algumas batalhas importantes, Jackson improvisou com revistinhas usadas como propaganda britânica da guerra e que ele próprio colecionava —ciente de que os quadrinhos retratavam só a visão oficial do conflito.

Os áudios finais funcionam como uma crítica. São soldados que dizem não saber por que lutaram a guerra ou por que estavam enfrentando pessoas que eram tão parecidas com eles —o filme retrata a espécie de amizade surgida entre os britânicos e os prisioneiros alemães. 

É uma guerra que, na visão de quem esteve nela, não fazia sentido. Essa parece ser a tônica da mensagem final que o diretor quer deixar para os espectadores.

They Shall Not Grow Old​

Reino Unido/Nova Zelândia, 2018.

Direção: Peter Jackson. Classificação: a ser definida. Ainda sem data para lançamento no Brasil

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