Descrição de chapéu Coreia do Norte

Em pré-escolas especiais, crianças norte-coreanas moram por até dez dias

Predominância do coletivo sobre o individual é ensinada desde cedo na Coreia do Norte

Ana Estela de Sousa Pinto
Pyangyong

No filme “A Camarada Kim Quer Voar”, exibido na Mostra de Cinema de São Paulo em 2013, o chefe de uma mina convence o pai da protagonista a deixá-la fazer carreira como trapezista. “Já não sei se ela é minha filha ou sua”, diz o pai. “Ela é filha da mina. É filha desta aldeia. É filha da nossa pátria”, ouve em resposta.

Salão com fileiras de mesas circulares com tampo verde e mesas retangulares com tampo rosa, de altura baixa, para crianças
Refeitório com capacidade para 600 crianças no Jardim Infantil Kyangsong; neste jardim, crianças de seis anos dormem de segunda a sábado - Ana Estela de Sousa Pinto/Folhapress

A supremacia do coletivo sobre o familiar e o individual fica clara logo na infância. No Jardim Kyongsang, por exemplo, crianças de 5 e 6 anos filhas de professores, artistas e jornalistas ficam de segunda a sábado. Só voltam para casa aos domingos.

“É para que os pais possam cumprir seus trabalhos atarefados sem se preocuparem”, diz a guia. São 5 edifícios e 14 mil metros quadrados. No refeitório, há 600 lugares, e as crianças dormem em quartos com oito beliches. Há jardins semanais em todo distrito. 

Esquema semelhante existe na Cooperativa Jangchon, no subúrbio de Pyangyong. Seus 1.350 cooperados vivem em diferentes aldeias e, para facilitar o trabalho, as crianças ficam no jardim da infância por períodos de dez dias.

 

A partir da escola primária, já vão e voltam sozinhos, como os estudantes da capital. Por todo lugar é possível ver estudantes andando em grupos, enfileirados de três em três ou de mãos dadas.

O exemplo mais vistoso da organização e disciplina são os Mass Games, apresentação que reúne dezenas de milhares de crianças para comemorar a fundação da República, em setembro.

Após um hiato de cinco anos, o evento voltou a ser apresentado neste ano e acabou sendo prorrogado duas vezes, até o começo de novembro.

Mais de 7.000 estudantes movem as placas do painel humano ao fundo, e crianças, adolescentes e adultos apresentam números de música e acrobacias.

É na escola primária etapa que as crianças entram para a primeira associação formal. No dia do nascimento de Kim Jong-il, o Dia da Estrela Brilhante, um feriado, são admitidas à Liga das Crianças e recebem um lenço vermelho que usam sobre os ombros. “Sempre alertas” é seu slogan.

Aos 14 anos entram para a Liga da Juventude. O serviço militar é obrigatório e pode chegar a dez anos, de acordo com a função. 

Na maturidade, a associação passa a ser união da categoria profissional a que pertence.

É nessas associações que os norte-coreanos ganham os broches com retratos de Kim Il-sung e Kim Jong-il —alguns trazem os dois, outros apenas o segundo.

Os primeiros broches são entregues aos adolescentes quando entram na Liga da Juventude. Os broches indicam que os líderes moram nos corações de seus cidadãos, e seu uso é levado a sério.

No Palácio do Sol, onde estão os corpos embalsamados de Il-sung e Jong-il, a Folha viu uma moça foi advertida porque havia errado ao prender o alfinete em sua jaqueta: em vez de afixar o broche no corpo do paletó, o havia prendido na gola.

"Usamos sobre o coração. Todo dia. Toda hora. Todas as pessoas”, diz a intérprete que acompanhou o jornal, Kim Kum-yong. E se perderem, podem ganhar outro? "Nunca perdemos", diz ela.

Alguns são indicados para membros do partido. Para ser admitido,  é preciso “ser fiel ao alinhamento político e fazer o que estiver ao seu alcance para defender a ideologia”, diz Ko. Há reuniões periódicas para discutir tarefas e fazer autocríticas e reparações. 

Dinâmica semelhante acontece nos grupos que reúnem entre 20 e 40 famílias vizinhas. Os líderes, em geral mulheres de meia idade, são responsáveis por saber detalhes do comportamento dos outros.

Esse controle social é apontado como uma das causas da aparente segurança pública. Durante os dez dias em que esteve na Coreia do Norte, a Folha não viu um carro de polícia na rua, e nenhuma das janelas, nem mesmo as do térreo, têm grades.

Se os crimes comuns são raros, os crimes políticos, como ofender os líderes ou trabalhar contra o regime socialista, rendem longas penas de prisão em campos de trabalho, e podem afetar até mesmo a família dos condenados.


 

Folha leva à Coreia do Norte perguntas de leitores

"O que você gostaria de perguntar a um norte-coreano, se tivesse a oportunidade de visitar esse que é um dos países mais fechados do mundo?" foi a questão feita pela Folha a seus leitores antes de embarcar.

Foram enviadas mais de 70 questões, parte delas respondidas durante a viagem, no final de outubro.

Muito foi visto e ouvido, mas o número de vozes e pontos de vista ausentes deixa sempre muitas questões em aberto.

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