Descrição de chapéu The New York Times

Em Moscou, arranha-céus de Stálin precisam urgentemente de reformas

Moradores pensam que o governo deveria restaurar estruturas vistas como monumentos históricos

Neil MacFarquhar​
Moscou | The New York Times

Mikhail Posokhin ainda se recorda das vitrines sedutoras da Mercearia Nº 5 em sua infância, quando, em 1955, sua família foi viver em um dos sete novo arranha-céus góticos de Moscou.

Mais parecida com uma catedral que com um empório, a mercearia tinha colunas e pisos de mármore, vitrais coloridos e teto alto com lustres luxuosos. Peixes circulavam em um grande aquário, e as vitrines iluminadas exibiam raridades como caviar apresentado em tigelas de cristal.

Diferentemente de outras lojas de Moscou, na mercearia nunca faltavam leite, linguiça e barras de chocolate.

A torre Kotelnicheskaya, em Moscou - Sergey Ponomarev/The New York Times

Os moscovitas se reuniam diante da loja para admirar as vitrines, embora os únicos que tivessem condições de comprar as mercadorias fossem membros da elite privilegiada —que ganhavam apartamentos de graça nos edifícios.

“Esses complexos exibiam uma nova vida que as pessoas nunca antes tinham visto”, disse Posokhin, renomado arquiteto moscovita cujo pai projetou o edifício. “A ideia era que fossem uma expressão da grandeza e do espírito vitorioso da era.”

Isso foi então.

Hoje a Mercearia Nº 5, no edifício da praça Kudrinskaya, está abandonado e sujo. Chapas de compensado cobrem algumas de suas vidraças quebradas.

Tapumes erguidos sobre a entrada do edifício protegem pedestres de pedaços de alvenaria que possam cair. Vistas de perto, as estátuas de homens musculosos e mães com aparência de madonas parecem manchadas.

Os chamados “arranha-céus de Stálin” –tanto os que são edifícios residenciais quanto os dedicados a repartições públicas— precisam urgentemente de reformas. Mas estão atoladas em um limbo: ninguém sabe quem pagará a conta substancial.

Desde que os edifícios residenciais foram privatizados, na década de 1990, o governo passou a considerar os proprietários responsáveis por sua manutenção. Os moradores, especialmente os idosos de poucos recursos que herdaram apartamentos da elite soviética, hoje deposta, pensam que a Prefeitura ou o Kremlin deveriam restaurar estruturas vistas como monumentos históricos.

“Ainda não existe na Rússia uma mentalidade de propriedade privada de imóveis”, comentou Elizabeth Lihacheva, diretora do Museu Estatal Schusev de Arquitetura, destacando que mesmo pessoas que pagam US$ 1 milhão por um apartamento frequentemente não querem desembolsar um copeque para a faxina do pátio do edifício.

A construção dos arranha-céus de Stálin, rebatizados para turistas com o nome mais palatável de Sete Irmãs, foi inspirada pela ideologia soviética.

Quando a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim, grande parte de Moscou estava em ruínas. Stálin achou que a cidade, que ia celebrar seu 800º aniversário, não tinha a grandeza que seria condizente com sua condição de capital triunfal.

“Stálin estava basicamente construindo um império soviético”, disse Lihacheva. “Isso precisava ser expresso em termos arquitetônicos.”

Os planos traçados antes da guerra para a construção de uma monstruosidade que seria chamada Palácio dos Sovietes, coroada por uma estátua de Lênin duas vezes mais alta que a Estátua da Liberdade, foram abandonados: o terreno pantanoso não daria sustentação à obra. O projeto foi reconcebido na forma de oito edifícios distintos, formando uma espécie de grande coroa que cerca os pontos estratégicos da capital e ecoa as muralhas do Kremlin.

Na época, como hoje, os ocupantes do Kremlin se mediam em comparação com os Estados Unidos. Stálin considerava que, se Moscou não tivesse arranha-céus, o povo acharia que faltava algo ao comunismo.
Mas simplesmente copiar o estilo americano tampouco seria o suficiente.
 

“Eles vão à América e exclamam ‘oh, os edifícios são enormes!’”, teria comentado o ditador soviético, segundo uma história dos arranha-céus escrita em 2011. “Que venham a Moscou e vejam esse tipo de edifício. Que digam ‘oh!’.”

A ordem governamental emitida em 1947 para o início das obras decretou que os edifícios deveriam ter aparência especificamente russa. Por essa razão seu estilo é o barroco russo, apesar de os arquitetos terem sido influenciados por várias grandes obras americanas, incluindo o edifício Wrigley e o Tribune Tower, em Chicago, além dos edifícios Woolworth e Municipal, em Manhattan.

Algumas pessoas acham o resultado magnífico; para outros, é bizarro e intimidador. Os revestimentos e entalhes de pedra da fachada dos edifícios, que lhes conferem um ar de fortalezas, caberiam perfeitamente em Gotham City. Numa noite nevada escura, com iluminação externa projetando sombras profundas sobre as fachadas imponentes, quase podemos imaginar que o batmóvel vai sair a qualquer momento de um desses edifícios.

A escala espetacular das Sete Irmãs transformou completamente o horizonte de uma cidade antes dominada por campanários de igrejas. Os sete edifícios tornaram-se símbolos de Moscou e definiram a cara moderna da União Soviética. Clones dos arranha-céus foram erguidos em vários postos avançados do império soviético, incluindo Varsóvia, Riga e Bucareste.

Após a morte de Stálin, em 1953, o novo líder Nikita Kruschev considerou o projeto inteiro demasiado ostentoso, cancelando a construção do oitavo edifício, que seria erguido ao lado da Praça Vermelha. Os outros sete foram concluídos em 1957 pelo custo então estarrecedor de US$500 milhões ao todo.

Cada um dos edifícios tem seu folclore próprio. O prédio da Universidade Estatal de Moscou, por exemplo, é o maior de todos. Com quase 244 metros de altura, foi o edifício mais alto da Europa até 1990.

O edifício do Ministério das Relações Exteriores tinha originalmente teto plano. Diz a lenda que Stálin, passando diante dele de carro, achou isso americano demais e ordenou o acréscimo de uma torre fina no estilo do Kremlin.

Segundo Lihacheva, do Museu de Arquitetura, Stálin apenas perguntou sobre o teto plano. Foi o diretor de construção que, com medo do ditador implacável, ordenou a inclusão de uma torre metálica no topo do edifício já concluído.

O governo federal está pagando pela restauração gradativa desse edifício. A conclusão das obras é prevista para 2026. O enorme relevo de foice e martelo sobre a fachada será preservado como detalhe histórico.

Os edifícios governamentais estão mais bem conservados que os residenciais. Na década de 1990, por exemplo, quando fábricas compravam sucata metálica por quilo, ladrões arrancaram as maçanetas originais de bronze em estilo art déco de muitos apartamentos do edifício Krasnaya Vorotaya.

Erguido perto do Kremlin, o edifício Kotelnicheskaya é o único dos arranha-céus residenciais a ter sido restaurado.

A prefeitura de Moscou descreveu as obras como sendo reparos “emergenciais”, mas os moradores de outros dos edifícios residenciais reclamaram que o Kotelnicheskaya teria recebido tratamento especial porque altos funcionários governamentais ainda vivem em alguns de seus 700 apartamentos, incluindo um “apparatchik” sênior do Kremlin que teria comprado quase um andar inteiro.

A KGB, que comandou a construção dos edifícios Kotelnicheskaya e da Universidade de Moscou, usou mão-de-obra de prisioneiros. Alguns deles deixaram tábuas dentro de paredes pintadas com os nomes de seus gulags. Um prisioneiro de físico avantajado foi o modelo usado em um friso na fachada.

Cada um dos edifícios residenciais eram uma espécie de paraíso soviético autônomo, com seu próprio cinema, mercearia, agência dos correios e garagem, um luxo inusitado na época. Os prédios também incluíam elementos que na Rússia eram inovadores, como rampas de lixo, que vieram acompanhados de seus próprios problemas.

O célebre poeta Yevgeny Yevtushenko escreveu uma ode aos moradores indesejados que se arrastavam pelas rampas:

“As baratas preparam seu ataque.
Almirantes e bailarinas,
O cientista nuclear e o poeta,
Todos se enfiam debaixo das cobertas.
Onde se esconder das baratas?
Não há nenhum lugar.”

Tradução de Clara Allain

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